quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Fora de Si", Tércia Montenegro para OPINIÃO


Quando alguém comete um ato hediondo, algo que ultrapassa as fronteiras do suportável, é comum que as pessoas busquem desesperadamente uma razão ou dispositivo capaz de acionar aquela maldade. Precisamos ver o rosto do assassino, revisar sua trajetória em busca de pistas que nos esclareçam. Buscamos rótulos, escolhemos termos como “louco”, “anormal” ou “fanático” – e a mídia estimula essas atitudes, detalhando a biografia do criminoso, subitamente transformado em espetáculo.

Há uma necessidade essencialmente humana nesse esforço – embora também haja muita especulação sangrenta, ligada à simples curiosidade mórbida. Imaginemos, entretanto, que a maioria assiste ao noticiário com estupefação e horror, para depois procurar minúcias do crime na internet, e isso não por prazer, mas por ânsia de explicação. É urgente que o absurdo faça sentido, e para isso são convocados especialistas. Psicólogos, sociólogos, educadores opinam, abrem teorias – e pode ser que depois de um tempo alcancemos não o sossego (impossível diante do episódio), mas um relativo conformismo. As hipóteses – deterministas, patológicas ou espirituais – nos convenceram de certa perspectiva. Um dos rótulos se sobressaiu, apontando o assassino como um ser que esteve “fora de si”, por algum motivo.

Ora, é justamente esta expressão tão usada que me parece um equívoco. Ela indica a irracionalidade, associada à loucura ou a tudo que não pode ser abarcado pela mente normal. Mas, por outro lado, é viável pensar que um matador de crianças que planeja o crime e deixa instruções póstumas estava, ao contrário, bem concentrado em seus objetivos – sejam eles resultado de delírio ou não. Ele estava tão dentro de si, tão voltado para seu ego inflado com visões de grandeza, que não se importou em destruir os outros. Aliás, essa destruição era a forma de exercer seu poder assassino – um ímpeto baseado em covardia óbvia.

No fundo, todo assassino é um vaidoso fatal, alguém que precisa se afirmar através da aniquilação alheia. Não importa que ele aja isolado, movido por “vozes” dentro da própria cabeça, ou integre um grupo doutrinário. Sua impressão de si mesmo o exclui dos demais e o faz pensar que é especial perante a sociedade, um tipo de eleito divino, vítima específica ou vingador imbatível.

Mas o fato é que poucas pessoas, dentro da história do mundo, são relevantes e inesquecíveis. Algumas alcançaram fama por motivos torpes: certos líderes cruéis, por exemplo, jamais serão perdoados. Mas muitos – santos, cientistas ou mestres – foram especiais porque saíram de si em direção à humanidade. São esses os verdadeiros poderosos, os que celebram a vida e a melhoram. Para eles, não é preciso buscar explicação ou significado: sua verdade sempre foi real, não imaginária.

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