segunda-feira, 27 de maio de 2019

"A Dupla", de Raymundo Netto para O POVO



Não tendo outro jeito, separou-se.
No começo, sempre difícil, buscava a companhia solitária e ilusória das multidões. Com o tempo, aquietou-se, arranjou um apartamentinho, organizou-o com suas coisas, acomodou e acostumou-se. Melhor: passou a curtir o silêncio e a sua solidão, esta sim, para ele, libertária.
Numa ironia terrível, bem própria da incoerente existência humana, na qual afirmamos amar a vida, todavia nos deitamos com a morte, enquanto gostava daquela situação, sentia precisar de mais alguém. Apesar disso, ciente de ser um incompreendido e da sua indisposição em acordar qualquer coisa que lhe restringisse o mínimo de espaço – tinha asmas emocionais –, decidiu viver a dois consigo mesmo.
Então, nos restaurantes, bares e cafeterias, passou a pedir tudo em dobro. Dois cafés, dois pães, dois pratos, dois pares de talheres... e até a se divertir em jogos de tabuleiro, de cartas e palavras cruzadas. Dava gosto vê-lo alegremente falando alto, conversando, lendo livros regados a chás, discutindo o cardápio e planejando viagens juntos. Fazia longas caminhadas no parque pela manhã. Um cuidava da saúde do outro, sempre achando que esse outro, por ser da mesma idade, deveria estar tão bem quanto.
A princípio, os vizinhos e moradores do bairro estranhavam, mas, com a rotina, já os reconheciam como gêmeos, percebendo nos modos, na fala e até no olhar, naquele instante, quem era quem.
Sabemos, entretanto, que a vida comum é um exercício. Com o tempo, a falta de privacidade e o excesso de intimidade podem pôr abaixo a mais sólida relação. Ele começou a desanimar. Irritava-se com frequência. Diante das discussões, jogavam na cara um do outro os seus mais inconfessáveis e inegáveis defeitos e contradições. Assim, aquela convivência se tornou intolerável. E, um dia, como é comum acontecer nesses momentos, estavam no café, quando surge à luz da manhã uma moça belíssima. Não demorou para que eles chamassem a sua atenção. Ela, curiosa e atrevida, aproximou-se, pediu licença e sentou-se à mesa.
Desacostumados com outro contato que não entre eles próprios, apresentaram-se, atrapalhados, a lhe perguntar coisas, as mais banais e supérfluas. A moça sorria: “Calma, rapazes, um de cada vez...”. Ao sair, colheu os números de seus celulares.
Sim, eles estavam completamente apaixonados. Mas tinha que ser pela mesma mulher? Agora, o que estava ruim ficou ainda pior: evitavam-se, faziam refeições em separado, brigavam para usar o banheiro, trancavam-se em seus quartos à espera daquela ligação. E ela ligava. Incompreensivelmente, para um e logo depois para o outro.
Um dia, ao acordar, ele sentiu um estranho vazio. Correu à sala e encontrou um bilhete. O outro fugira de casa para viver ao lado dela, o seu grande amor. Fizesse o que quisesse com suas coisas. Não queria saber de mais nada. Por fim, desculpasse. Se possível, enviaria notícias.
Aquilo foi demais. Ele, abandonado e irremediavelmente sozinho, não resistiu e se matou, não suportando a inigualável dor daquela dupla traição.


segunda-feira, 13 de maio de 2019

"Calor da Pele", de Raymundo Netto para O POVO



Outra que te ame mais do que eu, não encontras, amor. Eu garanto!”, batia nos peitos fartos de comovente vaidade romântica, logo naquele instante de não sobrar espaço para discussão nenhuma, mas apenas para ação, e ligeira, pois a moça, pelo menos entre quatro paredes, não se saciava com pouco e menos se fazia esperar.
Dedé, despreparado para as coisas do amor, como a maioria dos homens, cumpria o ritual amoroso, a princípio com um orgulho besta e viril, chegando com pouco às fronteiras do assombro e frustrando-se na constatação primeira da sua impotência diante do excesso libidinoso inalcançável da nova namorada.
Ela o consolou: "Nada não, querido, amanhã a gente tenta ir um pouco mais. Você está tão cansadinho..." E o abraçou com tamanho afeto, de quase colocá-lo no colo e embalá-lo no prelúdio de uma noite que parecia nunca acabar.
Noutro dia, no trabalho, com o colega Armando argumentava em causa própria: "Eu não sei o que ela tem. É um fogo sem fim aquela mulher. Eu sozinho não aguento. Não dou conta."
Essa vergonha íntima era tamanha, que a repetia como canto de cigarra, todos os dias, na pausa do cafezinho. Armando, num primeiro momento, pensou tratar-se de gabolice de macho. Depois, tomou a liberdade da inveja e, por fim, noutro dia, daqueles provavelmente em que o cão atenta, passou a ser consumido pela curiosidade daquela mulher obsessiva por prazer. Arriscou: “Você vive reclamando da doida de sua namorada. Por que não termina logo e passa a bola?”
“E ela deixa? Deixa, não, meu amigo. Aquela quando gruda... Capaz de morrer, ou pior, de matar. Ou ambos... o que vier primeiro.”
“E se fossemos os dois? Digo, se sozinho não dá conta, quem sabe se com nós dois?...”
A ideia era de um despudor escancarado. Um absurdo que, por isso mesmo, numa lógica agostiniana, poderia dar muito certo. Armando, sentindo a hesitação, não teve dó: “Vai por mim, Dedé, ela vai amá-lo ainda mais. Mulher assim tem que surpreender. Com nós dois, ela vai lamber os seus pés!”
Então, naquela tarde, mesmo temeroso, aparecia no apartamento dela com Armando, que era só sorrisos, suando as mãos  numa ansiedade de criança em loja de brinquedos. Sentaram-se no sofá como velhos conhecidos e riram muito com a proposta do terceiro. Dedé meio sem jeito capitulava num gaguejado medonho: "Benzinho, ele é doido. Falou e eu trouxe, mas é tonteirice. Como pode?"
Mas ela, por outro lado, lambia os beiços. Seus olhos pareciam foguetes de S. João a devorar com espinha e tudo o seu solidário amigo. Nem mal o namorado deitava a última vogal, foi arrebatado por ela, a tomar-lhe a boca, enquanto ao mesmo tempo trazia na chave de braço o pescoço do outro.
A vizinhança nem estranhava mais aquelas agitações no apartamento da moça, mas naquele dia havia algo de violento, de terríveis proporções. Era um arrastado sem fim, uns baques nas paredes, uns gritos indecifráveis de prazer e de dor. Há quem pensasse em chamar a polícia, os bombeiros, a sociedade protetora dos animais, um exorcista, mas não, apenas aguardaram de portas e olhos abertos para ver o que se dava ou se tirava dali.
Horas depois, na madrugadinha, alguém jurou ver um vulto correr nu, a toda, pulando a varanda e gritando acudas. No olhar tresloucado, o pânico! Era Armando.
Já pela manhã, o casal saía alinhado de banho feito e tomado. Ela dizia, melosa: “Docinho, na partida de hoje à noite não aceito banco reserva, não. Só o titular, viu?”
No trabalho, soube, Armando faltara. Estava mal, nem sabia o quanto. Dedé, então, pegou o jornal e, como não quisesse nada, aproximou-se de Reinaldo num lamento inconformado: “Amigo, eu não sei o que ela tem. É um fogo sem fim aquela mulher. Eu sozinho não aguento, não dou conta. Não, mesmo!”



quarta-feira, 1 de maio de 2019

Lançamento "Antologia HQ" e "História das Histórias em Quadrinhos no Ceará" (4.5)




EXTRA! EXTRA!
Tão ansiosamente aguardado quanto OS VINGADORES: ULTIMATO, no sábado, dia 4 de maio (Dia do Star Wars), a partir das 16h, no auditório do Centro Cultural Dragão do Mar, LANÇAMENTO da Antologia HQ: quadrinhos para sala de aula (reunindo grandes talentos cearenses do segmento) e História das Histórias em Quadrinhos no Ceará (primeiro registro impresso dessa história cheia de buracos negros).
Será um grande encontro reunindo, certamente, os melhores quadrinistas do estado do Ceará (compreendendo a ausência de alguns que por motivos geográficos não poderão vir).
Na edição da Antologia HQ: Fred Macêdo, Luís Carlos Sousa, Julio Belo, Thyago Cabral, Dharilya Sales, Pedro Leonelli, Karlson Gracie, Blenda Furtado, Geraldo Jesuino, Juliana Rabelo, Daniel Brandão, Fernando Lima, Ramon Cavalcante, Júlia Pinto, Rafael Limaverde, Cival Einstein, Klévisson Viana, Lederly Mendonça, Raymundo Netto, Seres Urbanos, J.Joao Marreiro, Cayman Moreira, Lene Chaves, João Belo Jr e Raymundo Netto.
Na edição do Histórias das Histórias em Quadrinhos: Weaver Lima, Levi Jucá, Camila Holanda, Marcos Sampaio Nogueira Lopes, Geraldo Jesuino, Ricardo Jorge, Fernando Lima, Eduardo Pereira, Adolfo Sá, Adelvan Kinobi, J.Joao Marreiro e Raymundo Netto.
CURTAM, COMPARTILHEM E COMPAREÇAM! As obras estarão à venda a preço promocional.
SERVIÇO:
Data e horário: 4 de maio de 2019, a partir das 16h.
Local: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (em frente do Planetário Rubens de Azevedo)