quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"Os Esportes Impossíveis", de Tércia Montenegro para O POVO (29.02)



Se hoje gasto pouco tempo com exercícios físicos, houve uma época em que eu era sedentaríssima. Quando lecionava em colégios, tinha de trabalhar tanto, e num ritmo tão alucinado, que não me restavam forças para qualquer movimento nas horas vagas. Eu tentava me iludir, acreditando que o desgaste da profissão queimava calorias – mas o fato é que bater palmas (para pedir silêncio aos alunos), andar para lá e para cá durante as aulas, gesticular e escrever na lousa não são um programa de exercícios completo. Como resultado, constantemente eu adoecia, sentia-me exaurida e pálida, enquanto ativava a imaginação (ao menos, essa!) para pensar nas modalidades esportivas que jamais conheceria.
       Via-me com equipamentos de alpinismo, esqui ou mergulho, e às vezes inventava a sensação de lidar com bolas de tênis, vôlei ou basquete. Nos dias mais cinzentos, desejava patins para dança no gelo. Gostava especialmente da ideia de me tornar amazona, galopando por hípicas intermináveis – ou, talvez, eu pudesse ter sido uma ginasta, flexível e rápida. Todas essas versões utópicas de minha identidade eram motivadas por atividades físicas que nunca tive.
      Mas não pense o leitor que foram apenas esportes de inverno ou caros que me fugiram do alcance. Um simples passeio de bicicleta ainda é para mim algo inviável! Minhas intenções de equilíbrio são sempre vencidas pela atração gravitacional, e por mais que eu me esforce não há jeito. Já me conformei com a hipótese de um carma ou maldição – até porque outro dia sonhei que de novo nascia, e o médico segurava minhas perninhas de bebê e fingia dar umas pedaladas. Depois ele ria como um psicopata, dizendo: “Rá-rá-rá, essa aqui nunca vai aprender!” Classifiquei a imagem como sonho, mas agora estou pensando se não sofri uma regressão e recuperei uma incrível memória dos tempos de infância...
      De qualquer modo, se hoje eu pudesse escolher, de imediato me entregaria à esgrima – pelo prazer de usar máscara, luvas e colete protetor. E erguer um florete, acima de tudo: palavra que é delícia e perfume desde os tempos em que li “O chamado”, da Lygia Fagundes Telles. Nesse texto, a escritora (que se formou em Educação Física) fala da disciplina e da rapidez que o esporte lhe ensinou. Porque a esgrima – exatamente como a ficção – consiste em avançar veloz, para atingir um coração exposto.

"Quando o Amor é de Graça XII: Boi de Piranha”, crônica de Raymundo Netto para O POVO (29.2)




É preciso muita coragem para se entrar numa guerra. Mas é preciso de muito mais para sair dela.
O povo do mundo é uníssono, todo parecidinho, nem sei por que de tanta inveja. Entre nós cresce a globalização, sinal de desindividualização, da descriatividade, de privilégio à produção (pensamento e ação) em massa, em detrimento à inteligência. As pessoas “griffadas” ouvem, vêem, falam e gostam das mesmas coisas, aquilo que vende muito, não por coincidência, o que os jornais, rádios, revistas, outdoors e televisão insistem ser fenômeno, ser bonito, ser o melhor. Para se viver, adotamos patrocinadores. Enquanto consumimos, somos consumidos. É o sistema que abraçamos, enquanto ele nos crava as unhas nas costas.
O dinheiro, grande olho da providência — deus maior da (des) humanidade a se render ao seu credo (ou crédito) — convencido de controlar a todos e a tudo, a destruir vidas, sentimentos, laços familiares, a corromper até os grandes sacerdotes e pôr abaixo os ideais aguerridos, cada vez mais concentrado — se existem mais ricos é porque nós estamos cada dia mais pobres —, aumenta a selvageria entre os iguais numa sociedade desigual onde o custo de vida e a desesperança se tornam cada vez maiores.
A escola pública, possível no passado, foi desmoralizada, juntamente com seus agentes, para que a escola privada — tabletizada e ipadizada — nos provasse todos os dias que a sua irmã pobre é uma perdedora, destinada a não chegar à universidade, não fosse escada proúnica levantada, por favor, pelo governo. A Saúde pública, com o tempo, adoeceu, e nos convenceram de que a vida não seria possível sem ter o tal Plano de Saúde — plano este que, basta precisar dele para se adoecer gravemente... de raiva! — e, agora, a medrosa segurança pública que não existe, claro, nem nunca vai existir, pois não precisamos de mais leis, mais cadeias, nem de mais policiais, além do quê, quanto mais se criam leis, constroem cadeias e se contratam policiais, mais teremos confirmada a inferioridade de nosso povo e a incompetência de nosso governo. Para se ter segurança, precisamos investir é em Educação (não apenas de mais escolas ou de mais professores, mas de formação continuada, de qualidade e de recursos bem geridos), Cultura (reconhecimento de nossos artistas, de nosso patrimônio, de nossa identidade e aprender a olhar de frente para a nossa gente), Saúde (menos tecnologia, mais humanidade, saneamento básico, maior salário e condições de moradia digna), Justiça (menos juízes, menos advogados, menos privilégios, mais rigor e honestidade) e Lazer (precisamos formar e investir nos talentos locais, pois dá para fazer um bocado de coisa com os cachês astronômicos pagos a artistas “de fora” ou aos “artistas” que servem unicamente ao poder da ora).
Temos que aprender a olhar para baixo. De ônibus, pelas janelas, a cidade feia como nunca, e, pior, tomada pela miséria (estética e funcionalmente). Famílias inteiras morando nas ruas, crackando nas calçadas e até roubando à luz do dia. Percebe-se: o cerco está se fechando. A miséria — não os pobres — e a violência estão chegando à nossa porta. Nosso egoísmo, ignorância e covardia, nossa ruminante inutilidade de gado, alimentam o monstro que um dia emergirá da lagoa, tão horroroso e cruel, penso, que não poderemos suportar.
Nesse mundo, quem acredita, quem ainda sofre de indignação pela injustiça alheia, quem de fato se solidariza com a dor do outro — e não apenas repete lamentos vazios de “gente boazinha e religiosa” ou discursos naftalínicos de ideologias de palanque — esse é como “boi de piranha”, escolhido ao sacrifício para que a manada toque em frente. A guerra, para ele, sem “pasta”, púlpito nem paletó, será a sua ruína. Cansado, com “a leve impressão de que já vai tarde”, encaixota a voz e o coração, e tira sabe Deus de onde a coragem para dizer que “chega!”

Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

III Feira do Livro Infantil de Fortaleza



III FEIRA DO LIVRO INFANTIL DE FORTALEZA
INSCRIÇÕES ABERTAS PARA EDITORAS!

A Casa da Prosa inicia o processo seletivo de editoras interessadas em participar, como expositora, na III Feira do Livro Infantil de Fortaleza, a maior do Nordeste. A participação é gratuita e as inscrições estão abertas de 27 de fevereiro a 31 de março de 2012.
O resultado da seleção será anunciado em 18 de abril, Dia Nacional da Literatura Infantil, na ocasião do pré-lançamento da Feira, na Praça do Passeio Público, um simulado do que acontecerá nos quatro dias do evento.

Serão selecionadas 36 (trinta e seis) editoras brasileiras do segmento de literatura infantil e juvenil que dividirão o espaço dos estandes na Praça do Ferreira com uma programação cultural que festejará 12 novos lançamentos literários.
Serão ofertados:
  •     32 minioficinas para crianças,
  •     16 oficinas de Fanzines para jovens
  •          8 oficinas sobre leituras e contação de histórias para professores, e
  •    4 Programa Leituras Favoritas com escritores convidados (encontro entre leitores e escritores ou ilustradores.


Haverá ainda contação de histórias todos os dias do evento e oficinas, coordenadas pelos Agentes de Leitura da Secretaria da Cultura de Fortaleza, para professores e demais interessados. Essas oficinas deverão acontecer na Praça General Tibúrcio (a “dos Leões”) e no Passeio Público.

A edição de 2012 continuará com a doação de livros infantis para crianças e adolescentes de escolas públicas através do Vale Leitura. Para esta edição, elevar-se-á o número de exemplares distribuídos: 5.000. As inscrições para as escolas terão início em agosto de 2012.
Além da programação completamente GRATUITA, descontos de cerca de 30% em livros expostos e de bons lançamentos, esta edição, como as anteriores, trará grandes nomes da literatura brasileira e atrações musicais.

Serviço:

A III Feira do Livro Infantil de Fortaleza acontecerá de 29 de agosto a 1º de setembro de 2012, das 8h às 21h, na Praça do Ferreira.
Realização: Casa da Prosa.
As editoras interessadas devem solicitar a sua ficha de inscrição para seleção através do e-mail: flivrofortaleza@gmail.com
Mais informações: (085)3252.3343.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

VI Encontro de Twitteiros Culturais de Fortaleza (25.02)

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VI Encontro de Twitteiros Culturais de Fortaleza
— Do tec tec da datilografia ao suporte digital —

O Encontro de Twitteiros Culturais de Fortaleza chega a 6ª edição e promove neste sábado, 25, a partir das 16h, bate-papo com o tema “Blogs Literários e o cotidiano do escritor”, com a participação da escritora Ana Miranda, da blogueira Ana Waleska Maia e do blogueiro Raymundo Netto. A mediação será do curador do “Prêmio Jabuti”, José Luiz Goldfarb.

Histórico dos Encontros de Twitteiros Culturais (ETC) no Brasil
Em tempos de “#eu tuito #tutuita  #nostuitamos e partilhamos” um grupo de São Paulo juntou-se a outro no Rio de Janeiro, a outro em Curitiba, a outro em Fortaleza e daí a outras cidades, totalizando 17 no Brasil, além da presença internacional em Barcelona, Turquia e Amsterdam. A disseminação de informações e debates sobre cultura e educação uniu essas pessoas que decidiram interagir também na vida off-line, daí nasceram os Encontros de Twitteiros Culturais (ETC).

O evento logo ganhou um site próprio e passou a ser coordenado nacionalmente pelo multidisciplinar José Luiz Goldfarb, da Poiesis; Ricardo Costa, do Publishnews; e Fernanda Musardo, que administra o site ETC_Brasil.

Já se passaram três anos desde que foi realizado o 1º ETC e o projeto continua “invadindo” eventos, como a 21ª Bienal do Livro de São Paulo.

Histórico dos Encontros de Twitteiros Culturais (ETC) em Fortaleza
Em Fortaleza, o ETC foi abraçado pela jornalista e editora Albanisa Dummar (@albanisal), a jornalista Luiza Helena Amorim (@luizahelena) e a socióloga Glória Diógenes (@gloriadioge) que cuidam da organização do evento no Armazém da Cultura: casa editora e espaço multicultural. A cada bate-papo, são escolhidas temáticas diferentes, como Twitter e Relacionamentos (Rede Sociais: uma nova geografia da arte e dos afetos”). O último discutiu temas como ética online, empreendedorismo digital, marketing digital/comunicação integrada e comportamento dos usuários/geração y e contou com uma palestra do  professor de Marketing Digital Gabriel de Oliveira (@wgabriel1).

“Blogs Literários e o cotidiano do escritor”
Para esta edição de sábado, 25, às 16h, o tema será “Blogs Literários e o cotidiano do escritor”, com a participação da escritora Ana Miranda, da blogueira Ana Waleska Maia (Blog “O ser em movimento”), do blogueiro e escritor Raymundo Netto (vlog “AlmanaCultura”). O Encontro terá a mediação de José Luiz Goldfarb, o curador do “Prêmio Jabuti. Blogueiro ou não, mas, se você consome, produz ou partilha cultura nas Redes Sociais (ou não), se achegue neste sábado, 25, ao VI Encontro de Twitteiros Culturais de Fortaleza

Como diria o @jlgoldfarb  #VqV (Vamos que Vamos), a boa cultura nos espera!

Serviço
VI Encontro de Twitteiros Culturais de Fortaleza (@ETC_Fortaleza)
Data: 25 de fevereiro, às 16 horas (SÁBADO)
Local: Armazém da Cultura (Rua Jorge da Rocha, 154, Aldeota, fone: 3224.9780)
Mais informações: Luiza Helena Amorim ou pelo site www.armazemcultura.com.br.
--
Luiza Helena Amorim [jornalista e escritora]

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

"Grupo Eufonia de Literatura", jovens se reúnem para discutir, vivenciar e brincar com a Literatura em espaços públicos




O Grupo Eufonia de Literatura vem atuando desde 2007. Criado por CA Ribeiro Neto e Pedro Gurgel, alunos do antigo CEFET quando em período de greve. Os alunos decidiram se reunir e convidar os amigos para falar sobre livros, leituras, apresentar seus escritos e coisas assim. Surgiu, a princípio, com a denominação de Grupo APPLE (Amantes da Prosa e Poesia Lida e Escrita).

Mais tarde, o grupo receberia outros membros como Hermes Veras (cursa Ciências Sociais), Caetano, Lucas Lima (aluno do Ensino Médio), Paulo Henrique Passos (Letras/Português UFC), Rômulo Costa, Emily Matias, Natália Sulivan, Pedro Ivo (cursa Ciências Sociais na UECE), Felipe Augusto (cursa Telemática no IFCE), entre outros (o fundador CA Ribeiro Neto é graduado em Ciências Políticas e trabalha na Livraria Cultura).

O Eufonia, cujo símbolo mascote é um pássaro, o “vem-vem” (Euphonia chlorotica), já adotou, durante esse tempo, diversas “sedes”, dentre as quais os cafés, livrarias, praças (mais especificamente o Passeio Público) e, desde 2010, a Biblioteca Dolor Barreira.

Na Dolor, o encontro (que eles chamam de “arribação”) se dá no pátio (“o ninho”), às terças, entre 19h às 20h30. Na programação: confronto com o autor (alguém lê seu texto que será criticado pelos demais, sem o autor poder falar enquanto os demais estiverem falando), apresentação de livros e autores, pesquisas, saraus temáticos (escolhe-se uma temática e, a partir dela, os membros apresentam leituras, embora afirmem que, para eles, a fuga do tema é fundamental... Vai entender...)

Eles publicam o periódico NEM (NEM é revista, NEM zine, NEM jornal...) e no NEM 1, formato digital, eles publicaram o “programa de instalação” do Grupo.

Para ler o NEM 1 (leia-se “nenhum”), acesse: 

 Endereço de contato/facebook etc.

"Benfolia", de João Soares Neto



Há quatro anos fazemos um projeto: saber o que existe de música carnavalesca na cidade. Decidiu-se, não se sabe quem, nem a razão, que Fortaleza não se presta a carnaval. Assim, contra a corrente, instituímos o “Benfolia” em que compositores e cantores se submetem a uma seleção prévia, dividida em três etapas. Os 12 melhores vão para a final. Tivemos o cuidado de formar um jurado polivalente: musicistas, carnavalescos, jornalistas, homens públicos, arquiteto, médico, intelectuais, rainha do carnaval, produtores etc.
Nesta edição a festa tinha 25 jurados, o que diz da lisura da decisão. As 12 músicas selecionadas são novamente cantadas, há torcidas organizadas e a imprensa é convidada, só não percebeu talvez a sua importância que, além de premiar os três primeiros lugares em dinheiro, gravamos CD com as músicas selecionadas e o distribuímos gratuitamente com participantes, emissoras, comunicadores e formadores de opinião.
A cada ano, homenageamos pessoas que, no passado ou presente, trabalham pelo carnaval. Não o Axé Music, mas sambas, choros, modinhas e que tais.
Os homenageados de 2012 foram: (1) o radialista Augusto Borges, por sua história profissional dedicada ao rádio e à televisão e na defesa da música local; (2) o compositor, carnavalesco e apresentador Dílson Pinheiro, divulgador de todas as manifestações mominas, inclusive o sincopado Maracatu; e (3) o figurinista Isidoro Santos, estilista e desfilante de fantasias grandiosas no Ceará e no Brasil. Íamos esquecendo: tivemos um “revival” de concurso de fantasias.

"Sem Você", de Chico Buarque



Sem Você


Sem você
Sem amor
É tudo sofrimento
Pois você
É o amor
Que eu sempre procurei em vão
Você é o que resiste
Ao desespero
E à solidão
Nada existe
E o tempo é triste
Sem você
Meu amor
Meu amor
Nunca te ausentes de mim
Para que eu viva em paz
Para que eu não sofra mais
Tanta mágoa assim
No mundo sem você

sábado, 18 de fevereiro de 2012

"Asas de Não-Voar", de Raymundo Netto


Eu quis sonhar,
Como um tolo que derrete as ceras no ar
Como uma asa na escuridão triste a ruflar...
Eu quis voar,
Como doce é o beijo salgado do mar
Eu mergulho num verso azul na penumbra...

Quando eu falava em feitos antigos,
Sombras, desejos, velhos amigos,
Recordações que não vogam mais,
De tempos perdidos, meus tempos de paz...
Santana isolada, mãe tão tristonha,
Serena loucura do menino que sonha,
Bebida amarga, prima-estação,
No seio e no ventre do meu coração.
Pessoa calada, poeta matreiro,
Amantes e amores o tempo inteiro
Não carece saber cantar
Para amar e amar e amar
Em cada momento...

Lua formosa, bela, altaneira,
Linda, formosa, rainha primeira,
Bandeiras e ursos suspensos no ar,
Profetas e epístolas no fundo do mar.
Murmúrio de surdos, orvalhos, paixões,
Lágrimas, violas, sons de bordões,
Violões exasperados cantando roucos e desafinados,
Pessoa airada, poeta faceiro,
Amantes e amores o tempo inteiro
Não carece saber fingir
Para sentir e sentir e sentir
O meu sentimento.

AlmanaCULTURA...Simples Assim!


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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

"Moreira Campos", de Pedro Salgueiro para O POVO (15.2)



Conheci primeiro Moreira Campos de livros, na primeira metade dos anos 80 do século XX; quase uma década depois é que fui ter o primeiro contato pessoal com ele. Eu ainda fazia Agronomia na Universidade Federal do Ceará e morava na Residência Estudantil ali na Pracinha da Gentilândia; com o tempo fui fazendo amizade com estudantes de Letras e aumentando meu gosto pela literatura (apesar de adorar livros desde pequeno). E foi numa das minhas andanças pelos sebos atrás de Gabriel Márquez, Júlio Cortazar e Juan Rulfo (um livro novo na época era um sonho impossível, lia-se muito emprestado de amigos e bibliotecas, vivíamos roubando exemplares das livrarias) que me deparei com seu “A Grande Mosca no Copo de Leite” e só o larguei quando uma semana depois encontrei “Os Doze Parafusos” numa calçada da Rua Pedro I, entre revistas e best sellers. Dali em diante passei a ser seu leitor fiel, e lembro que tremi quando folheei o belo volume d’”O Puxador de Terço” (ainda hoje o meu preferido entre seus poucos livros editados).
Cruzávamos sempre o Bosque de Letras indo para o Restaurante Universitário: um belo dia um colega me apontou um senhor muito magro que conversava com vários estudantes debaixo de uma mangueira. Perguntou-me: — Sabe quem é aquele? Respondi que não, ele riu e disse que era o grande contista Moreira Campos. Senti um frio na barriga, mas seguimos adiante, sem coragem de parar ou ficar olhando por mais tempo, assim como continuei a fazer por quase dez anos. Sempre o avistava conversando com estudantes, passando a pé ou no seu conhecido fusca verde (na época ainda morava quase na esquina da avenida Carapinima, numa casa vistosa que tempos depois foi criminosamente derrubada para abrigar um estacionamento). Nunca tive coragem de puxar uma conversa, éramos tímidos demais para isso. E mesmo já tendo lido grande parte de seus livros e de o admira-lo bastante como escritor jamais me aproximei do homem.
Tempos depois, já rabiscando meus primeiros contos e tendo até vencido alguns prêmios literários é que conheci a filha dele, também ótima escritora, Natércia Campos. Da amizade com ela me veio a coragem tardia de confessar que queria conhecer o agora já mestre e inspirador escritor.
Dois dias depois estava eu, nervoso, suado, descendo do ônibus quase na esquina de seu apartamento da rua Beni de Carvalho. Anuncie-me pelo interfone e subi com uma vontade danada de voltar dali mesmo. Em pouco tempo eu estava sendo recebido à porta pela simpática esposa do professor agora aposentado, Dona Zezé, que, sem ligar para o meu acanhamento foi me mandando entrar, sentar, esperar um pouco que o “Zé Maria já vem, acabou de sair do banho”, e enquanto eu esperava fui me deliciando com aquela sala bonita, bem cuidada, cheia de livros e quadros de bom gosto, podia-se dizer sofisticada, muito sofisticada para os meus padrões de estudante pobre vindo do interior. Lembro bem que fiquei olhando para a coleção de miniatura de corujas em cima da estante. Lembranças que os muitos amigos, alunos e familiares traziam de viagem, homenageando o escritor pelo seu belo conto “As Corujas”.
Pouco depois ele entrou na sala, magrinho, um pouco curvado, a fala baixa, mas muito simpática, sintoma já do enfisema pulmonar que o maltratava. Conversamos mais de uma hora, intercalados por visitas ao seu escritório (onde me mostrou os muitos clássicos portugueses) e a um baú no canto da sala, de onde Dona Zezé foi tirando um a um os seus livros mais antigos, edições impecáveis que hoje trago em lugar especial de minha estante, com seu autógrafo já trêmulo. Daí a pouco ele começou a tossir e fui me apressando em ir embora, mas não sem antes prometer voltar qualquer dia desses.
Voltei ainda duas vezes, numa das quais criei coragem e trouxe a cópia ampliada de meu primeiro livro, “O Peso do Morto”, e na maior cara de pau pedi que ele “desse uma olhadinha, se pudesse”. Juro que só tive coragem de tal gesto devido à simpatia com que já era tratado por ele e Dona Zezé naquele agradável encontro.
Tempos depois, num domingo bem cedo, recebi um telefonema de Dona Zezé me dizendo que o “Zé Maria está escrevendo uma crônica sobre seu livro para a Porta de Academia” (coluna que o escritor mantinha neste mesmo O POVO). Agradeci a atenção e passei o resto do dia, da semana embevecido, sem pisar no chão. Esperei uma semana, duas, três, achando estranho não ter mais saído as crônicas dele no referido jornal. Dias depois um amigo me disse que o escritor estava internado. Procurei Natércia que me confirmou muito abatida. Coragem alguma de ligar para Dona Zezé.
Pouco tempo depois soube da notícia de seu falecimento. Não fui ao sepultamento, preferi ficar com as agradáveis lembranças dele vivo.
Fiquei triste por algum tempo, de vez em quando releio seus contos, olho suas últimas fotos tiradas por mim nas poucas, mas agradáveis visitas ao seu apartamento, vejo nos livros sua bela assinatura trêmula e lembro com carinho sua figura gentil, atenciosa e ética. Um dos raros escritores que a valiosa obra ombreia com a personalidade, com o caráter.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

AlmanaCULTURA: divulgue você mesmo!


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"Quando o Amor é de Graça XI: Confissão à Forca", de Raymundo Netto para O POVO (8.2)


Por saber que a saudade traga a gente, o tempo nos ensina que a gente traga sempre uma saudade.
Desde pequeno tenho como regra a saudade de tudo, mesmo daquilo recomendável lançar do parapeito da janela mais distante. Chega-me de Neruda: “saudade é sentir que existe o que não existe mais”. E existo, tão saudoso de um jeito, a sentir saudades até dos meus erros. Sim, por que não? Errei muito na vida. Erros tão conscientes e queridos a não me deixar sequer sombra de arrependimento. Aliás, meus erros me são tão sinceros que sou de não poupar oportunidade de sempre contá-los, no afã de mostrar-me às pessoas para que não se iludam a meu respeito, me entendam e não esperem mais de mim. Afora do que veem, asseguro, sou apenas fama e fantasia.
Mas há, em feliz, quem inda goste de mim assim, sem exigir-me de mais nada. Outros, pensam — e expressam — o que poderia melhorar para estar bem, quase me desenhando outro. No entanto, haveria de haver também aqueles que me têm a mais cordial antipatia e descrédito.
Tenho assim, outra fragilidade a confessar. Creio, e creio de verdade: as pessoas que me gostam são bonitas, simples e especiais. Ao contrário, quem não gosta de mim é porque embriaga-se no seu fel, tem mau caráter e espírito de porco (com todo respeito ao pobre animal). Faz, de fato, um grande favor em revelar-me o seu não-ter-o-que-fazer espiritual.
Mesmo assim, também a estes, curiosamente leitores fieis — sempre esperando escorregões de vírgulas (essa coisinha gibosa, enfisematosa e de baixa autoestima), — denuncio, aqui, minhas incorrigíveis falhas: Não gosto de aparecer, nem de títulos, muito menos crachás. Detesto multidões e falar em público. Sou gago, cheio de tiques, distraído e enjoado. Incompetente nas coisas mais simples, não sei coisas demais. Tenho problema com relógio de ponto e com extratos bancários. Gosto de letras, não de números, por isso não me adapto ao dinheiro. Guardo coisas velhas que não têm valor nem interessam a ninguém. Gosto de andar de ônibus e a pé. Adoro roupa muito usada (as primeiras da gaveta), filmes em preto e branco e mesa de bar de esquina. Não sei nome de carros, não como ao lado de quem não gosto, nem danço coisa nenhuma, além de ter passado da idade de ter que ouvir aquela música que todos ouvem apenas porque é o sucesso do momento. E, para concluir, a mais grave: acredito serem possíveis muitas coisas que todas as outras pessoas já sabem, de berço, que não dão certo, mas eu insisto nelas mesmo assim.
Machado de Assis, ao acaso, concluiu: “Um dos defeitos mais gerais entre nós é achar sério o que é ridículo, e ridículo o que é sério”.
Daí, não me iludo com a vida alheia. Quando falam com muito entusiasmo de personalidades, de seu progresso profissional ou afetivo, olho sempre com desconfiança. Quando me perguntam quem eu gostaria de ser, não cito os grandes nomes, mesmo aqueles cuja plateia ecoa em idolatria, admiração e amor. Ora, cada qual suporta uma sua dor, mas nem sempre ela é sentida pelos outros a apenas enxergar o que se é permitido no olhar da conveniência de todo sempre e de todas as gentes. Não, não gostaria de ser ninguém, não tenho vontade de ser nem de ter nada dos outros. Por outro lado, se me perguntassem: “Quem eu não gostaria de ser”, a resposta pularia do trampolim da língua: Raymundo Netto, esse eu conheço bem. Deus me livre!
De assim, continuo a (prot)agonizar o papel desse sujeitinho ridículo, como as cartas de amor de Pessoa, com a fria esperança de uma dia liberdade, de uma tarde compreensão e de a noite ser em silêncio.
“Eu sei que tudo é como o fumo leve:/Foge... mas, porque a vida seja breve, /Há sempre um dia mais para quem ama”*.

(*) Mário da Silveira (1899-1921)

Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br

domingo, 5 de fevereiro de 2012

“Nova Visitação – DESENHOS”, mostra de desenhos de Eduardo Eloy, no Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar (até 15.3)


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O Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar (MAC Dragão do Mar) fomenta e divulga a arte contemporânea por meio de exposições, visitas guiadas, cursos e debates. Projetos como Arte em Crivo, Sala Experimental, Painel Giratório, Americanidade e Jornada de Criação fazem do espaço referência no acesso democrático aos bens culturais, além de atrair as mais recentes propostas da arte contemporânea mundial ao Ceará. As atividades propõem mecanismos e políticas educacionais que ampliam a compreensão do público acerca deste universo tão emblemático. O espectador tem a oportunidade de visualizar e debater sobre vários recortes da produção de várias partes do mundo.

A mostra “Nova Visitação – DESENHOS” do artista plástico, desenhista, gravador, pintor, criador em processos digitais e fabricante de papel artesanal Eduardo Eloy traz obras produzidas produzidas em exercício intimista em sua produção gráfica ou pictórica. Conforme a profa. Lisbeth Gonçalves, “revelam sua inquietação poética e sua vocação para a pesquisa no exercício da arte”.
“(...) Seus desenhos dialogam fortemente com a cor trazida à superfície do papel pela ‘aguada de café’. De um lado, vemos o artista fiel à sua pesquisa gráfica, à
iconografia simbólica que vem caracterizando seu trabalho ao longo do tempo, tanto na pintura como na gravura e no desenho. De outro lado, nós o vemos imergir em novos problemas estéticos nascidos da técnica, da matéria, problemas estes que
renovam sua reflexão plástica. A chave deste ponto de encontro entre as práticas da pintura e do desenho está no uso da ‘‘aguada’‘, não à maneira antiga, mas a aguada praticada num ato de transgressão, por via de um produto de consumo cotidiano, como é o café”.

Eduardo Eloy estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Museu de Arte Moderna e Fundação Calouste Gulbenkian, no Rio de Janeiro, entre 1976 e 1981. È também professor de gravura e materiais artísticos, consultor de arte e curador. Realizador da Oficina Pé no Chão, nos anos 80, fundador do Grupo Aranha, de pintura mural, além de diversos outros projetos. Foi presidente e fundador, juntamente com outros artistas, do Instituto de Gravura do Ceará. Expôs em vários países no exterior e em diversos estados brasileiros. Tem obras em importantes museus, instituições culturais e em acervos particulares.

A exposição de Eduardo Eloy, no Museu de Arte Contemporânea, segue até o dia 26 de fevereiro de 2012.

Contato com o autor: eduardoeloy@yahoo.com.br/ www.eduardoeloy.art.br

AlmanaCULTURA, CLARO!


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