domingo, 10 de abril de 2011

"Famílias Contemporâneas", artigo de João Soares Neto para O Estado (8.4)


Tome cuidado ao falar. Especialmente, se você estiver com gente jovem. As relações entre eles, amizades, namoros, e mesmo os casamentos, são fluidas. Assim, atenção ao perguntar por fulana ou sicrano. Pode já ter deixado o rol de amigos, a relação estável ou até o casamento. Não mexa em caixa de maribondos. Hoje, crianças passam a conviver com outras, até então desconhecidas, que, na verdade, são filho (as) do namorado (a) ou companheiro (a) da mamãe e/ou do papai que já não vivem mais juntos. Até se falam, mas cada um na sua.


Nesse tempo de relacionamento complicado, duas pessoas (pai e mãe), os que não estão — pelo menos naquele determinado momento — com novos relacionamentos, sempre ficam de fora. E, são eles, geralmente, os que apimentam ou fustigam as relações com os filhos, intrigando-os contra os pais/mães e seus novos relacionamentos. Os filhos, muitas vezes, passam a não entender nada e ficam confusos. Os pais se amavam tanto.


E agora? Começam, em face das novas relações de seus pais, a ficar parte do tempo na casa de avós que, se aposentados, têm tempo disponível. Têm tempo, mas ainda não absorveram a volatilidade dessas relações amorosas contemporâneas. O problema, nesses casos, é o ajuste dos sentimentos, das ideias e da linguagem para entender a mistura dos filho (a)s do (a)s filho (a)s com os filho (as) do(a) novo (a) cara permanente ou passageira que desponta nas festinhas de aniversários e até nos cafés e almoços dominicais.


Quem é? Começou quando? Meu Deus, isso é o fim do mundo, são os costumeiros comentários dos parentes, especialmente do (as) tio (a)s que nada têm a ver com a história pessoal do (a) sobrinho (a). Os avós, irmãos do (a) tio(a), ficam compassivos, mudos, olham para o infinito, pouco entendem a peça que o tempo lhes pregou e da qual passam a ser atores.


As ramificações surgidas nessas novas relações ficam embaralhadas. De repente, o (a) filho (a) deixa três crianças na casa de seus pais. Duas, são netos (as) e a outra? É filho (a) do moço que estava na direção do carro e, sequer, desceu para cumprimentar. E o que fazer para juntá-los? Como ter a naturalidade com uma criança estranha que, sem mais nem menos, chega, com os (as) netos (as) queridos (as) para um fim de semana prolongado e a primeira coisa que fazem é pegar e mexer no novo celular do avô para jogar?


Enquanto isso, os amantes, ficantes ou casantes se mandam para algum lugar sem barulho das crianças que geraram e prometeram criar com amor, assistência e presença. Crianças, todos sabem, são manipuladores, e os avós, nas ausências dos pais, pagam o pato, mesmo que estejam a tomar remédios para o diabetes, hipertensão, gota e as colunas vertebrais não aguentem abraços fortes dos netos que vêm em desabalada e inocente correria.


E há ainda as reclamações dos (as) filhos (as) quando voltam dos seus passeios: essas crianças não tomaram banho e as mochilas ainda não estão arrumadas? Os avós, silentes, sem terem sequer recebido um beijo dos (as) filhos (as) que chegam esbaforidos (as) e apressados (as), ajudam a fazer as mochilas, se despedem dos netos e do novo (a) “sobrinho (a)” que, todo (a) feliz, diz: “Tchau, tio. Gostei, vou voltar. Até breve!”

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