segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

"Gota D'Água", de Raymundo Netto para o vento


Tu, tu, tu

A torneira pinga, goteja, gotosa, gotejante, artrítica.

Num lamento perdura, dura, mistura candura e fura

Tanto bate até que fura.

Tu     Tu    Tu 

A torneira pinga goteirante, entorna a gota gotílica, gótica.

E no rumo da pia, toma prumo: se esguia rasto de rio

Se eu rio, sorrio, só rio.

Tu          Tu          Tu

A torneira pinga, insiste, goteia, goturva, gotante

Deslizando na pedra, se enreda, se entranha, se esgota

E no ralo, morta, não é nada, gotada, goteira, gota rota.

Tu                   Tu

A torneira pinga pingos d’água, mágoa, solidão.

A torneira pinga   pinga   pingandante

A torneira é como o verso que chora.

Tu


 

"Desejo Secreto", de Raymundo Netto para O POVO


Susanabela nem não acreditava, senão o homem do noticiário insistia: “Papai Noel estará neste domingo no shopping, aquele mesmo pertinho de você!”

Por trás dos olhos arregalados soluçava a duvidar do aparelho de TV: “Ele? Aqui?”

Trazia, nos pouco mais de trinta anos, uma beleza sofrida e esquiva. Após ser largada por Genésio, o único e infeliz amor de sua existência, que a trocou justamente pela irmã, a caçula, decidira largar de vez a sua cidadezinha de sempre e buscar sustento em casa de família na capital, à custa da necessidade, rotinando as únicas prendas de sua vida: varrer, lavar, passar e cozinhar.

Fazia apenas alguns meses. Morava num quartinho reversível dos fundos, ao lado da área de serviço, por trás do tanque. Sem família, sem amigos, sem ninguém, abria mão até dos finais de semana, simplesmente por não ter, ou saber, o que fazer fora dali. Não besta, a patroa a explorava carinhosamente, rasgando-a de cínicos elogios toda vez que a surpreendia passando as roupas no perfeito domingo, de costas para o café da manhã bem-posto, inda quentinho, na mesa de vista para o céu mais azul e livre deste mundo.

Mas naquele domingo não. A patroa acordou de cara emburrada, estranhando a empolgação da empregada no enfeito em tamancos, e o nada de café nem de janela azul.

“É namorado, não é? Olhe, tome cuidado com os rapazes daqui, Susanabela. Só querem mesmo é tirar uma casquinha... E você, me desculpe, é uma tonta!”

“É hôme não, dona Rubi. Deus me alivre. É mais do que isso... é um sonho!”

Não ouvia, pois estava cheia de seus próprios sons. A patroa resmungava: “Serviço bom como este aqui vai ser difícil conseguir outro, visse?”

Susanabela quase abria os portões do shopping. Desfiava conversa com o segurança, os zeladores e taxistas. Mais ansiosa que caldeira de trem, numa felicidade estranhamente sincera, perguntava: "Vocês não vão falar com o Papai Noé, não?"

Riam-se. Entre eles, apontavam para ela, meneavam a cabeça: “Não pode ser desse mundo.”

Com pouco, a fila se esticou de crianças e de pais sonolentos de boa vontade. Ao fim, chegava ele, o tal Noel, passando por ela num acolchoado encarnado e luminoso sem dar-lhe a mínima atenção, rumo ao seu trono. Ela, a primeira da fila, postava-se passiva e trêmula, enquanto as ajudantes do velhote lhe perguntavam pelos filhos: Não os tinha.

Daí, o canastrão, desconfortavelmente sentado na poltrona decorada, pôs-se ao papel, lançando um afônico Hou-hou-hou e chamando Susanabela: “E então, minha filha, o que você quer de seu Papai Noel?” Era o que faltava. Susana livrou-se dos tamancos, saltou em seu colo, beijou o blush de seu rosto e, num abraço caloroso e fatal, sussurrou-lhe ao ouvido: “O senhor se alembra quando eu pedi uma irmãzinha? Agora quero que você morra ela.... Morra ela, pra mim, Papai Noé, por favor!” 




 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Lançamento "Ele", de Mailson Furtado Viana (10.12)


 

LANÇAMENTO

ELE, poema-livro, de Mailson Furtado Viana

Mediação: Vinicios Ferraz

Data: 10 de dezembro, às 19h

Local: Livraria Lamarca (Av. da Universidade, 2475, Benfica)

Sobre ELE

Um abordar biográfico daquele(s) que não se conta(m), e, por vezes, nem se sabe(m): a história d’ele – a ser tantos e nenhum. Um poema-livro (ou uma crônica, também) sobre o viver de um cidadão comum, preso a flutuar sobre seus dias e lugares, inerte ao próprio destino, dito e visto em/como terceira pessoa.

Numa teia de influências e experimentações, o livro se embaralha entre verso, prosa e insights cênicos. Articula-se numa arquitetura epopeica de clássicos ocidentais junto ao hibridismo de movimentos artístico-literários desses dias (e de sempre), em tentativas poéticas vezes seca, em tom quase “apoético”, vezes humorado, vezes inerte, vezes lancinante, vezes qualquer-coisa, no buscar tangente do encontro ele/eu. E assim (mais uma vez): o sertão (cravado também na urbe), ainda mais pulsante, puramente verborrágico, e em carne-osso.

 

Sobre o Autor

Vencedor do 60º Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro em 2018, nas categorias Livro do Ano e Poesia com sua obra independente À Cidade. Em Varjota, Ceará, cidade onde sempre viveu, fundou a CIA teatral Criando Arte, em atividades desde 2006, onde realiza atividades de ator, diretor e dramaturgo, além de produtor cultural da Casa de Arte CriAr.

Graduado em Odontologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), possui obras publicadas em jornais, revistas e antologias no Brasil e Portugal e mais de 10 textos encenados no teatro. Administrou o blog Improvisos, de 2009 a 2016, e foi membro-fundador do Grupo Literário Pescaria, com atividades de 2013 a 2016, onde editou e diagramou o jornal Pescaria e a antologia O Cambo.



segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

"Esperança", de Raymundo Netto para O POVO

 


Ao contrário do que o nome insinuava, Gastão era um genuíno “mão de vaca”. Aos mais próximos, perguntassem pelo seu dinheiro, respondiam: “nem a cor”.

Esperança, quando moça, solteira e sonhadora, deixou-se levar pelos ouvidos: ela tinha tudo para conquistar aquele coração ainda virgem e distraído do mundo. Afinal, o rapaz até que era bem-apessoado e, mexericavam, apesar da tímida, humilde e descuidada aparência, possuía fortuna. Dito e feito. Gastão se rendeu, não fácil, aos encantos das pernocas de Esperança, pendulares na calçada do armarinho “Kerim”, negócio herdado de família que, a propósito, é um nome turco cujo significado é "Generoso".

Entretanto, contrariando os contos de fada, nos quais o “felizes para sempre” vem logo após o casamento, neste, de Gastão e Esperança, mesmo antes dele a coisa já descia ladeira abaixo. Para começar, Gastão exigiu que os pais de Esperança bancassem tudo, da igreja à lua de mel, pulando a festa, que só servia para encher o bucho e a cara de oportunistas. “Gastar com festa para quê?” Porém não abriu mão dessa “economia”, levando-a consigo para as núpcias em imprevisto motel barato, deixando os pais de Esperança na maior penhora.

Retornando de uma lua sem queijo nem mel, encontramos uma Esperança abatida, magra e com imensa dificuldade de se adaptar à rotina imposta pelo marido. Faltava de tudo naquela casa. Às vezes, nem onde sentar. Quando reclamava, ele dizia: “Para quê gastar com mobília? Precisamos de espaço.” Mas o pior mesmo era a ausência de água encanada. Sempre que precisasse, ela teria que pegar água do poço no quintal. O barulho estridente das roldanas dava-lhe nos nervos. Gastão, debruçado em suas obsessivas contas, acompanhava esse movimento diário: “Lavando a louça do café... aguando as plantas... lavando a casa... lavando a louça do almoço... tomando banho... preparando o meu...”

Esperança se queixava: estava cheia de calos nas mãos, sentia dores nas costas, aquilo lhe tomava o dia inteiro, não poderiam contratar uma empregada? “Gastar com empregada para quê? Uma estranha em casa? Só se for para nos roubar!”

Aos domingos, na hora do almoço, Gastão dizia ser tomado por uma súbita saudade dos sogros e se convidava à mesa, mesmo quando Esperança ficava em casa: “Gastar com almoço para quê? A comida da sua mãe é incomparável.”

Durante anos, Esperança haveria de continuar a sua labuta exaustiva de puxar a balde a água da casa, diante das desculpas prontas do marido. Queria vestido novo para ir à missa: “Gastar para ir à missa? Deus está aqui também!” Queria ir à cabelereira: “Gastar com cabelos? Corta bem curtinhos... eu gosto!” Queria viajar: “Gastar com viagem para que se vai voltar sempre?”. E se queria comer alguma coisa diferente, ele liberava uma caixinha de creme de leite e a despejava no que estivesse mais perto, fosse pão, ovo, macarrão... Sobretudo, Gastão também achava um absurdo as contas da farmácia e, tendo detectado um “sopro no coração”, decidiu não gastar com remédios e médicos. Então, após receber cobrança de fornecedor, teve um piripaque e defuntou ali mesmo, prostrado sobre o seu venerado livro-caixa. A notícia se espalhou, os familiares correram ao local e encontraram Esperança apática ao lado do marido morto. Todos demonstravam um dissimulado interesse, choravam, abraçavam a viúva e se ofereciam para ajudar nos preparativos dos rituais fúnebres. Foi quando Esperança pegou um velho surrão sujo e com esforço colocou o morto dentro. Fechou o saco, o arrastou ao quintal, o jogou dentro e bem no fundo do poço e mandou um pedreiro selar a sua boca de uma vez por todas. Diante do pasmo geral, a mulher, suando em bicas e batendo a sujeira das palmas das mãos calejadas, asseverou: “Gastar com buraco para quê?”

Na semana seguinte estava ela, com os pais, mordendo ávida e feliz um croissant duro em um café francês. C’est la vie




quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Lançamento "Emílio Hinko, arquiteto - o último eclético", de Romeu Duarte (03.12 no Cantinho do Frango)


LANÇAMENTO

Emílio Hinko, arquiteto - o último eclético:

arquitetura e poder em Fortaleza

de Romeu Duarte

Ilustrações: Domingos Linheiro

Data e Horário: 3 de dezembro de 2021, às 19h

Local: Cantinho do Frango (Torres Câmara, 71, Aldeota)

 

SOBRE A OBRA:

O livro Emílio Hinko, arquiteto - o último eclético: arquitetura e poder em Fortaleza, escrito e ilustrado respectivamente pelos arquitetos Romeu Duarte e Domingos Linheiro, aborda a vida e a obra do ilustre profissional húngaro, nascido em Budapeste em 1901, o qual, desde 1929, quando aqui chegou, vindo de Belém do Pará, fixou residência em Fortaleza, desenvolvendo um punhado de obras que contam um pouco da história de nossa capital. Prefaciada por Lúcio Alcântara, atual presidente da Academia Cearense de Letras, a publicação é acompanhada de um documentário elaborado pelo cineasta Roberto Bonfim, ambos trabalhos produzidos por Augusto César Bastos.

O livro trata da intensa participação de Hinko no ambiente da arquitetura e da construção civil fortalezense durante mais de 50 anos, quando produziu obras de vulto, tais como o Hospital de Messejana, a Base Aérea de Fortaleza, a Igreja das Irmãs Missionárias e a sede do Náutico Atlético Cearense, entre muitas outras, prova de sua íntima relação com as elites políticas e econômicas locais.

Inicia-se com uma biografia do arquiteto, que se estende por sua infância e adolescência vivida na capital da Hungria, seu período de trabalho em Milão, na Itália, sua viagem ao Brasil, de Fortaleza a Belém e, por fim, a Fortaleza, onde faleceu em 2002. No segundo capítulo, como um pano de fundo para a sua atuação, apresenta-se o extenso quadro de mudanças socioespaciais sofrido por Fortaleza nos 73 anos em que o profissional aqui viveu.

De maneira a contextualizar seu trabalho no panorama arquitetônico e urbanístico da época, no terceiro capítulo faz-se uma apresentação da produção dos principais nomes do métier, no Brasil e no mundo, no momento em que chegou a Fortaleza e se estabeleceu profissionalmente.

No quarto capítulo, realiza-se uma leitura analítica de suas obras como uma arquitetura feita para simbolizar e transmitir poder, fruto de suas relações com as elites locais.

A conclusão do livro, de forte cunho pessoal, é escrita ao modo de uma crônica, na qual seu autor discorre sobre a importância da valorização e preservação da obra de Emílio Hinko ao tempo em que denuncia o descaso de nossa sociedade para com a proteção do patrimônio cultural edificado.

Pretendeu-se, com a publicação, lançar luz sobre personagens relevantes, conquanto esquecidos, desconhecidos ou desvalorizados, da nossa arquitetura, bem como dar voz a outros pesquisadores cearenses, destacando a importância dos seus estudos sobre esse assunto, além de ampliar o espectro do acervo edificado a proteger, cada vez mais objeto de um cruel projeto de destruição programada.






 

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Lançamento de "Torvelinho", primeiro romance da poeta e escritora Helena Lutéscia (04.12) - Livraria Lamarca


LANÇAMENTO

Torvelinho

Data e Horário: 4 de dezembro, às 10h

Local: Livraria Lamarca (Avenida da Universidade)

 

Sobre a Obra:

REVELANDO O INVISÍVEL, por Oswald Barroso

Torvelinho guarda grande atualidade porque expõe a trama obscura que oculta a torpeza dos poderosos. A autora nos introduz nos subterrâneos sombrios da opressão sofrida pelas mulheres em uma sociedade patriarcal e machista, fixada, entre nós desde a ascensão das oligarquias capitaneadas pelos senhores das “casas-grandes”.

Mudaram os disfarces, mas, retiradas as máscaras, a sujeição se mostra a mesma. A beleza neste mundo cinza se revela nas crianças envoltas pela natureza e na luta das mulheres, por seus direitos e pelos direitos de seus filhos. Batalha cotidiana das pessoas comuns, dos oprimidos e anônimos heróis do cotidiano. Belo combate, que vira poesia, quando o afeto dos mais fracos chega aos animais, como na linda passagem onde a autora registra a presença do cavalo de Belchior, lenda e história, tragédia e encanto. Afinal, ainda há esperança!


SINOPSE DO LIVRO

Raíssa e Maguinha nasceram na mesma cidadezinha do sul do Ceará, mas com 10 anos de diferença, décadas de 50 e 60. Não se conheciam, mas acabam se encontrando já adultas em uma grande cidade universitária do interior paulista, onde cursaram pós-graduação. Maguinha está em um momento dramático da sua vida, em que havia tomado à revelia os filhos que o ex-marido insistia em não deixar sob a sua guarda e Raíssa é uma advogada especializada em direitos das mulheres. Com o oficial de justiça à porta, Maguinha diz a Raíssa a frase fatal, que vai determinar o desfecho: “não entrego nem morta!” . O envolvimento das duas nessa luta, traz à tona o passado de cada uma e as experiências vividas desde a infância, em uma sociedade patriarcal e machista onde a violência era a linguagem comum, mesclada à desigualdade social e ao racismo. O amor, a rebeldia contra a opressão e a busca da felicidade dão a essas mulheres a força que elas necessitam para construírem as próprias saídas e se ajudarem mutuamente.  Apesar de tudo isso, o livro é permeado de poesia e esperança, em que as nuances permitem ter compaixão dos seres envolvidos. E não apenas dos humanos.

 

SOBRE A AUTORA:


Helena Lutéscia nasceu em Barbalha, Ceará em 1949.

Farmacêutica, professora da UFC até 2011 quando se aposentou, é poeta e escritora, tendo publicado as seguintes obras literárias: Do Começo ao Fim, As Aventuras do Caracol Paulo, Cecéu: o Embaixador da África, O Sinal do Pássaro, Pequenos Problemas Grandes Sentimentos e agora Torvelinho, o seu primeiro romance.

Atualmente, Helena tem residência na Taíba, São Gonçalo do Amarante-CE, onde desenvolve projeto cultural em colaboração com artistas locais: Sarau da Taíba, Biblioteca Livre da Taíba e Grupo de Teatro Representantes da Vida.

É cadastrada no Mapa Cultural do Ceará e membro suplente do Conselho Municipal de Cultura de São Gonçalo do Amarante.




 

"O Papel do Homem no Enfrentamento à Violência Contra Mulher", no Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher


HOJE, 25 de novembro é o Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher ou Dia Interacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher.

No Ceará, todas as semanas, em média, 385 mulheres sofrem violência doméstica. As mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher por ano revelam a seriedade dessa causa e o valor e a emergência do seu enfrentamento.

No sentido de contribuir com ações educativas no combate à violência, a Fundação Demócrito Rocha (FDR), em parceria com a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado do Ceará (SAP), iniciou um projeto-piloto de educação inclusiva direcionado a homens privados de liberdade sentenciados exclusivamente pela Lei Maria da Penha.

Foi ministrado o curso O papel do homem no enfrentamento à violência contra mulher (EaD), desenvolvido originariamente em parceria com a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e com certificação pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), cujo objetivo é promover uma reflexão sobre os modelos de masculinidade prejudiciais à sociedade, responsáveis pelo sofrimento de mulheres, crianças e dos próprios homens, afetados pelos impactos dos valores que orientam uma postura violenta.

O projeto-piloto está acontecendo na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes (Fortaleza-CE), e hoje, neste dia de reflexão, ocorrerá o encerramento do curso.

A última aula será ministrada por Leila Paiva, coordenadora de conteúdo do curso, advogada, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE e assessora jurídica da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará.

Na metodologia ora praticada, as aulas on-line tiveram a mediação e acompanhamento presencial de uma equipe multidisciplinar da própria unidade, contando com duas terapeutas ocupacionais, uma psicóloga, uma assistente social e um advogado, que cursaram o conteúdo em sua primeira edição e se apresentaram espontaneamente para participar da ação.

Haverá ainda uma avaliação e análise de material produzido pelos alunos, além, naturalmente, da cerimônia de certificação do curso.

O comprometimento de toda a equipe durante a elaboração e execução das atividades propostas foi demais estimulante para que a FDR continue em busca de novos projetos de promoção da cidadania e de enfrentamento a violência contra mulher, o que ela entende ser também o PAPEL DE TODOS NÓS.

 

Saiba mais sobre os cursos disponibilizados pela Fundação Demócrito Rocha: 

cursos.fdr.org.br

E se você é assinante de OP+, leia a matéria:

https://mais.opovo.com.br/jornal/cidades/2021/11/25/quase-seis-em-cada-dez-brasileiros-conhecem-alguma-mulher-ameacada-de-morte.html

 




 

domingo, 21 de novembro de 2021

"O Sobrado da Abolição - Parte IV (Final)", de Raymundo Netto para O POVO

 


Para ver todas as imagens ampliadas, basta clicar nelas!

“A Aratanha, em Pacatuba, chegaria aos nossos dias com sua mesma fisionomia de ontem, a de antigos sobrados que vão diminuindo sob a erosão do tempo, e casario modesto em que vivem os seus moradores, guardiães da natureza perseverante com sua vestimenta secular.” (Eduardo Campos, em Pouso da Águia, 2000)

E falando em Eduardo Campos, eu não poderia deixar de enaltecer a surpresa que tive, regressando a Pacatuba há poucos meses, ao conhecer o inspirador projeto realizado pelo Instituto que leva o seu nome, por meio do seu filho, Eduardo Augusto Cortez Campos. O “Sobrado da Abolição”, denominação conferida a um dos dois imponentes sobrados à frente da praça principal, hoje é sede de valiosa atuação de “preservação do patrimônio cultural material e do fomento de linguagens artísticas cênicas, musicais e visuais”.


Sobrados que pertenceram a Henrique Gonçalves da Justa. 
À esquerda, o antigo "sobradão encarnado" e, à direita, o sobrado da abolição em 2013.

Os sobrados hoje, em 2021.


Você pode estar se perguntando o porquê dessa denominação do sobrado. Naquele imóvel, em 2 de fevereiro de 1883, diversas personalidades – abolicionistas – de Fortaleza, de Pacatuba e do entorno estiveram presentes na solenidade de emancipação dos escravizados da região, sob a liderança do farmacêutico e escritor Rodolfo Teófilo (o “Marcos SERRANO” da Padaria Espiritual, primo de Juvenal Galeno), que viveu na cidade e ali teve uma farmácia – segundo Manoel Albano Amora, no prédio vizinho, o “ sobradão encarnado”, também de Henrique Gonçalves da Justa, considerado por Rodolfo o seu “melhor amigo” – antes de fixar-se em Fortaleza.


No balção de ferro, vê-se as iniciais de Henrique Gonçalves da Justa ("HGJ").


Rodolfo, que teve o seu retrato heroicamente carregado à frente da grande procissão, contou com apoio de diversas associações do gênero, inclusive da recém-fundada Sociedade Libertadora Pacatubana. O evento mobilizou toda a cidade, enfeitada com arcos de palmeiras, bandeiras e flâmulas, ao som da banda de música do 15º Batalhão de Infantaria e de estouros pirotécnicos, anunciando ser Pacatuba a primeira comarca livre do Império. A esposa de Rodolfo, Raimundinha Cabral, cunhada de Galeno, era uma das diretoras da Sociedade das Cearenses Libertadoras, presidida por Maria Tomásia, que também estava presente e foi a autora do discurso que abriu a sessão.

Placa em referência à abolição dos escravizados de Pacatuba.


Na última vez em que estive em Pacatuba, aquele magnífico sobrado de dois pavimentos estava fechado, abandonado. Apesar da beleza arquitetônica e toda a história contida nele, nós sabemos o que o futuro reserva a esse abandono: tratores! Porém, desta vez foi diferente, o sobrado estava lindo, limpo, restaurado, amado e vivo!

Com apoio do Rotary e da Prefeitura de Pacatuba, entre outros, o Instituto transformou o sobrado no centro difusor da arte e da cultura no município, através de ações de educação patrimonial, incentivo à leitura (o projeto “Bibliotecas Conectadas” é original), inclusão e acessibilidade, economia solidária, programação/mediação artística e cultural, exposições, cursos/oficinas, concertos, formação de acervo de registro e memória, visitas guiadas etc., acolhendo um público anual de cerca de 50 mil pessoas – entre elas, alunos das escolas públicas municipais.

Eu de já me convido a ser parceiro contribuinte desse grandioso projeto. Creio que o Centro Cultural Eduardo Campos – como também é conhecido o Sobrado – merece uma grande campanha formal de doadores permanentes que assegurem e fomentem essas ações, que visitem o local nas suas programações, que contribuam com a sua arte – no caso de artistas parceiros – na formação de uma nova geração de artistas que já pontuam por lá, em sorrisos ainda esperançosos de um futuro melhor, com a ABOLIÇÃO dos males que impedem que nos tornemos uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, preconceitos, discriminações e desigualdades sociais. 

O Sobrado da Abolição, sobretudo, é um símbolo de transformação: os sonhos são possíveis e eles não morrem. No palco da imortalidade, Eduardo Campos abre as cortinas!


PS: ao chegar ao Sobrado, ainda besta com aquela fortuita surpresa, fomos muito bem recebidos e participamos de uma visita guiada pela Juliana Ferreira Pinto e Cristina Vasconcelos, não apenas coordenadoras  do projeto, mas visivelmente apaixonadas pelo que fazem, mais uma razão pela qual o sucesso do projeto e a atratividade e acolhimento pelo público é tão grande. Não deixem de conhecer o Sobrado da Abolição, de Pacatuba, pelos endereços a seguir. E curtam mais algumas fotos:

@sobradopacatuba

www.facebook.com/sobradopacatuba

www.youtube.com/channel/UCg3BlcIkvQc6ECDXSo1Eutg

mapacultural.secult.ce.gov.br/espaco/1020/ 


Eduardo Campos nos recebe no primeiro cômodo do Sobrado da Abolição.

A escada restaurada

Corredores e pé direito alto.

Piso restaurado

Salão do andar de cima

Salão do andar de cima

Biblioteca para ações de incentivo à leitura

Aula de flauta para crianças e jovens



Vista posterior do sobrado

Sobrados e outras casas de entorno

Visão dos sobrados pela praça Henrique Gonçalves da Justa

Um Pouco mais da Cidade (antes e agora)

Igreja de Nossa Senhora da Conceição (Matriz), construída em local escolhido por 
d.  Marica Teófilo, mãe de Galeno, a partir de 1874 (2021)

Cruzeiro da Matriz (2013)

Detalhe neo-clássico da Igreja (2013)


Sino da Matriz (2013)

Visão da praça da Matriz

Sobrado que abriga o Museu (2013)

Sobrado que abriga o Museu (2013)

Um dos cantinhos de Juvenal Galeno no Museu (2013)

Grande maquete de Pacatuba do passado apresentada pelo seu criador, 
Antony Fernandes (2013)

Detalhes dos sobradões em suas cores famosas.

Museu de Pacatuba (2021)

2013

2013

2013

2013

2013

Hoje, esta casa (2013), uma das mais bonitas, é sede da Delegacia de Pacatuba

2013

Fonte das Pacas, na "Praça da Fonte", construída em 2003, 
de autoria de Antony Fernandes (2013)

Detalhe da Fonte das Pacas (2013)

Praça da Paixão, cenografia fixa da tradicional "Paixão de Cristo" encenada anualmente na cidade com a participação de grande público (2013)

Detalhe do "cenário" da Praça da Paixão (2013)

Antiga Estação Ferroviária de Pacatuba, por onde chegavam os escritores, artistas e amigos da Pacatuba e Aratanha (2013)

Capela Nossa Senhora do Carmo, construída em terreno doado
por d. Mariana Cabral (2013)

Cadeiras na calçada (2013)

Cadeiras na calçada (2013)

Entrada da casa da família de Juvenal Galeno, por onde passaram grandes nomes da história, entre eles, Gonçalves Dias, Freire Alemão, Louis Agassiz e esposa, Henrique Gonçalves da Justa, Barão Homem de Melo, João Brígido, entre outros.

A "Casa da Baronesa", sobrado no alto da serra onde viveu a família de Juvenal Galeno e que recebeu os membros da Comissão Científica Exploradora de d. Pedro II (1859).
Juvenal Galeno viveria ali boa parte de sua vida. No entorno, antigamente, muitas casas de apoio e pequenos armazéns de guarda da produção de café na região.

Há anos o sobrado pede SOCORRO. É preciso conseguir apoio (estadual e municipal) à preservação, conservação e sustentabilidade do sobrado como equipamento cultural. 
Ele bem poderia ser, juntamente com um projeto de trilha (belíssima por sinal), um museu sobre o escritor Juvenal Galeno, sobre seus pais, sobre o surgimento e a produção de café (seu pai é o pioneiro na comercialização do café no Ceará), entre outros. 
Um bem de inestimável valor. Um desperdício incalculável. Um perigo iminente.

Na trilha, pássaros, riachos, grandes rochas, uma flora exuberante.


Um Raymundo Netto, em 2013, explorando a serra, conversando com serranos, em um dia maravilhoso de chuvas, descobertas e encantamentos.
Pacatuba é um TESOURO e merece ser tratada como tal, em um projeto de educação patrimonial para os pacatubanos (um bom exemplo é o que faz o Sobrado da Abolição), que eles abracem esse pertencimento, se orgulhem e se envaideçam de sua terra, ao mesmo tempo que a preservem, zelem por ela e a divulguem ao Ceará.