sábado, 30 de março de 2013

"A Moça", de Paulo Moraes (30.03)


Era uma moça como todas as outras. Tinha cabeça, tronco e membros. Como as outras. Pele alva, suave e macia, corpo elegantemente fino e curvilíneo como (quase) todas as outras, mãos e pés pequenos e suaves e de contato agradável como todos.
       Tinha cabelos, a moça, cabelos longos e lisos, de cheiro delicioso, dignos de se meter o nariz mesmo sem ser chamado. Emolduravam um rosto de feições suavemente esmeradas como sói acontecer entre as representantes do seu sexo; dois olhos grandes, negros e profundos, que, se espelho d’água, semi-revelavam quase-segredos excitantemente perturbadores, vestidos de longos e negros cílios, os quais, ao se abaixarem para encobri-los deixavam entrever uma brejeirice maliciosa e única como a de todas as outras moças; um nariz fino e regular, de narinas afiladas e suavemente rasgadas, apontando arrogantemente para frente; uma boca de lábios carnudos e deliciosamente vermelhos, emoldurando dentes perfeitos e ebúrneos, que deleitáveis sensações a simples imaginação do seu contato provocava! Que saboroso aroma emanaria do seu hálito, tanto mais sôfrego e quente quanto a mais se atrevesse o sonho de quem a via.
       O queixo da moça era fino, e como seu nariz, voluntarioso, apontava sua direção com decisão e aparente destemor, até pouco compatíveis com a suavidade geral das suas feições; as orelhas, das quais os longos cabelos deixavam entrever pouco mais que os magnificamente carnudos lóbulos, concitavam um mais afoito observador a sussurros murmurados em inebriante proximidade.
       Longo e fino era o pescoço da moça. Carótidas esculturais ladeavam a laríngea reentrância, em completa harmonia com a íngreme inclinação de uma nuca capaz de incitar os dedos do mais tímido espectador a um ousado toque exploratório (que cheiro delicioso teria aquele cangote!).
       Os ombros da moça não eram largos, nem estreitos: tinham a medida exata do seu indescritível tórax, acrescido dos braços tão quão. Atrás, as espáduas, primeiro ideal receptáculo para duas mãos ávidas em um inicial amplexo. Os delicados braços que deles se seguiam, cobertos de uma finíssima penugem que mais se adivinhava do que se via, nos faziam imaginar as delícias de uma eventual reciprocidade desse abraço. As suas mãos, suas mãos de moça, de toque tão maravilhosamente leve, suave, etéreo, gentil, carinhoso, eram hábeis de provocar o êxtase da mais completa felicidade.
       Ah! Os seios da moça! Eram seios como seios de todas as moças. Lindos cheios seios, firmes e fartos, brancos e francos, empinados e coroados por róseos mamilos que de tão cárneos pareciam paradoxalmente irreais. Motivo suficiente para provocar incontrolável desejo de verificação tátil.
       A cintura da moça, de tão delgada, inspirava cuidados especiais ao manejo, por compreensível receio de danos a tão delicada e formosa estrutura, principalmente em se considerando o maravilhoso ritmo dos sinuosos meneios que ela transmitia aos exuberantes quadris, de um movimento deliciosamente sensual.
       O abdômen da moça era um convite ao descanso. Reclinar a cabeça naquele adorável regaço e fechar os olhos pareceria a qualquer masculino mortal uma imagem bem próxima do paraíso. Abaixo dele duas linhas concorrentes indicavam, sutilmente, no seu ponto de encontro, a essência física da fêmea, o ideal de prazer corporal do homem em sua plenitude.
       Os músculos glúteos da moça, meu Deus, que lindos! Sobressaíam na usual saia justíssima quais harmônicas colinas, entremeadas por estreitíssimo vale que conjuminava todos os mais eróticos devaneios que um homem já experimentou.
       Coxas, a moça também as tinha, como todas as outras: coxas fartas, carnudas, torneadas como se obra do mais competente e inspirado escultor, materializavam todas as apologias à estética, assim como ao erotismo. Sem limites.
       As pernas da moça eram pernas. E andavam, E suas panturrilhas esplendorosas, ao se comprimirem com o movimento, assumiam novas formas em lindo contraste com a leveza dos seus tornozelos. Seus pequenos pés de moça, empinados no sapato de salto alto, eram apenas suficientes para sustentá-la, em visível prodígio de equilíbrio.
       E assim, por andar, um dia foi-se a moça... Se tivesse ficado seria ainda tudo isso?

domingo, 24 de março de 2013

25 de março de 1867: Biblioteca Pública do Ceará: quase 150 anos de denúncia e o que mudou?


Biblioteca Pública do Ceará
28 de maio de 1894

"Ilmo. Sr. Secretário dos Negócios do Interior

Em observância à ordem expedida em ofício nº 511, tenho a honra de oferecer à Vossa consideração o relatório da repartição a meu cargo:

(...) O pessoal da biblioteca compõe-se do bibliotecário, de um amanuense e do porteiro.
O cargo de amanuense está vago desde 9 de setembro de 1892 [dois anos]. (...)

Agora só tem o bibliotecário e o porteiro, faltando quem os auxilie e os substitua em seus impedimentos. Já reclamei, nesse sentido, em ofício à Secretaria de Negócios do Interior, mas ainda não foram dadas as providências pedidas, as quais considero de maior urgência.

A escrituração está em dia, e regularmente feita em livros, devidamente enumerados e rubricados por mim. (...)

Resta-me pedir-vos proteção para esta valiosíssima instituição, infelizmente tão esquecida entre nós.
Desde a sua inauguração, em 25 de março de 1867, a Biblioteca apenas recebeu do Estado, então província, uma pequena porção de livros para servir-lhe como que de alicerce. Daí por diante, só doações do Gabinete de Leitura e dos particulares, de livros velhos, contaminados pela traça, muitos quase imprestáveis, de que os doadores limparam as suas estantes, ganhando, ao mesmo tempo, os louvores da meritória ação.

Além dessas dádivas, apenas os relatórios, folhetos e publicações oficiais, remetidas pelas repartições públicas e associações literárias. Mais, somente o Dicionário Universal de Larousse, de que serviu-se, em sua administração, o presidente Caio Prado, e remetido, depois de sua morte, para a Biblioteca. E as revistas, e uma ou outra obra, que dificilmente tenho obtido por assinatura há quatro anos.

E, com a exceção dita, nenhuma obra nova e importante, em nenhum dos ramos do conhecimento! Um atraso de quase trinta anos, em todas as seções da Biblioteca, o que importa a ausência de tudo quanto pensou-se, descobriu-se e escreveu-se nos tempos modernos?

Assim, como esperar grande frequência e aproveitamento? [no segundo semestre do ano anterior, 1893, aponta a frequência de 2.134 pessoas que consultaram 1.430 obras]

No meu ver, pois a principal necessidade da Biblioteca é a aquisição de obras novas mais notáveis de todas as ciências e letras. Quando suas seções (...) possuírem as obras mais notáveis da nova geração, estou certo de que a sua frequência será grande, e ninguém contestará a sua utilidade, a realização de seus fins. [em outro relatório enfatiza a missão da Biblioteca como “instrução do povo”]

Nada mais tendo a acrescentar, concluo lembrando-vos as medidas que indiquei no meu último relatório, pedindo-vos que desculpeis os defeitos desta ligeira exposição.

Saúde e fraternidade
Bibliotecário Juvenal Galeno da Costa e Silva,
em Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros.

(*) Em futuros relatórios, os mesmo problemas continuaram, além de Galeno, talvez o nosso bibliotecário maior no Ceará, brigar para que seja criado um sistema de empréstimo de livros, além de um catálogo impresso de divulgação de acervo, pela renovação de assinaturas, pela contratação de pessoal, por um serviço de conservação e restauração do acervo e pela ampliação do horário de atendimento, 

quarta-feira, 20 de março de 2013

"O POVO: 85 anos presente no Ceará V", crônica de Raymundo Netto, para O POVO


João Dummar: O POVO e a PRE-9


“Nós, radialistas cearenses, devemos a João Dummar a nossa profissão(...)”
Narcélio Limaverde

O ano: 1941. O jornal O POVO, por meio de Demócrito Rocha e Paulo Sarasate, lança campanha junto ao comércio, além da implantação do sistema de assinaturas em longo prazo, com o objetivo de angariar recursos para compra de novos equipamentos e da primeira sede própria. Dentre os anunciantes, o amigo e futuro genro, João Dummar, “um rapaz alto, gordo, olhos azuis, sempre alegre, com intensa vida social. Solteirão, bonitão, rico, o Rodolfo Valentino das moças da terra. Um gentleman, um coração do tamanho do Pão de Açúcar.”(1)
João Dummar nasceu em Damasco, Síria, em 1903. Seus pais e a família — eram cinco os filhos — migraram ao Brasil. A princípio, em Belém do Pará, dirigindo-se depois a uma atrasada Fortaleza de 1910. Em janeiro do ano seguinte, com o falecimento de sua mãe, Adla, o pai, Demétrio, decidiu estabelecer comércio, a Princesa do Norte, no Crato, onde os filhos cresceriam entre atividades comerciais, teatro, música e o futebol (o seu irmão, Jorge, fundou, em 1919, o Crato Football Club).
Em 1921, com objetivo de ampliar a loja, a família inaugurou sede em Fortaleza. Os filhos João e José, então, seriam sócios do pai. Porém, em 1926, Demétrio sofreu infarto fulminante, e, dois anos mais tarde, os dois irmãos — João com 25 anos —, fundariam a Casa Dummar, na Floriano Peixoto, onde representariam a Philips, a Philco (vendiam rádios e receptores), os pianos Essenfelder (costumava tocá-los na loja como “demonstração”), a Remington, a Brunswich, a RCA Victor, o automóvel Skoda e diversas outras marcas de eletrodomésticos da época, não apenas para o Ceará, mas ao resto do país.
Jovem, excelente comerciante e visionário em seu tempo, João era grande apreciador de arte e da cultura, principalmente da música (chegava a vender pessoalmente os discos de sua loja), e sonhava em implantar a primeira estação de rádio do Ceará, por saber da amplitude que teria a radiodifusão na propagação da cultura, principalmente a cearense, além de democratizar o acesso do povo à boa música brasileira que surgia, mas que, praticamente, estava concentrada nas mãos, e ouvidos, dos mais abastados. Eduardo Campos conta: “(...) Mas o seu forte mesmo era o lado artístico, acentuado gosto musical, em quinze minutos de conversa ele e eu íamos de anúncios a aspiradores de pó, de baterias para rádios e concertos de piano, à música clássica...”(2)
Assim, em 28 de agosto de 1931, há 82 anos, João Dummar fundou a Ceará Rádio Clube, associação integrada por amadores da radiotelefonia (como se chamavam as atividades de radiodifusão), e, em 30 de maio de 1934, são inauguradas as instalações da Ceará Rádio Clube, operando com transmissor no bairro Damas e com estúdio na rua Barão do Rio Branco, sistema de ondas curtas, que recebeu em seus programas de auditório, durante anos (a Era Dourada do Rádio), cantores e músicos nacionais e locais, como: Orlando Silva (inaugurou a Rádio), Francisco Alves, Chico Viola, Uyara de Goiás, Milton Milfont, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Lauro Maia, Romeu Menezes, “4 Azes e 1 Coringa” (conjunto batizado por Demócrito), José Menezes, As “Três Marias”, etc. Dentre os programas, a “Hora da Saudade” e “Coisas que o Tempo Levou”, com o speaker José Limaverde (pai do grande radialista Narcélio Limaverde), “Jazz PRE-9”, com Lauro Maia, “Sorriso de Iracema”, com Paulo Cabral de Araújo, a “Hora Infantil” (aos sábados e dedicado às crianças), com Zilda Maria Rodrigues e o próprio João, além do “Arte e Pensamento”, dirigido por Filgueiras Lima. Na época, a Rádio recebia retorno de ouvintes da Austrália, África do Sul, Califórnia, Inglaterra, dentre outros. O seu estúdio chegou a ter dois pianos, um francês, de cauda, e um nacional, baú. Nos cafés de Fortaleza se encontravam pequenos rádiorreceptores, em caixas de madeira, onde se ouviam os noticiários e a programação da PRE-9 — como era chamada a Rádio —, além de alto-falantes distribuídos em pontos estratégicos da cidade, até na Coluna da Hora, no centro da Praça do Ferreira. Conseguiu João, em discos de acetato, os primeiros lançamentos de Dorival Caymmi. Sem dúvida, João Dummar foi um dos maiores incentivadores dos profissionais da música cearense, empregando e apoiando muitos (cedendo-lhes até instrumentos musicais, além de contratar locutores, diretores artísticos, músicos, maestros, cantores, redatores, técnicos, etc.) que conseguiram destaque, inclusive no exterior (Lauro Maia, por exemplo), representando um dos maiores elementos da história da comunicação cearense. Também ele, iniciou a utilização do veículo para anúncios, ampliando o comércio cearense para o nordeste e ao mundo. Na sede da PRE-9 também formou uma orquestra de câmara, dirigida por Hércules Vareto, maestro italiano. E, daí, surgiu-lhe grande problema: era período de guerra. A Itália fazia parte do “Eixo”, aliada à Alemanha de Hitler. Na época, João mandou colocar, no topo do Ed. Diogo (segunda sede da PRE-9), uma série de pisca-piscas. Então, correu uma boataria de que “aquilo” emitia mensagens codificadas do “italiano” (o maestro) para os submarinos inimigos. O cônsul americano em Fortaleza ameaçou fechar a emissora com denúncia ao governo, o que só não aconteceu devido à intervenção do amigo Demócrito Rocha.
Demócrito, sensível em reconhecer talentos e o empreendedorismo das novidades, logo se afeiçoou ao jovem Dummar e passou a criar com ele campanhas e concursos, como o de versos, além de um festival de marchas carnavalescas cujo juiz foi Ary Barroso, inesquecível autor de “Aquarela do Brasil”. Era muito comum serem vistos juntos em eventos locais, sendo estreitados os laços de amizade quando João passou a frequentar a sua casa, e apaixonou-se por Lúcia, a caçula do jornalista.
Em 1941, João adquiriu um moderníssimo transmissor de ondas curtas, o terceiro instalado no Brasil (os outros dois pertenciam à Rádio Nacional do Rio de Janeiro e Rádio Clube de Pernambuco), fazendo da PRE-9 uma das mais sofisticadas e avançadas estações radiofônicas brasileiras.
Em 1944, João Dummar, a contragosto, após diversas manobras de Assis Chateaubriand para adquirir a Ceará Rádio Clube, a vendeu. Motivo: a lei exigia que os direitos de concessão de radiodifusão só pudessem ser cedidos a brasileiros natos ou naturalizados. João não o era, e a burocracia toda estava emperrada, principalmente após a implantação do Estado Novo. Assim, em 11 de janeiro de 1944, rendeu-se às investidas e a sua rádio passou a fazer parte da rede dos Diários e Rádios Associados.
Em 28 de janeiro de 1944, João casou-se com Lúcia e, dessa união, nasceram seis filhos: Demócrito, Lúcia Maria, Lúcia Helena, João Dummar Filho, Carmen Lúcia (que, segundo João, era a que mais se assemelhava à avó, Adla) e Albanisa Lúcia.
João, apesar da idade, tinha diversos problemas de saúde. Em 14 de julho de 1954, por conta de uma peritonite, faleceu. A Ceará Rádio Clube, assim como outras rádios locais, guardou um minuto de silêncio e pesar em homenagem a este homem que partia, com apenas 51 anos, o grande pioneiro e defensor da radiodifusão no Ceará, incentivador da cultura de um Ceará que o acolhera.(3)

(1) Edmar Morel, jornalista e antigo vendedor da Casa Dummar, em depoimento para O POVO, em 1984.
(2) Eduardo Campos, para Traços de União, de Adísia Sá, 1999.
(3) Para saber mais sobre João Dummar, leia João Dummar: um pioneiro do rádio, de João Dummar Filho, das Edições Demócrito Rocha.

sábado, 16 de março de 2013

Soneto de Sânzio de Azevedo para Francisco Carvalho



Soneto para o Poeta Francisco Carvalho

Dos tempos de menino te ficaram
as tardes de sol quente onde os lamentos
dos velhos bois que a morte ruminavam
se esvaíam nas túnicas dos ventos.

Na gleba de teu pai ainda há frutos
das árvores regadas pelos sonhos;
os alpendres, porém, e os altos muros
não deixaram vestígios nem escombros.

Mas tens o verso, com que todo dia
fazes viver um mundo de utopias
com a antiga crença de um profeta hebreu.

E vês que a hora do poema é a hora da lavra
em que ficas à espreita da palavra
que há de queimar como o êxtase de Deus.

                      Sânzio de Azevedo (1999)

quarta-feira, 6 de março de 2013

"O POVO: 85 anos presente no Ceará IV", crônica de Raymundo Netto para O POVO


Paulo Sarasate: o alter-ego de Demócrito Rocha

“Guerra, pois, à adaptação das estranjas. Peia na literatura importada, cheirando à maresia. E fique somente o elemento nacional, espontâneo, claro como as manhãs tropicais, atrevido como o gato das selvas, bravio como o maracajá da pele pintada.”
Paulo Sarasate, em Maracajá, maio de 1929.

Aquele rapaz magro, de olhar inquieto, com apenas 21 anos, o Paulo Sarasate, a se apresentar para trabalho com Demócrito, não era completamente um estranho. Filho de Henrique e Júlia Jorge. Ele, músico; ela, professora. Aliás, seu nome vinha de Pablo de Sarasate, violinista e compositor espanhol falecido justo no ano em que nascia: 1908. Quando Demócrito sofreu a agressão de policiais, dois anos antes desse encontro, recebeu em sua casa a visita solidária de diversas pessoas, dentre elas a do maestro Henrique Jorge, que tocou seu violino, para comoção geral dos presentes, fato gravado na memória da família do jornalista.
Paulo, na época, cursava Direito. Em 1926, criou a revista A Farpa, juntamente com os colegas da Faculdade: Plácido Castelo, Perboyre e Silva e Parsifal Barroso. Os artigos eram inflamados, provocadores, exercendo oposição ao governador Moreira da Rocha, o mesmo autor da represália contra Demócrito, valendo a prisão dos três rapazes.
Assim, no dia 9 de janeiro de 1929, o cabeçalho de O POVO, ao lado do nome do diretor Demócrito, trazia o de Paulo Sarasate, na função de “redator-secretário”. Segundo José Raymundo Costa (1), Paulo não era apenas redator, mas “revisor, repórter, noticiarista e diagramador”. Na época, jornalista era feito na redação, a partir do exercício de um tudo. O próprio Paulo conta que chegou a ver Demócrito, na falta de repórter policial, ligar para delegacias para colher relatos de crimes. Ao contrário do fundador, Paulo era mais afeito às coisas da administração, às burocracias, e passou a tomá-las para si, enquanto Demócrito ficava mais livre para criar, mexer com “as gentes” e escrever, às vezes, colocando em risco a própria liberdade e existência do jornal. Paulo abraçou a causa e se tornou rapidamente o braço direito dele em O POVO. Foi ao lado de Sarasate que Demócrito criou a sua ousada Maracajá e escreveu o poema “O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta”, que, segundo Moreira Campos, “falou [o poema] por todo um povo. Foi um canto de dor e revolta, elegia em voz uníssona e ardente de um Ceará dessangrado”.
Rachel de Queiroz afirmou: “Com Demócrito seguimos quase todos, entusiasmadíssimos. E no seu jornal estamos até hoje [1998], os sobreviventes desses setenta anos de luta e glória. N’O POVO se formou Paulo Sarasate, o sucessor de Demócrito após sua morte prematura, já então praticamente seu filho, condição que sacramentou por amor, casando com a filha Albanisa.” De fato, ao ser convidado por Demócrito Rocha para almoçar em sua casa, conheceu Albanisa, a filha mais velha. Creusa, sabendo-lhe filho de quem era, logo o acolheu como da família.
Em 1930, Paulo concluiu o Direito e, mesmo no jornal, assumiu a secretaria da Faculdade de Direito. Posteriormente, foi Inspetor Federal e Procurador da Junta das Sanções.
Em 1931, juntamente com Alfeu Aboim, viajou para o interior cearense em campanha de assinaturas como estratégia de expansão d’O POVO, importante momento de progresso comercial da empresa.
Em 3 de setembro de 1936, Paulo e Albanisa se casam no Rio de Janeiro — Demócrito ocupava assento na Câmara Federal, na época, e só aceitava o casamento da filha após a sua formatura. Voltaram a Fortaleza, em poucos dias, passando a viver na rua Assunção, 20.
Fundou, com Filgueiras Lima, em 1938, o Instituto, depois Colégio, Lourenço Filho. Também em 1938, período de grande crise afetando a imprensa nacional, implementou outras medidas de caráter profissional ao  jornal, dentre elas, a criação dos “Anúncios Populares” (“vinte palavras por 1$500 – pagamento à vista”). Essa nova organização fez com que rapidamente se adquirisse novo maquinário, melhorasse o rendimento das máquinas e a qualidade de trabalho, ao tempo que as práticas mais artesanais e obsoletas eram, aos poucos, sendo substituídas pelas mais modernas. “Além do mais, contribuindo para esse apoio havia a posição progressista do jornal, sempre se harmonizando com aqueles anseios mudancistas, na qual se firmava a liderança de Demócrito”(2).
Em 1942, publicou uma coletânea de palestras difundidas pelos microfones da Ceará Rádio Clube, cujo título era Porque devemos combater o nazismo.
Com a morte de Demócrito, em 1943, é ele a assumir a direção de O POVO, afastando-se apenas temporariamente, ao assumir cargos públicos (foi deputado, governador e senador).
Na política, suas maiores contribuições foram na área educacional e dos esportes, obtendo recursos para construção de ginásios e escolas profissionais na capital e no interior, no impulso do desenvolvimento da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, auxiliando na criação e aparelhamento da Universidade do Ceará (atual UFC), além de prestar imensa contribuição para a criação da SUDENE e do Banco do Nordeste.
Em 1956, diante da rotina, a indesejável, de um governador, começou a sofrer problemas de saúde que o fizeram renunciar. “Deixou o governo com a saúde abalada, com os bolsos vazios, com a alma amargurada, com o espírito abatido”(3). Candidatou-se, porém, em 1962, à Câmara de Deputados, e, em 1966, elegeu-se senador da República, período em que recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, por todo apoio oferecido à instituição.
Em 1968, teve que submeter-se a uma cirurgia na próstata, no Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro. Após a intervenção, conversava com visitas quando sofreu repentina embolia pulmonar, falecendo. Seu corpo foi velado em Fortaleza, no Palácio da Luz, atual sede da Academia Cearense de Letras. Depois foi levado ao cemitério São João Batista, passando antes, para adeus final, na sede de O POVO, sendo saudado pelo jornalista J.C. Araripe.
Seus restos mortais repousam ao lado (sob uma mesma laje) de seu amigo e mentor Demócrito Rocha. 
Paulo e Albanisa nunca tiveram filhos.

Em tempo: em 1980, a Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Ceará/APEOC concedeu a Sarasate o título de “Patrono do Magistério Público do Ceará”.

(1) Memória de um Jornal, 1988.
(2) José Alfredo de S. Montenegro, em Demócrito Rocha: o poeta e o jornalista, EDR, 1989.
(3) Artigo do jornalista Luís Sucupira para O Nordeste.