sexta-feira, 29 de junho de 2012

"De Cabritos a Acadêmicos ou Vice-Versa", de Elsie Studart



Aproveitando o mote do Audífax Rios, articulista das sextas-feiras do jornal O Povo (ver edição de 15/06/2012), apesar de não gostar dos achismos, achei interessante o seu verbo ao se pronunciar sobre a vontade que muitos têm de ingressar na academia. Primeiro, pelo próprio titulo que deu ao texto: “De Cabritos e Acadêmicos”; segundo, pela velada insinuação do uso do Clube do Bode, como corredor de entrada para a ACL; terceiro, pela alusão à bagagem dos pretensos candidatos, que pode exceder no peso, mas pecar pela falta de substância. Isso é o que dá a entender as palavras, bem arrumadas, diga-se de passagem, do artista plus, misto de pintor e escritor, oriundo lá das bandas de Santana do Acaraú.
Estou com ele quando diz que o Clube do Bode é democrático, que ali tem de tudo, desde os papos literários com “gente de cabeça”, às tomadas de “umas e outras”, uma “loira” gelada, preferencialmente, saída do Flórida Bar. Ocupar cadeiras cativas, naquele famoso reduto de inteligências vivas, pode até ser visto como privilégio de alguns, mas ter assento lá, quando bem “der na telha” é um direito de quem, apesar de não gostar da “água que passarinho não bebe”, nem assim dispensa uma tragada de uns bons goles de sabedoria, sorvidos nas mesas acanhadas, onde pontuam dos políticos aos literatos, dos megastars aos cronistas da vez.
Fico, no entanto, do lado oposto do articulista, quando ele faz um contraponto entre a facilidade de pertencer a uma Academia, começando por frequentar o Clube do Bode, e a dificuldade de um pai de chiqueiro escalar os umbrais desse templo de saber, mesmo com a carroça abarrotada de livros. Se existe pecado do lado de baixo do Equador, esse foi um, acredito eu.
Basta considerar que, por vontade da população de Fortaleza, em que pese o tom de molecagem do cearense, o “Bode Ioiô” foi eleito para a Câmara Municipal; se isso foi possível, por que não um pai de chiqueiro, se alinhar a tantos outros que já dão os seus berros na Academia? A questão é de tempo e de oportunidades. É fazer como Arquimedes: “Dê-me uma alavanca e eu moverei o mundo”. Ter assento na cadeira da ACL, pode significa fazer de uma cobra que silva, um cabrito que sabe berrar.
Quanto à carroça abarrotada de livros, julgo ser melhor do que vir esvaziada. Compositor de uma musica só, mesmo que boa, às vezes cai no esquecimento, como a “Helena, Helena, Helena”, ganha em um festival por Alberto Landi, que apareceu e desapareceu, como por encanto. Se quantidade não é qualidade, aí fica com quem não teve tempo para apreciar a dita cuja carga livresca. Não dá para esquecer a fábula daquele caminhão apinhado de porcos. Só quem grunhia, era quem estava por baixo.
Com certeza, não se chama qualquer um, para fazer seu tatoo no Clube do Bode. Se isso acontecer, não é de graça ter o nome constando da ata, com registro da passagem naquele local. Bode que é bode, de verdade, gosta de chiqueiro, donde a pretensão de, vez por outra, dar uma parada no clube, para papear, ou o que seja, trocar berros com os outros frequentadores e, quem sabe, sair contaminado por fortes elucubrações mentais, sem desprezar o cheiro, que é sui generis. O Audífax Rios conhece bem o mapa da mina. Só precisa ensinar a quem menos tarimbado, ver para crer um remanescente do Ioiô soltar um rugido lá perto da Monsenhor Tabosa, que vai atravessar parte da cidade, respondendo lá nas vizinhanças da Igreja do Rosário. A Raquel de Queiroz, feita de bronze, mas sentada ali na Praça dos Leões, mesmo sem os óculos, surrupiados pela bandidagem de plantão, certamente, vai estar de olho em quem deixa a ACL e em quem entra para sentar na cadeira desocupada.
O Ceará tem disso, sim: para ser acadêmico, não precisa ser bode. Basta saber berrar, melhor dizendo, escrever. Cabrito que é bom cabrito, desde cedo sabe que quem berra não mama.
Elsie Studart

quarta-feira, 27 de junho de 2012

"O Prisioneiro no Espelho", Pedro Salgueiro para O POVO (27.6)



O pobre do cronista, acuado pela falta de assunto, vive à procura de um personagem na multidão de anônimos que pululam pelas ruas de nossa escrotinha loura desmazelada pelo sol. Um perneta ali, um careca acolá, bem adiante um velhote de pente no bolso e brilhantina no cabelo ralinho (cuidado há de ter o infeliz do escrevinhador desocupado, pois, como assegura nosso cronista maior Airton Monte, negro não é mais negro, gordo não é mais gordo, pobre não é mais pobre, nem puta é mais puta, então se procura logo, para não criar problemas com ninguém, um danado de um eufemismozinho de meia-tigela).

Dia desses encontrei um personagem que não tinha lá muitos predicados físicos que o destacasse da maioria ignara: altura normal, magreza sem graça, uma feiúra quase suportável. Tirante a canela finíssima e uns olhos esbugalhados, passaria despercebido em qualquer fila de banco.

Mas o que o distinguia dos outros e o colocava na fila dos personagens que poderiam ser utilizados pelo cronista sem assunto era uma característica psicológica notada por todos: o ressentimento. Olhando de perto não se acreditava — como era ressentido o nosso futuro personagem! Conversando meia hora com ele já teríamos uma coleção valiosa de pérolas do ressentimento.

Primeiro, ressentia-se de uma infância sem novidades: não jogou bila, bola ou bilhar com os companheirinhos. Não tomou banho de açude ou rio, nunca de chuva, apenas de bica. Na adolescência era sempre deixado de lado pelas meninas mais bonitinhas, nem paquerar conseguia. Por conta disso casou-se com a primeira namorada, quase sem conhecer ainda as muitas nuanças do amor, suas veredas e atalhos: tornou-se, portanto, um ressentido do amor. Ver os colegas bem casados para ele era um tormento, então não se cansava de tentar separá-los: paquerava com uma, mandava bilhetes para outras, piscava o olhão para a incauta da mesa à frente.

Escolheu uma profissão terrível, só tédio e monotonia. Mas para fugir dos percalços de sua vida tristonha resolveu se dedicar às artes, pois tinha uma ponta de sensibilidade em meio ao profundo poço (cheio de esterco) de sua alma. Incansavelmente publicou, com o próprio dinheiro, um livro atrás dos outros por anos e anos. Tantos que até ele mesmo tinha dificuldades em contá-los, nomeá-los, classificá-los...

Se sua poesia não agradasse aos outros, coitados dos outros. Se sua prosa mais que comum não satisfizesse os críticos, coitados dos críticos. Se as editoras nem bola dessem aos seus insistentes envios de originais, infelizes das editoras. Se um colega escritor fosse agraciado com um prêmio, estudado no vestibular, convidado a escrever num jornal ou revista; e se fosse, então, solidamente casado, jovem e bem apessoado, que Deus o protegesse. Enfim, coitados de todos os colegas.

O homem era um poço de ressentimentos: transbordava aos borbotões por todos seus poros a ira da inveja, o asco da maledicência. Ruminava diuturnamente suas próprias fezes e extraía do seu hálito fétido o mais puro e maléfico veneno, que (depois de bem estilado) ele ia, pouco a pouco, injetando nas veias dos que estivessem na sua mira.

E como era de se esperar, o ressentido acabou sozinho: os filhos bem distantes, a ex-mulher só lembrava-se dele na hora de receber a pensão, os amigos foram saindo de fininho, os vizinhos foram aumentando os muros. Quando nem bem esperava (ou será que esperava e, num teatro de puro masoquismo, se regojizava com tudo isso?) ele acabou sozinho em sua grande casa, cercado de livros, os muros ao redor altíssimos mal o deixavam ver uma frestinha de luz do sol. Então, já não podendo mais exercer seu triste ofício do ressentimento, postou-se na frente do espelho e sobre ele jogou todo o seu ódio guardado desde a mais remota infância.
P.S.: Um amigo maldoso (mas bem inteligente e afeito a generalizações) afirma que, na verdade, não se trata de um indivíduo, mas de uma geração inteira de ressentidos; e ainda tenta teorizar sobre a tal geração (que ele intitula “degeneração”): “Era uma turma da qual muito se esperava e bromaram todos. Que, também, esperava muito de si. Cada um surgiu com um rei na barriga, atirando pedras em quem estivesse no caminho: e hoje (que quase todos os reis foram destronados, só lhes restaram as barrigas), tantos anos depois, só lhes sobrou a empáfia, o fracasso, o melindre. E o ressentimento!”. Depois, dando uma gaitadinha cínica, ainda arremata (feito um vampiro com sua faca de prata): “Esta, sim, é a verdadeira Geração Perdida, não escapou um!”.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Lançamento "Alegorias da Maldição: a escrita fantástica de José Alcides Pinto e o Ceará", de Francijési Firmino (28.6)



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O historiador e professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, Francijési Firmino, lança, na próxima quinta-feira, 28, às 19h, o livro Alegorias da Maldição: a escrita fantástica de José Alcides Pinto e o Ceará (1960-80), pelas Edições Demócrito Rocha, na Livraria Cultura, a partir das 19 horas.
Na ocasião, um bate-papo entre o autor e o editor-adjunto da EDR, Raymundo Netto, no auditório da livraria, antecipa a noite de autógrafos.
O trabalho de pesquisa do historiador Francijési Firmino mergulha nos elementos fantásticos­ com os quais José Alcides Pinto traduz as tensões entre o moderno e tradicional no Ceará. Resultado do seu trabalho de mestrado, o autor chegou ainda a conviver com José Alcides Pinto. Dos encontros, o pesquisador guarda o impacto que JAP teve sobre ele.
O livro do historiador tem trânsito em várias áreas do conhecimento, entre elas a Literatura e a Filosofia.  A seguir, uma breve entrevista com o autor de Alegorias da Maldição com Regina Ribeiro, jornalista e editora das Edições Demócrito Rocha.

Regina Ribeiro - Logo na apresentação do seu livro, o historiador Durval Muniz defende que a literatura está “sempre povoada de fantasmas” e que ela – a Literatura - trata das fantasias de uma época, de uma sociedade, de uma cultura. Como você acredita ter lidado com os fantasmas que povoam a literatura de José Alcides Pinto? 

Francijési Firmino - Assumindo sua literatura como fantástica, ele – Durval - quer valorizar o texto como criação, como imaginação. É desse modo que foi um grande estranhamento na Universidade, o fato de eu querer produzir um trabalho em História partindo e tendo como principal documento a literatura fantástica, em outras palavras, um documento que assume de saída não querer contar as coisas “tal como aconteceram”, nem mesmo em termos de possibilidade, “como poderiam ter acontecido”. O próprio José Alcides mostrava seu estranhamento com relação a minha proposta, mesmo já existindo outro trabalho, em perspectiva bem diferente, do historiador Nuno Gonçalves que pesquisou, como eu, os livros da Trilogia da Maldição. Para mim, e foi o que defendi no livro, a literatura fantástica de José Alcides Pinto emerge na justaposição de um conjunto de referências estéticas com sua leitura das modernidades e modernizações que começaram a ser propaladas em meados da década de 1950, no Ceará. A Trilogia da Maldição seria uma tradução fantástica desses processos em curso, seria uma escrita embrenhada nas tensões entre as novidades de sua época e o envelhecimento de signos que até então pareciam dizer o que era o Ceará.  José Alcides gostava de fazer uma identidade que parecia caducar sobre o Ceará retornar em sua literatura por meio do delírio, ou seja, apontava que aquilo sobre o qual escreveu não estava mais no plano do visível, são fantasmas que o perseguem, defuntos aos quais ele dá um último fôlego para que sobrevivam ao menos no espaço de seu texto.

 RR - Como você se tornou leitor de José Alcides e como se deu o interesse para pesquisar sua obra?

 FF - Como a maioria dos leitores cearenses que conhecem algo da obra de José Alcides, eu também comecei pelo segundo livro da Trilogia da Maldição, “Os Verdes Abutres da Colina”, ainda na adolescência. Eu tinha entre 16 e 17 anos quando li esse livro, o que já faz mais de uma década. Na graduação em História, no momento de escolha do tema para o trabalho monográfico, não tenho muita clareza sobre as motivações que me levaram a pesquisar a Trilogia da Maldição, somente que a narrativa fantástica me exerce grande fascínio.  Hoje, observo que a pesquisa sobre questões que fogem a noção de verossimilhança, em sua acepção mais ortodoxa, é urgente, afinal, vivemos um momento em que o debate multicultural se encontra cada vez mais ávido, trazendo a baile um conjunto de elementos que antes foram classificados como meros delírios de populações “incivilizadas”. Além disso, o fantástico é um interesse contemporâneo, vide os filmes que fazem muito sucesso de bilheteria e os livros que estão nas listas dos mais vendidos. É necessário discutir esse fenômeno. E é necessário ainda ressaltar que a chave de leitura normalmente usada para a compreensão desses registros fílmicos e literários atuais, unicamente como modo de “re-encantamento do mundo”, é no mínimo inocente. O fantástico tem dimensões político-sociais sobre as quais precisamos refletir, não é somente um meio de entretenimento, ou modo de dar um tom mágico a vidas descoloridas, está para além disso. Significa uma reorganização dos nossos códigos da realidade, do nosso modo inclusive de produzir a verdade e aceitá-la.  Deparamo-nos cada vez mais com grupos sociais que não se preocupam tanto com os comuns suportes da verdade, como a ciência, a tradição e a memória, isso é perceptível religiosa, artística e mercadologicamente. Talvez compreender as lógicas e razões que parecem produzidas na mais absoluta aleatoriedade seja um dos desafios que o pesquisador em ciências sociais venha a cada dia se defrontar com maior intensidade e, nesse caminho, a literatura fantástica é um elemento ao qual precisamos voltar nossas atenções. 

 RR - Você chegou conviver um pouco com o escritor. Quais as principais impressões que você construiu dele?

FF - Essa foi a melhor parte na feitura do trabalho e, também, uma das mais problemáticas quando foi necessário dar um formato final do texto. José Alcides é/foi absurdamente, resguardando a ambiguidade da palavra, fascinante, tanto como pessoa, quanto em sua obra. Deveria ter prestado atenção aos cuidados que teve Paulo de Tarso, o Pardal, quando escreveu seu livro sobre José Alcides, em me afastar do autor para tentar não me contaminar com as versões interpretativas dele sobre si. Num primeiro momento de escrita, me vi profundamente confuso entre o que José Alcides falava sobre os seus textos e as exigências de um trabalho acadêmico.  Foi um doloroso desprendimento o que tive de, aos poucos, constituir para tentar pensar o trabalho. Esse processo foi se tornando mais fácil, quando, rememorando nossas conversas, acabei percebendo que José Alcides foi uma das personalidades mais plásticas que eu já conheci, que pensava e repensava, dizia e desdizia inúmeras vezes coisas sobre si e sobre a sua obra. José Alcides parecia esconder um coletivo dentro de si, era muitos e, ao mesmo tempo, nenhum, um ator de si, como gosto de pensar no terceiro capítulo do livro, que escrevi já depois de ter defendido a dissertação de mestrado, em 2008. 

 RR - Você trabalha neste livro com a hipótese de José Alcides ter construído o fantástico na literatura desenvolvida no Ceará. Quais os elementos do fantástico na literatura de José Alcides Pinto? Que diálogo ele faz com o fantástico da literatura tradicional?

FF - É difícil enumerar quais são os elementos fantásticos na obra de José Alcides, pois, ao que parece, uma das grandes características desse modo de escrita têm sido a aleatoriedade. Por exemplo, José Alcides mistura no texto sua aldeia natal, no interior do Ceará, Alto dos Angicos de São Francisco do Estreito, com as histórias da Antiguidade Clássica etc. Acredito que Nuno Gonçalves estava certo ao pensar que a grande questão de José Alcides tenha sido a história, no sentido da transitoriedade da vida e das coisas. É da certeza da morte e da crença na condição mesquinha do humano, que José Alcides retira o fundamento de seu fantástico: nós não teríamos meios para alcançar a verdade das coisas, tudo que faríamos seria fruto da ilusão, seria delírio, seria fantástico. Em outros pontos, contudo, ele trama diálogos claros com as temáticas que se convencionaram na literatura sobre o Nordeste: o coronel, o místico, o louco, a natureza, entre outros. É nesse limiar entre elementos regulares nos discursos sobre o Nordeste e a descrença na possibilidade de um verdadeiro que se produz o fantástico de sua literatura. 

 RR - Apesar do livro Alegorias da Maldição ser o resultado de um trabalho acadêmico, é visível a linguagem que foge do academicismo e pode ser lida quase como literatura, o que facilita – e anima - o trabalho do leitor. Você fez seu trabalho já pensando nessa leitura para não estudiosos de literatura ou história?

 FF - Desde que vi o texto final do meu trabalho, tive o medo de ser excessivamente hermético, de difícil compreensão até mesmo para historiadores e críticos literários. A forma da escrita deriva muito do estilo e, até mesmo, da formação, tendo desde a graduação estudado o diálogo entre história e literatura. Já ouvi historiadores reclamando que meu texto tem fortes elementos filosóficos e literários, já ouvi pessoas com formação em letras falando da minha, às vezes, excessiva preocupação com os contextos. Então parece que realmente estou numa zona de difícil definição. Ainda, contudo, me reconheço um historiador, meio herético, devo confessar. Já é bem aceito na disciplina história uma escrita mais metafórica, que deixe de lado o preciosismo conceitual, que nos trabalhos acadêmicos produzia uma narrativa que muito se aproximava de um estilo tratadístico. Minha preocupação, como atualmente se pensa na pesquisa em história, foi que os conceitos funcionassem para compreender o objeto de pesquisa, por isso, eles aparecem misturados com a fonte, no caso, os livros de José Alcides, os jornais etc. Talvez seja isso que faça parecer um texto com poucos “academicismos”. Fico lisonjeado com seu comentário.

RR - Outro ponto importante do teu trabalho é o entrecruzamento de disciplinas, que você transpõe de forma elegante e tranquila. Quais as áreas de interesse que o livro Alegorias da Maldição abrange?

FF - A literatura fantástica ainda é pouco discutida pela história. Desse modo, para compreendê-la tive de tecer intensos diálogos, além da história, com a teoria literária e a filosofia – está última, especialmente por meio de Walter Benjamin –, um pouco com a linguística e a psicanálise. Além das disciplinas, acredito que o trabalho possa servir, de algum modo, para compreender uma arte que se organiza entre os fins dos anos de 1950, de caráter alegórico, que não teve mais a pretensão de representar as coisas tal como elas seriam, mas de produzir um jogo criativo que faz a linguagem vacilar em sua capacidade de dizer as coisas, de uma geração que tornou a linguagem a sua grande questão nas artes.

 RR - Você trata no seu trabalho das tensões vividas pelo Ceará e que foram matéria-prima para o fazer literário de José Alcides Pinto. Na sua opinião, qual a maior ou principal contribuição que o escritor oferece para uma leitura do Ceará e do Brasil em meados do século XX.

 FF- Não sei se consigo pensar em termos de contribuição. No livro, assumo uma posição ambivalente ante a obra de José Alcides. Por um lado, tendo a concordar com ele de que o Ceará não tem uma identidade fixa, que aquilo que se chamou de autêntico e natural, foi uma convenção estabelecida, em grande medida, pela literatura e outras formas discursivas. E aqui, aponto para uma dívida intelectual com o trabalho e as indicações do historiador Durval Muniz Albuquerque Júnior, que inclusive prefacia o livro.  Por outro lado, tendo a discordar de José Alcides quando ele leva essas considerações a um extremo, ao ponto de afirmar a impossibilidade do saber pelo humano.  Essa é uma postura muito presente na literatura alcidiana, que, acredito eu, é produzida em meio as suas leituras do barroco e, estranhamente, de Albert Camus, que nunca defendeu isso. Percebo esse modo de pensar como problemático à medida que não concebe a possibilidade de se construir sentidos para a vida, que não sejam moral,  religioso, ou somente natural. Fico ponderando como uma pessoa, exaustivamente criativa, como ele, não concebia em sua obra a importância da criação, mesmo afirmando constantemente que essa era a única possibilidade do sentido. Perceber que não há uma essência das coisas, a consciência da condição transitória dos entes, não significa cair na armadilha de acreditar que, por isso, elas não mais tenham valor, ou sentido – afinal de contas, o sentido e o valor são atribuições humanas e não precisam de uma “essência” para existir. Penso esse raciocínio alcidiano como perigoso, pois desautoriza toda preocupação ética. Às vezes, fico refletindo se esse traço em sua obra não passava de uma tendência que Alcides tinha para a polêmica, haja vista que sempre o percebi como muito rígido em algumas posturas. 

 RR -  A estética literária desse escritor influenciou de alguma forma a literatura de outros escritores?

FF - Acredito que sim. E não só em relação à Trilogia da Maldição. A dimensão maldita, meio surrealista, alegórica e fescenina de José Alcides interferiu fortemente na literatura cearense. É difícil medir isso em termos de influência, pois essas referências podem ter se disseminado por diversas vias. É inegável, contudo, que esses elementos têm se tornado profícuos na escrita de romances e poemas.

 RR -  Como você analisa a leitura que é feita hoje da obra de José Alcides Pinto tanto na prosa, como na poesia?

 FF - José Alcides costumava me contar um sem número de histórias sobre uma espécie de “escambo dos elogios” comum à crítica literária cearense (acredito que não somente no Ceará!), com fortes características impressionistas e, por vezes, meramente apologéticas. Há muitos textos que realmente são assim, e não vou citar nomes. É interessante como alguns desses críticos (que na maioria das vezes são também literatos), por seu intenso contato e experiência com a literatura, tinham “sacadas” que me foram muito importantes, num texto que claramente havia sido feito às pressas, com dois ou três parágrafos. Já há sobre o autor trabalhos muito sérios, com rigor de análise (e, por isso, não se entenda enrijecidos em método).  Novamente, não vou citar nomes, pois meu esquecimento, aqui, pode cometer pecados. De modo geral, os livros que se detiveram unicamente a José Alcides são muito bons. Em relação aos artigos, a minha triagem foi mais criteriosa, mas sem dúvidas também há muita coisa boa. Concebo apenas que é necessário rediscutir o modo como se pensou a biografia de José Alcides Pinto como um anexo da Trilogia da Maldição, acho que essa fórmula interpretativa já deu o que tinha.

Lançamento-Debate (SERVIÇO)
Data: 28 de junho de 2012 (quinta-feira), às 19h
Local: Livraria Cultura (Av. Dom Luis, 1010, shopping Varanda Mall)
Mediador: Raymundo Netto
Investimento Livro: R$ 29,00

Sobre o Autor: Francijési Firmino nasceu em Russas, Ceará, em 1983. É historiador, graduado pela Universidade Estadual do Ceará, em Limoeiro do Norte e mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde hoje ocupa a função de professor efetivo. Alegorias da Maldição é parte de sua dissertação de mestrado, defendida, coincidentemente, em 2008, ano de falecimento de José Alcides Pinto, e contemplada na categoria Pesquisa em Literatura Cearense, do VI Edital de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.

Realização
Edições Demócrito Rocha

Apoio Cultural
Secretaria da Cultura do Estado do Ceará
Livraria Cultura



sábado, 23 de junho de 2012

Para ouvir "Autores & Ideias", da FM Assembleia, com Raymundo Netto (16.6)



Mileide Flores, Kelsen Bravos, Urik Paiva, Raymundo Netto e 
a apresentadora Lílian Martins na FM Assembleia

Para ouvir o programa Autores & Ideias:

Reprodução do programa Autores & Ideias que recebeu o escritor Raymundo Netto, que fala sobre o lançamento da sua aguardada obra de contos, “Os Acangapebas”, vencedora do Edital de Literatura da Secretaria de Cultura de Fortaleza e do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura da Academia Cearense de Letras.

“Os Acangapebas” foi lançado logo após o trabalho de Raymundo Netto como coordenador de políticas do livro e de acervos da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. A frente do órgão, ele foi responsável pela publicação de aproximadamente 80 títulos, dentre livros inéditos, esgotados e obras raras de autores cearenses.

Participam também do programa deste sábado os deputados Paulo Facó e Professor Pinheiro esclarecendo sobre o Plano Estadual de Cultura do Ceará.

O Autores & Ideias é produzido e apresentado por Lílian Martins transmitido pela FM Assembleia (96,7 MHz), e vai ao ar todos os sábados, às 15h com reprise às terças-feiras, às 20h.




sexta-feira, 22 de junho de 2012

Lançamento revista "Sinais Sociais", do SESC, com debate (28.6)



Lançamento
revista Sinais Sociais
do SESC - GRATUITA
— um convite de Carlos Vazconcelos

Data: 28 de junho de 2012, às 15h
Local: Teatro SESC Emiliano Queiroz (Av. Duque de Caxias, 1701, Centro)
No evento: Distribuição gratuita para o público e debate interativo ao vivo com a plateia, a ser transmitido pelo sistema IPTV para todas as unidades SESC no Brasil.

Sobre a Sinais Sociais:  a revista tem como finalidade tornar-se um espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira. Pluralidade (Educação, Cultura, Literatura, Artes, Sociologia, Política, História, Meio Ambiente e outros) e liberdade de expressão são os pilares desta publicação.

Pluralidade no sentido de que a Sinais Sociais é aberta para a publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil de hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um campo aberto no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício poderão se manifestar.

Disseminar as ideias que povoam o nosso País, restritas normalmente ao mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais desse debate, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais.

SESC

quarta-feira, 20 de junho de 2012

"Coisas Engraçadas de Não se Rir: O Feio", de Raymundo Netto para O POVO (20.6)



Confesso: sou um feio!, assim como também é feio, às vezes, quem me diz, e não é feliz, nem poderia ser, a não ser que fosse também muito egoísta e, então, seria defeito demais para uma criatura só.
Entretanto, sou um feio aceitável, pelo menos penso que sou, nem horrendo nem bizarro, como alguns de nossos colegas, profissionais involuntários da careta, que se exibem nas ruas da cidade, nos terminais de ônibus, nas praças ou nas emissoras locais de TV.
Não que eu acredite no ideário grego de perfeição, nem vou citar “Don Giovanni”. Pelo contrário. Para mim, ser feio é uma bênção: a beleza se perde, mas a feiura é permanente, e com o tempo e o costume, passa a ser compreendida junto com a paisagem. Já os faustos e belos, coitados, estão fadados à decadência ou ao redesenho hediondo do bisturi. É encontrar aquela mocinha que na juventude era a namoradinha do bairro e tomar susto pelo seu mal traçado destino: “Meu Deus, está acabada... Do que me livrei!” Já o feio, não. O costume e o pouco de atrativos lhe conferem certa jovialidade e simpatia. Eterno em sua rotineira capacidade de passar despercebido e de não gerar expectativas, nos faz parecer até que está “melhorando”...
Temos o feio relativo, aquele que nem é tão feio quanto pinta, e no qual se é possível, ainda, sinalizar que “quem ama o feio, bonito lhe parece.” Há, porém, de encontrarmos por aí o feio vaidoso, aquele cuja feiura não lhe é suficiente, sendo imediatamente valorizada por meio de brinco, cabelo, piercing, óculos (todo feio, geralmente, utiliza-os) ou roupas coloridas e escandalosas.
O “feio inteligente” — tem-se o “feio burro”, um descuido do controle de qualidade divino que não deveria permitir o nascimento de tais seres, assim como também não deveria o “belo inteligente” — tem como ordem do dia conhecer o íntimo das pessoas. É, como forma de defesa, a princípio, um observador por natureza. Presta tanta atenção à sua volta que termina por conseguir decifrar mentes, prever acontecimentos, bolar planos maquiavélicos. Quase — em alguns casos, todo — um bruxo! Muitas vezes, por essa característica, se torna escritor. Este, quando mais famoso, ainda consegue, para insatisfação de seu editor, exigir sua triste estampa na capa de sua obra. Invés disso, os mais inteligentes estudam, prosperam na vida e compram imensos carros e namoradas festeiras: “Sou feio, mas eu posso!” Por questão de ética, nem vou citar exemplos de horrendos na literatura que ainda colocam suas esquálidas imagens em capas. Um real desserviço ao leitor a guardar o livro de bruços na cômoda ou dentro da gaveta para não desestimular a leitura das crianças.
Mendel, que também era um feio, e por isso se divertia no quintal promovendo o coito de ervilhas, descobrira que a feiura não cabia inteira num único rosto e metastatizava pelas veias, disseminando e condenando suas futuras gerações, sendo atenuada apenas quando do encontro casual com aquela bonitinha de pensamento transcendental a amenizar as marcas de uma herança de feiumes ou a expiar seus pecados na visão matutina de um feio despenteado a babar o travesseiro justaposto, no auge da feiura despreocupada e entregue à mosca, de certo, azul.
É sabido que a maior vitória do diabo foi convencer a todos de que era um feio. Pois bem, também é sabido que as proprietárias das grandes agências de modelos são imensas, além de feias. Assim, como vingança, contratam as mulheres mais bonitas e as convencem de que têm que emagrecer, emagrecer, emagrecer, até que sumam de vez das vistas humanas, agora, cadavéricas, paranóicas e tomadas de olheiras.
Mas o feio presta um grande serviço à humanidade, afinal, a beleza só existe quando ao lado da feiura. Muitos dos feios, como já disse, se tornam artistas, pois apenas a arte tem a capacidade de extrair a beleza do feio.  Fica, então, a pergunta quase humbertoecônica: “Será possível que por baixo de uma pátina malfeita possa existir alguma beleza?”

Lançamento "De Olhos Entreabertos", poesia de Aíla Sampaio (21.6)


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domingo, 17 de junho de 2012

"O Poeta Recluso", de Ana Miranda, em homenagem a Francisco Carvalho (17.6)


Gosto desses escritores e poetas tímidos, recatados, reclusos, solitários... São fascinantes pelo mistério que evocam. São uma espécie de sonho a que almejam os outros escritores, sempre necessitados de recolhimento e solidão e arrastados pela vida mundana, sempre com a sensação de estar perdendo tempo, perdendo tempo, a arte é longa, e a vida, breve... O Kafka dizia que seu sonho era viver num subterrâneo abobadado onde haveria apenas uma mesa, cadeira, papel, pena e tinteiro. Ali ele passaria dias e noites vestido num roupão, escrevendo, e teria como único movimento o levantar-se para pegar um prato de comida que alguém depositaria do lado de fora da porta. A que profundezas iria! Que coisas arrancaria dali!, ele diz. São os chamados subterrâneos de Kafka. Talvez uma síndrome, talvez uma paixão, talvez um medo. 

Aqui no Ceará temos um assim, o poeta Francisco Carvalho. Não possui a determinação absoluta de Rubem Fonseca ou Dalton Trevisan, que jamais deram entrevistas, jamais se deixaram fotografar, os cearenses são de espírito maleável, muitos, e parece que Carvalho tem essa doçura que torna difícil dizer Não, e vez em quando sai uma entrevista, uma foto no jornal, alguma imagem na qual que vemos como é inevitável o seu embaraço, como é delicada a sua presença, quase ausente diante do estranho. E suas palavras, diz o jornal, saem em voz baixa, suas frases desaparecem antes do final, “como se interrompidas por reticências, ele se esquiva da conversa, lamenta a memória fraca, a dificuldade em andar e repete: ‘Faltam as palavras’...” Na verdade, dá as entrevistas por escrito. Prefere dar por escrito. Na escrita, no solitário recinto do seu gabinete, não faltam as palavras. Nem sobram. São exatas, contadas, precisas, preciosas. Palavras de poeta. “É verdade que sempre fui arredio. Sempre olhei mais para dentro do que para fora. Sempre fui inquilino da timidez. Fiz esforços para mudar, mas não consegui alterar o desenho do molde primitivo”.

Ele diz que toda grande poesia possui uma relação com o silêncio, o poeta precisa se recolher ao silêncio para ouvir a si mesmo. Sim, a reclusão, o silêncio, a timidez, servem muito bem à palavra escrita. Também às lembranças, e Carvalho tem vivas recordações de sua cidade natal, Russas, que ele achava “triste na quadra invernosa e poeirenta nas tardes de verão, quando o vento do Aracati soprava mais forte”. Ele se lembra de figuras que moravam na cidade, um monsenhor a consolar os pobres, um beato coberto de efígies e medalhas, lembra da sua escola, das matracas berrando nos rituais religiosos, das procissões, da passagem de mortos levados em redes, a um triste dobrar dos sinos, que o marcaram para sempre. “Em vários poemas meus existem vestígios desse tempo e das impressões causadas pela cidade a um menino que, de forma ingênua e talvez equivocada, tentava descobrir o mundo à sua volta”.

Essas recordações deram o belo poema que fez para sua cidade, do qual retiro alguns trechos como se fossem prosa: “Cidade das éguas russas que só pastam saudade ... o repentino crepúsculo dos morcegos ... Os velhos ao gamão, à sombra do tamarindo, monsenhor Vital pastorava o luar como se fosse um rebanho de carneiros balindo. ... Os mortos passam lentamente pela rua principal, do fundo da torre negra o sino os acompanha com lágrimas de metal. ... O tempo passa boiando nas lerdas águas do Araibu ... Cidade das éguas russas que pastam nos campos ralos das éguas que se foram tangidas pelo vento da respiração dos cavalos. ... Cidade das éguas russas que só pastam saudade, os caminhos do morto que vai para a eternidade passam pelo meu corpo”. E da morte de seu pai ele tira uma poesia emocionante: “Volto a ser o menino que segurava o teu braço pelas ruas da cidade vazia. Só a manada dos ventos dialogava com as aldravas que restaram dos antigos invernos e ríspidos estios de pássaros e nuvens que se acasalavam no ar”.

Mas nem só de beleza e memória se faz sua poesia. Há crítica, revolta, ironia, e há o humor da inteligência. Disse ele, um dia, falando da sua construção poética: “Sem indignação não se produz boa literatura”. E ele investe contra o mundo, contra a burocracia, os mísseis, o olho da serpente, as teias de mitos, as vaidades... Contra o fato de não haver mais lugar para a poesia no mundo atual. Mas a matéria de seu canto é o barro, o barro da infância, o barro de Russas, o barro de si mesmo. E escreve poemas tão excelentes e emocionantes que abençoam qualquer timidez ou reclusão. 

"Os cearenses são de espírito maleável e Carvalho tem essa doçura que torna difícil dizer “Não”"

"Ele diz que toda grande poesia possui uma relação com o silêncio. Não só beleza e memória. Há revolta e ironia, e há o humor da inteligência"

"E ele investe contra o fato de não haver mais lugar para a poesia no mundo atual"

ANA MIRANDA é escritora cearense. Autora de Boca do Inferno (1989), Desmundo (1996), Amrik (1997), entre outros

quarta-feira, 13 de junho de 2012

"O Conto na Terra do Conto", Pedro Salgueiro para O POVO (13.6)



O conto é o gênero literário mais cultuado no Ceará (alguém já afirmou que temos mais contadores de histórias que bodegueiros). Rara foi a geração que não nos deu pelo menos meia dúzia de bons contistas. Mas raros são os excepcionais, visto que o gênero é difícil, escorregadio, enganoso, muitos acham que basta contar uma anedota interessante, alinhavar bem um caso curioso, para obter êxito.
Atualmente temos pelo menos quatro gerações produzindo narrativas curtas de boa qualidade por aqui. Não sem tempo, a SecultCE editará em breve edição completa dos contos do saudoso Moreira Campos, trazendo inclusive seu livro inédito “A Gota Delirante”. Em agosto próximo, o nosso maior contista vivo, o oitentão Caio Porfírio Carneiro, lançará em Fortaleza (comemorando 50 anos de sua estreia com o já clássico “Trapiá”) sua nova coletânea: “Veredas da Caminhada”.
Há poucos meses dois escritores que publicaram pela primeira vez nos Anos 70 nos presentearam com dois ótimos livros: Airton Monte lançou o longamente aguardado, “Os Bailarinos”, e Nilto Maciel editou seu nono livro de narrativas, “Luz Vermelha que se Azula”. Obras importantes que solidificam dois dos mais importantes nomes de nossas letras.
Depois de quase 3 décadas afastados da literatura, dois remanescentes dos Anos 80, Eugênio Leandro (que só havia editado “Rei Piau”, acaba de lançar o pujante “A Noite dos Manequins”) e Isa Magalhães (que estreou com “Psiu, o síndico pode estar ouvindo”, editará em breve “O Jogo do Amor”) retornam ao gênero conto.
As ótimas Inês Figueiredo (que estreou maravilhosamente bem no conto com “Palavras por Aí À Ventura”) e Maria Thereza Leite (que com seu terceiro livro de histórias curtas, “Avenida dos Ventos”, a ser lançado brevemente, se solidifica como uma de nossas melhores contistas) enriquecem com seus talentos este gênero que no passado recente recebeu importantes contribuições de escritoras como Margarida Saboia, Natércia Campos, Beatriz Alcântara, Regine Limaverde, Joyce Cavalcante, Angela Gutiérrez, Lurdinha Leite Barbosa e muitas, muitas outras.
De uma geração que estreou nos Anos 90 dois excelentes escritores nos trouxeram obras singulares: os premiadíssimos Joan Edesson de Oliveira, com seu fantástico “O Plantador de Borboletas”, e Tércia Montenegro, com seu belo “O Tempo em Estado Sólido”, que recentemente venceu o prestigioso Prêmio Governo do Estado de Minas Gerais. Geração que já nos deu Ronaldo Correia de Brito, Dimas Carvalho, Luciano Bonfim, Paulo de Tarso Pardal, Jorge Pieiro, Alano de Freitas, Astolfo Lima Sandy...
Outro livro de narrativas breves bastante aguardado foi “Os Acangapebas”, de Raymundo Netto (vencedor do Edital da SecultFOR e do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura, da Academia Cearense de Letras), digno representante de uma geração recente que já nos apresentou Fernando Siqueira Pinheiro (com “O Tatuador de Palavras” e “Ao Lado do Morto”), Carlos Vazconcelos (com “Mundo dos Vivos”), Túlio Monteiro (com “Dois Dedos de Prosa com Graciliano Ramos”), Carmélia Aragão (com “Eu Vou Esquecer Você em Paris”), Alan Santiago (com “Lua de Ur num Prato de Terra”), Renato Barros de Castro (com “Dulcineia em Hollywood”), Brennand Bandeira (com “Entre Oito Paredes”), Junior Ratts (com “Sweet Dreams”), Dércio Braúna (com “Como um Cão que Sonha a Noite Só”), Angela Calou (com “Eu Tenho Medo de Gorki”), dentre vários outros.
Através de Edital da SecultCE, recentemente foi publicada a coletânea “Quantas de Nós”, com histórias curtas de Carmélia Aragão, Cleudene Aragão, Vânia Vasconcelos, Ruth de Paula, Maria Thereza Leite e Inês Cardoso.
De uma geração ainda mais nova foi editada a seleta “Metropolis” (Edital da SecultFOR), que traz sete contos de cada um dos sete participantes: Anna Karine Lima, Fernanda Meireles, Flávia Oliveira, Joice Nunes, Mariana Marques, Natércia Pontes (que lançou o livrete “Az Mulerez”) e Jorge Pieiro (único veterano do grupo, que acaba de publicar o livro de contemas, como ele denomina seus relatos breves, “O Outro Dono do Fim do Mundo”), quase todos inéditos em livro e que têm na internet seu principal campo de atuação.
Além dessa quantidade formidável de lançamentos recentes, os contos vêm sendo incansavelmente publicados nas diversas revistas literárias (Corsário, Pajeurbe, Pindaíba, Literapia, Caos Portátil, Singular, Para Mamíferos, Aldeota, Pechisbeque etc.), mas principalmente nos muitos blogs e sites na internet (dentre os quais destacaria os textos em prosa de Ruy Vasconcelos no seu excelente http://afetivagem.blogspot.com//).

P.S.: Não podemos nos esquecer de cearenses que residem há muitos anos em outros Estados, como Caio Porfírio Carneiro, Sérgio Telles, Adriano Espínola, Carlos Gildemar Pontes, Ronaldo Correia de Brito, Rinaldo Fernandes, Everardo Norões, Majela Colares, entre outros, que continuam publicando bons livros de contos com uma regularidade impressionante. 

P.S 2: Quem cita acaba sempre esquecendo nomes, mas eu jamais poderia omitir três recentes lançamentos: "O Romance que Explodiu", de Carlos Emilio Corrêa Lima (que já havia publicado Ofos, de narrativas, nos Anos 70), "Malindrânia", do poeta Adriano Espínola (que faz sua estreia no gênero conto) e "O Professor de Piano", de Rinaldo de Fernandes (maranhense hoje radicado na Paraíba, mas que fez faculdade, co-editou a revista Acauã e publicou seus primeiros livros por aqui).

terça-feira, 12 de junho de 2012

Lançamento "Getúlio", de Lira Neto, na Cultura (14.6)

Foto: Diário do Nordeste


Data: 14 de junho, às 19h
Local: Livraria Cultura
Investimento: R$ 52,50

Sobre a obra: Matéria do Diário do Nordeste

Na próxima quinta (14), o escritor e jornalista cearense Lira Neto vem a Fortaleza para o lançamento de Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder, sobre o início da trajetória política do ex-presidente da República. Reconhecido por seu trabalho com biografias, entre elas a de José de Alencar, a da cantora Maysa e do Padre Cícero, Lira optou por explorar a vida de Getúlio em uma trilogia, frente à dimensão de sua figura para a história do País e à complexidade do personagem.
Os segundo e terceiro volumes já estão em produção e devem ser lançados em 2013 e 2014, respectivamente (com os subtítulos (1930-1945): do governo provisório à ditadura do Estado Novo e (1945-1954): do retorno pelo voto até o suicídio).
Pouco usual para um projeto no gênero de biografia, a escolha pelo formato de trilogia, aliada à importância de Getúlio, já seria suficiente para chamar atenção do público.
O impacto do lançamento, porém, foi ampliado a partir de questionamentos suscitados por outros pesquisadores, historiadores e escritores sobre as afirmações de Lira Neto quanto ao ineditismo de documentos levantados durante pesquisa para o livro.
Segundo o historiador e jornalista Juremir Machado, um dos principais divulgadores do imbróglio, Lira não poderia afirmar, como fez em entrevistas a diferentes veículos de comunicação, que foi o primeiro a analisar determinados documentos citados em Getúlio, ou, ainda, a trazer à tona os fatos a eles relacionados.
Em posts publicados nos dias 18 e 23 de maio, em seu blog vinculado ao jornal Correio do Povo (RS), Machado detalha quando, em que obras e por quais autores esses documentos e fatos sobre a vida do ex-presidente já foram explorados.
O também escritor e jornalista Fernando Jorge, Lutero Vargas (filho de Getúlio), o escritor e roteirista José Louzeiro, o jornalista e historiador Antônio Augusto de Lima Júnior, o memorialista Ciro Arno e o autor Pedro Rache são alguns dos nomes citados por Machado.
Um dos documentos da polêmica é o discurso de formatura de Getúlio, então com 25 anos, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, em 1907. Sobre o documento, Machado ressalta que Fernando Jorge já o havia evocado e analisado no segundo volume de seu Getúlio Vargas e o seu tempo, publicado em 1994 e ganhadora do Prêmio Clio, da Academia Paulistana de História.
O próprio Fernando Jorge chegou a enviar carta à revista Veja, com o objetivo de rebater informações veiculadas em nota sobre o livro, na qual era exaltado o ineditismo do teor do discurso.
Os outros dois casos dizem respeito a acusações por parte de adversários de Getúlio (em especial o jornalista e político Carlos Lacerda), sobre sua participação em dois assassinatos - um aos 15 anos, junto com os irmãos, de um estudante paulista, durante uma briga em Ouro Preto (MG); outro quando já era político, de um índio no Rio Grande do Sul. Nos dois casos, era inocente; no segundo o condenado era um homônimo.
Machado ressalta que, no livro Getúlio Vargas, a revolução inacabada, de 1988, Lutero Vargas esclarece as acusações, no item no item "Os quatro crimes da Tribuna de Imprensa". A passagem é citada pelo próprio Machado, em seu romance biográfico Getúlio.
"O processo de Ouro Preto inclusive encontra-se analisado folha a folha no livro de Augusto de Lima Jr., Serões e Vigílias. A descoberta de que um homônimo de Getúlio assassinou um índio no RS também saiu em vários livros", frisa o gaúcho. "Álvaro Larangeira também publicou no site do Observatório de Imprensa, texto sobre esse falso ineditismo", complementa Machado. Larangeira é jornalista, professor da Universidade Tuiuti do Paraná e organizador, com o historiador Décio Freitas, de Getúlio Vargas - A Serpente e o Dragão: dissertações acadêmicas (2003).

Discussão

As críticas de Machado e os autores por ele citados dizem mais respeito às declarações de Lira durante a divulgação do livro do que à obra propriamente dita, ou mesmo à velha discussão em torno da oposição do fazer jornalístico e historiográfico.
"O livro tem texto agradável, tem riqueza de detalhes, é uma boa obra. Mas não tem ineditismo. Não tenho nada contra Lira, mas o que não se pode fazer é dizer que se fez descobertas inéditas quando elas não são", alfineta.
Para Machado, "um jornalista pode fazer ótimos trabalhos de história, desde que aceite as regras desse campo. O que Lira está fazendo é tentar requentar determinados assuntos para transformar em manchete, esquema típico para atrair leitores. Tem a ver também com a ignorância dos próprios jornalistas, que compram gato por lebre", complementa o gaúcho.
De 2011 para cá, Lira Neto mudou um pouco o tom de suas declarações, passando do "ineditismo" para um certo "pioneirismo". Em janeiro de 2011, o cearense concedeu entrevista ao jornal Folha de São Paulo, na qual afirmava, sobre as acusações de assassinato de Getúlio, que "se tratava de um erro histórico que estava sendo perpetuado".
Quase um ano e meio depois, em meio ao lançamento do primeiro volume da trilogia, novamente em entrevista à Folha, Lira explica que não foi o primeiro a dizer isso (sobre os fatos envolvendo Getúlio), "mas o primeiro a fazê-lo com base em provas documentais”. "Desafio qualquer pessoa a mostrar onde estão as citações ao inquérito original. Os documentos estavam intactos nos arquivos, fui o primeiro a manuseá-los", ressaltou.
Ontem, o autor falou sobre o imbróglio mais detalhadamente ao Caderno 3: "Na biografia que escreveu sobre o pai e que é citada em meu trabalho, Lutero Vargas defendeu a tese de homonímia no caso do assassinato do índio Tibúrcio. Mas não apresentou nenhum documento. Como jornalista, rigoroso no tratamento das fontes, jamais poderia me contentar apenas com a versão familiar. Localizei não só os autos do processo como o registro de nascimento do homônimo, ambos inéditos em livro", esclarece.
No caso do discurso de formatura, Lira explica que "os fragmentos que se conheciam desse texto, publicados em outras obras igualmente citadas por mim, omitiam um dado fundamental: o anticlericalismo extremado do jovem Getúlio, tema delicado, que até então condenara a íntegra do discurso ao esquecimento da história. Por fim, no caso de Ouro Preto, o filho do juiz encarregado do processo, Augusto de Lima Jr., reproduziu em um livro publicado em 1952, indicado nas notas bibliográficas do meu, frações dos depoimentos das testemunhas, para tentar absolver o pai da acusação de ter sido conivente com os Vargas. Mas o conjunto dos autos do crime também permanecia inédito e desconhecido do público, sem nunca ter sido trabalhado e detalhado antes por fonte isenta", complementa o escritor.

Trabalho

Polêmicas a parte, a trilogia de Lira Neto sobre Getúlio Vargas promete fincar lugar em meio à coleção de obras já existentes sobre o ex-presidente. Não por acaso, o escritor vem se dedicando ao trabalho desde 2009. "O primeiro ano consistiu em fazer uma exaustiva revisão bibliográfica de tudo o que de mais relevante existe na caudalosa bibliografia em torno de Getúlio", recorda.
"Outro ano foi consumido na tarefa de organizar o roteiro geral da trilogia e na busca de fontes primárias que ajudassem a reconstruir a trajetória do biografado desde o nascimento até sua chegada ao poder, em 1930. Das 632 páginas do livro, pelo menos 100 são de notas e referências às fontes de pesquisa", contabiliza o autor.
A ideia de biografar Getúlio já era antiga. "É o principal personagem - e o mais controvertido - de toda a história brasileira. Desde meu livro sobre o marechal Castello Branco, até o mais recente, sobre Padre Cícero, ele vinha sendo personagem presente nas tramas. Decidi trazê-lo para o centro da cena após receber carta branca de meu editor, Luiz Schwarcz, para me entregar ao projeto da trilogia em regime de dedicação exclusiva", conta.

LIVRO

Getúlio (1882-1930) - Dos anos de formação à conquista do poder
Lira Neto
Companhia das Letras
2012, 656 páginas
R$ R$ 52,50
Mais informações

Lançamento do livro "Getúlio", de Lira Neto. Dia 14 (quinta), às 19 horas, na Livraria Cultura (Shopping Varanda Mall - Av. Dom Luís, 1010, Meireles). Contato: (85) 4008.0800

Adriana Martins para o Diário do Nordeste