segunda-feira, 28 de março de 2011

"Pensamentos Coletivos", artigo de João Soares Neto para O Estado


Depois do que aconteceu no Japão neste março de 2011, país bem preparado, por sua posição geográfica, para se defender de abalos sísmicos, mas não tão aparelhado para o consequente “Tsunami”, ocorreu uma inquietação verdadeira na maioria dos habitantes lúcidos do planeta Terra. É preciso que todos saibam do tamanho ínfimo da Terra em meio ao universo. Quem tiver tempo, procure ver a dimensão da Terra comparada a grandes planetas. Nada mais que um mero ponto azul. E é nesse pequeno ponto azul que vivem os sonhos, as esperanças, as ambições, as desditas e mazelas de quase sete bilhões de pessoas.


O nosso Brasil, “bonito por natureza”, no verso de Jorge Bem Jor, citado por Barack Obama, vive o sonho da emergente grandeza. Demonstrando atitude mandou 500 milhões de dólares para o Japão. O prejuízo japonês, ainda não calculado, é de muitos bilhões de dólares, isto sem falar no mais importante, as milhares de vidas perdidas que ainda estão sendo contadas e retiradas dos escombros.


Voltando às nossas inquietações pessoais ou pensamentos coletivos, é lúcido fazermos algumas perguntas: por quais razões lutamos como desesperados por toda uma vida e, quase sempre, não usufruímos o que, quase no final, conseguimos? Que mistérios são esses que nos impelem à vaidade sem limites em todos os campos do conhecimento? Por qual razão é tão forte o “lobby” internacional para a construção de usinas nucleares como fonte da energia elétrica que desperdiçamos por descaso ou por entender que isso não nos diz respeito? Será que os ambientalistas ao impedir a construção de barragens para a construção de hidrelétricas, produtoras de energia limpa e barata sabem o que estão fazendo? Sabem vocês qual a potencial intensidade da radioatividade de um reator da usina sinistrada de Fukushima? Cem vezes a bomba atômica que os Estados Unidos lançaram do avião “Enola Gay”, em 06 de agosto de 1945, sobre Hiroshima, quando morreram 140.000 japoneses. A radiação matou gente até cinco anos depois. Vamos orar para o pior não ocorrer agora.


O tal progresso que nos permite saber quase tudo a todo instante não descobriu, com todo o aparato científico disponível, solução para prevenir as destruições dos furacões, terremotos e “tsunamis”que, mesmo antecipados, não podem ser debelados. O que ainda se consegue fazer é evacuar populações para abrigos ou para muito longe do perigo. Agora mesmo, abri um sítio eletrônico, www.painelglobal.com.br que nos permite ver, em tempo real, o que está acontecendo na Terra em termos de terremotos, furacões e inundações. Nesse mesmo sítio, pateticamente, você é obrigado a ver anúncios de todos os tipos de quinquilharias para venda. A utilidade faz parceria com a vaidade. É assim, infelizmente, que a Terra gira. Por sinal, o acontecido no Japão mudou o eixo do nosso planeta azul.

domingo, 27 de março de 2011

"Réquiem para um Bosque", crônica de Ana Miranda para O POVO (26.3)

Foto: O POVO


Meu Deus, quanta tristeza, quanta perplexidade diante do desaparecimento desse nosso bosque, em pleno coração da Cidade. Quantas lágrimas e revolta pela derrubada das árvores, mangueiras frondosas, cajueiros... oitis? cumarus? aroeiras? paus-d’arco? onde está a lista? tantos desses seres mansos, que viviam ali enclausurados e sem reclamar, a só nos fazer o bem. As árvores parecem indefesas, mas a sua ausência é o nosso castigo, o seu desaparecimento é o pior dos venenos. Somos nós que penamos essas mortes, em cada gota de suor que poreja nossa fronte, em cada carbono que respiramos, em cada tumor de pele ou pulmão, em cada muralha árida que resta e com que nos obrigamos a conviver, como prisioneiros do cimento, em cada praga, erosão, alagamento, e somos nós que não descansamos em paz.


Já não há mais o frescor do bosque, a sombra, a brisa, nem mais a beleza de seu porte, a candura de seu dossel onde habitavam tantos soins, passarinhos, gaviões, cassacos, borboletas, besouros, formigas, não há mais troncos nem galhos nem folhas nem flores nem frutos nem ninhos, tudo está morto, transformado numa terra desolada, onde pretendem erguer edifícios. O local comporta três torres com todos os seus desdobramentos? Quem terá coragem de morar naquele cemitério, naquele ermo devastado radicalmente e com crueldade enquanto a cidade estava em festa, na calada do domingo de Carnaval? Não podiam deixar ao menos as árvores que ficavam nas bordas do terreno, e na suposta área de lazer? Não deviam ter levado os animais para outra mata? Ninguém soube evitar ou antecipar uma perda que se anunciava? Não há uma cota de percentual de devastação? Não há órgão responsável? Não há punição? Não há pulso?


Não sejamos ingênuos, todos aqueles edifícios que cercam o antigo bosque, todos os edifícios da Cidade extinguiram bosques ou mangueiras centenárias ou acácias imperiais ou umbuzeiros ou coqueirais ou casas graciosas ou históricas, ou praias ou praças ou mangues ou dunas, todo crescimento urbano significa destruição. Mas há quem se preocupe em amenizar esse aniquilamento, há quem, apesar da incúria dos poderes, tenha um cintilar de agudeza e gaste um pouquinho do deus-dinheiro a fim de manter vivas algumas árvores de que dependemos para viver melhor, ou melhor, para continuarmos vivos. E valorizar suas obras dentro de conceitos inteligentes. Benditos sejam. Um dos lugares mais valorizados da Cidade fica em torno de uma pracinha no Papicu, cheia de árvores e cuidada pelos moradores.


Todos nós cometemos erros, mas sempre há como repará-los, que façam um mea-culpa, tendo em vista também a própria biografia, todos temos a obrigação de respeitar a dignidade de nossos antepassados, nossas árvores genealógicas, e preservar o mundo para nossos descendentes. Que os nossos netos não tenham vergonha de nós. Não é reparação do erro a reforma de praças que logo depois serão abandonadas, nem replantar árvores onde há árvores, ou a adoção de praças. Isso deve ser feito como prática do comportamento cotidiano dos poderosos, dos empresários, dos governantes, e da população. O justo seria que esse precioso bosque que a Cidade acaba de perder fosse replantado e o lugar transformado em praça pública, pois esse caso, pela crueldade com que foi perpetrado, tornou-se um símbolo e precisa ser tratado como símbolo. Todos os dias o nosso Estado assiste a esta devastação: a obra de abertura de estrada para a praia de Porto das Dunas vem derrubando inúmeras árvores frondosas; prefeituras cortam árvores e calçam de pedras o local, “para não ajuntar povo na sombra”; uma senhora quer cortar duas árvores em frente a sua casa porque “os carros estacionam”; uma família mandou cortar um jambeiro, pois estava “desequilibrando o muro e juntando menino”; uma casa com seu quintal arborizado deu lugar a um estacionamento sob o sol. Caminhões com despojos são vistos pelas ruas e estradas a despejar os restos de bosques e árvores e jardins sabe-se lá onde. Árvores e árvores e árvores são mutiladas, sob o nome de “poda”.


Passei por ali, e senti as emanações ruins do local. Imaginei as famílias de soins que a moça viu, sobre o muro, aterrorizadas, a fugir e morrer entre os carros. Os pássaros debandando sem seus filhotes. As joaninhas e crisálidas esmagadas. Não é crime ambiental matar animais silvestres? Dona Teresa quase foi presa porque tinha em casa um papagaio de estimação.


Vi que ao lado há outro bosque, esperando também o seu destino. Que não seja mais um réquiem.

Lançamento: "Palavras Aladas e outras crônicas", de Max Franco (29.3)


Palavras Aladas e outras crônicas

(decifra editora)

de Max Franco


Ganhador do Prêmio Literário para Autor (a) Cearense

Prêmio Milton Dias, de CRÔNICA, da SECULT/CE


Data: 29 de março de 2011 (terça-feira)

Horário: a partir das 19h

Local: Ideal Clube

Para aquisição de livros e contato com o Autor: samael_lua@hotmail.com

Promoção de lançamento: R$ 25,00


Sobre a Obra: Depois do sucesso da coleção Cantos sob o Sol, das obras de ficção, Na corda bamba, No fio da navalha e O Confessor, o autor cearense Max Franco, mergulha no fascinante mundo das crônicas e nos mostra outra vertente do seu talento. Seu novo livro, Palavras Aladas e outras crônicas, mexe com a emoção do leitor com histórias baseadas em experiências do próprio autor. O leitor se identifica da primeira à última história. Da receita para não pensar, ao ladrão de livros, dono de um bom coração, o conjunto de textos faz rir e até gargalhar, ao imaginar o protagonista puxar um livro para impressionar a linda mulher ao seu lado e acabar se frustrando ao percebê-la lendo em alemão, mas também emociona com a descoberta da poesia, narrada como quem conquista o amor. Uma prova de que a vida se transforma em palavras, crônicas.


Apoio Cultural

Secretaria da Cultura do Estado do Ceará

Segunda chamada: "I Encontro de Dramaturgia, Teatro e Cinema"


Clique na imagem para ampliar!

O I Encontro de Dramaturgia, Teatro e Cinema é uma parceria do "projeto cadaFalso" com a Universidade Estadual do Ceará/UECE e será realizado na Livraria Cultura Varanda Mall (Av. Dom Luís c/ Av. Virgílio Távora), no período de 27 a 31 de março.


O objetivo do evento é divulgar para o público em geral as pesquisas acadêmicas em torno do teatro, da literatura dramática e da intersemiose teatro-cinema.


Para isso, foram convidados professores, pesquisadores e estudantes de artes de várias instituições de Ensino Superior de Fortaleza, como a própria UECE, e também a UFC, UNIFOR e IFCE.


A PROGRAMAÇÃO COMPLETA pode ser conferidas no blogue do CADAFALSO (http://projetocadafalso.blogspot.com), assim como site da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br/scripts/eventos)


Quem desejar receber certificado de participação terá de comparecer a, no mínimo, três datas da programação e pode efetivar a sua inscrição pelo emeio:projeto.cadafalso@gmail.com

Outras informações: (85) 8717-2610


Dia 27 de março: Dia Mundial Do Teatro e do Circo!

quarta-feira, 23 de março de 2011

"Mulher, Poesia Pura", homenagem de João Soares Neto à mulher e à poesia


Segunda, 14, data consagrada a Castro Alves e à Poesia, tive a ventura de juntar poetas. Alguns, em carne viva. Outros, em versos eternizados. De todos, recolhi poemas. Os daqui, eles mesmos os indicaram. Os do além, eu os escolhi. Poemas são mergulhos dos quais emergem respingos de sombras, amores, sonhos e dores. O tema: mulher. Vocês verão aqui, em rigorosa ordem alfabética, pequenos trechos de poema de cada poeta. Recorte e guarde, se desejar. Vou numerá-los, para que você, leitor, possa saber, com clareza, de quem são os poemas, sem aspas:

1.Antonio Girão Barroso: Maria, na doce paz deste poema sem lágrimas/minha mão quer te ofertar rosas e não versos;

2. Artur Eduardo Benevides: Porque ao fim da tarde já cheguei,/sentindo que meus dias vão findar,/jovem- só por te amar – ainda serei;

3.Carlyle Martins: E vendo-nos, ao luar de estranhos brilhos,/de mãos dadas, aos beijos, nossos filhos/dirão que enlouquecemos de paixão;

4. Carlos Augusto Viana: O teu corpo é um barro alucinado,/fruto de finas águas;e os tecidos/que o cobrem têm o âmbar cultivado/por dedos de farândolas tingidos;

5. Carlos Drummond de Andrade: Para amar uma mulher, mais que/tentar conquistá-la/ há de ser conquistado...todo tomado e, um pouco de sorte, também ser/amado;

6. Castro Alves: Eu fui a brisa, tu me foste a rosa,/fui mariposa,/-tu me foste a luz;

7.Cecília Meireles: Está vendo os salões que se acabaram/embala-te em valsas que não dançou/ levemente sorri para um homem/O homem que não existiu;

8. Cid Carvalho: Pois sigo na lágrima tua e quando encostas /o ouvido no meu peito, ouves o tropel nervoso/do meu cavalo louco nos caminhos do fim;

9.Dimas Macedo: quero-te o ventre/partilhado de lírios./E os círios acesos/de teus lábios;

10.Florbela Espanca: Amo-te tanto! E nunca de beijei.../E neste beijo, Amor, que eu te não dei/guardo os versos mais lindos que te fiz;

11.Francisco Carvalho: Assim nasceu o pecado,segundo/a escritura bíblica. Alguns sábios/acreditam/nessa ingênua metafísica;

12.Gerardo Melo Mourão:... eterna solidão da eterna noite/ e teu último poeta fere na pedra a boca//súbito lembrada do teu nome;

13. Giselda Medeiros: E sei mais:que por amor/tornas gostoso o amargo do jiló/e que fazes nascer um sol indefinido/na escuridão dos eclipses da vida

14. Horácio Dídimo: O pão nosso de cada dia nos dai hoje/pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta?Não há ternura/pelo fruto de suas entranhas;

15.João Dummar Filho: És a virgem exigente/e eu o pecador/és a verdade esplendorosa e eu, da existência a dor;

16.Batista de Lima:E Deus/ criou a mulher/para dar luz/ao homem;

17.Barros Pinho: Nos olhos da amada/o verbo edifica/os acentos da solidão;

18. José Telles: Não preciso, sequer,/ tocar tuas entranhas,/dá-me apenas a paisagem do teu corpo para ser aplaudida;

19.Juarez Leitão: Os pés de Donamaria contam histórias/de muitas lutas e poucas maravilhas!/Os calos são medalhas de suas glórias /conseguidas nos lombos dessas trilhas;

20.Leda Maria: Vez ou outra, acordamos mas/ lentamente, repetindo textos santos,/canções de marinheiros/e versos de partida;

21.Linhares Filho: Meu destino é a quietude que se esconde sobre tuas/algas e sob a tua salsugem;

22.Luciano Maia: Ó musa ignota, ser misterioso/caprichosa, lindíssima mulher/ e me fazer ousar: e ainda ouso/ o poema encontrar, onde ela quer;

23.Millôr Fernandes: Deus, a graça é imerecida,/mas dai ainda/ uns aninhos de vida;

24.Octavio Paz: Teu corpo se constela de signos verdes/renovos num corpo de árvore/ não te imposta tanta miúda e cicatriz luminosa:/olha o céu e a sua verde tatuagem de estrelas;

25.Olavo Bilac: Amo-te! Sou feliz! Porque, do Éden perdido,/ levo tudo, levando o teu corpo querido/pode em redor de ti, tudo se aniquilar/tudo renascerá cantando ao teu olhar;

26.Paul Verlaine: E os cuidados que vós podeis ter são apenas/andorinhas voando à tarde pelo céu/-Querida- num belo dia de setembro;

27.Pedro H.S. Leão: eterno é o que um só segundo/ é o que passou tão de repente/ sem dar tempo amanhecer;

28.Regine Limaverde: Sofro pelas mulheres que não tiveram/ os seios tocados/ os lábios procurados;/que se cansaram, em vão, ou jamais dormiram/ no leito de um Deus;

29.Roberto Pontes: Felizes são aqueles que amantes/dão-se de todo aos ritos do seu jogo/ e amparam suas mágoas e desejos/ na reciprocidade sacra dos seus ventres;

30.Soares Feitosa: Mantive a prisioneira sob algemas/que ninguém é louco de manter/tesoiro tão rico ao léu;

31.Vinícius de Moraes: E de te amar assim, muito a miúde/é que um dia em teu corpo de repente/ hei de morrer de amar mais que pude;

32. Virgílio Maia: Trago-te a mim, te entrego os corações/que flechados e azuis tragos nos braços. /Quero agora guiar-me por teus passos/ E no teu corpo haurir loucas lições;

33.Walt Whitman: Não se envergonhem, mulheres/é de vocês o privilégio de conterem/os outros e darem saída aos outros;

34. William Shakespeare: Assim é o meu amor e a ti o reporto/ por todas as culpas eu suporto.

"Coisas Engraçadas de Não se Rir IV: Coletividades", crônica de Raymundo Netto para O POVO (23.3)


É palavrão, cotovelada, empurra-empurra, um calor desgraçado, forró ruim no pé de ouvido, solavancos em buracos que procriam e a turma inda se preocupa se vai chegar atrasado ao trabalho. É mole? Isso, se no percurso não for lesada de seu celular, único bem “não-genérico” implantado em meio ao seu indumento, lembrando que a finada linha “Paranjana” era estágio obrigatório da escola profissionalizante de trombadinhas.


Como é que ainda se diz, por aí, ser possível andar de ônibus nessa cidade?


Pois conheçam a história de uma passageira, a jovem que sai de casa com um cheiro e chega ao ofício com outros, levando, enrolado à bolsa (uma Luís Vuitão made in Caucaia), aquele paletozinho quente às pampas, mas escolhido pela modista trés chic da mulher do patrão.


Dia desses, habituée o seu contato veicular com os mais diversos passantes e devido às variações de temperatura e de clima sentidos apenas por quem não se locomove em ares devidamente refrigerados, gripou — uma “virose”, expediente médico que traduz “uma qualquer coisa mas que não mata”—, e daí teve até medo de recolher-se ao lar de paredes frias mesmo enviando à firma o atestado médico, pois sabia, ah que ela sabia, que o patrão entendia tal documento como a “certidão do preguiçoso”...


Noutro dia, a coitada estava lá, congestionada até a tampa, assuando em papel higiênico, nasalando a voz e até roncando, e o patrão lhe chega depois das dez, horário que o permite caminhar no Cocó, ir ao “Marreco” jogar seu tênis e desjejuar — sob orientação da nutricionista —, esquecendo-lhe, entretanto, de desejar um bom-dia, pois há pressa em trabalhar, não se pode perder tempo, “tempo é dinheiro, minha filha”... Claro que a esposa do patrão já havia ligado, começo do batente, para saber se todos haviam chegado ou se alguém de novo atrasara e, para variar, reclamar um pouco de sua vida difícil, ao mesmo tempo em que falava da indulgência incorrigível do marido com seus empregados, mas que em casa...


Oras se a moça não via as horas de cruzar o cabo do final de semana... Não confessava a ninguém, à vista que seu posto, ainda ruim, era o “top” da casa, desejado veladamente pelas suas colegas a cogitar as possibilidades de consumo de mais uns cem reaizinhos... Hora extra? Vá desculpando, mas se quiser trabalhar com ele “tem que vestir a camisa”... E ela vestiu, mas no toró que caiu na cidade, empapou-se toda e, sem substituta, cobriu-lhe o corpo pelo dia, a revelar o sutiãzinho com carinhas sem boca, como ela, da Hello Kitty. Na hora do almoço, desabafou o “tupperware”, a marmita plástica, com o resto dontem e lamentou, solidária, como aguentava a sua irmã trabalhar numa loja de shopping — ô novidade — onde o gerente em ordens expressas e vigília constante não permitia que vendedor se sentasse, podendo fazê-lo apenas em revezamento espaçoso com a colega, por poucos minutos e às escondidas, em abrigos escuros e apertados onde, inclusive, faziam as refeições e guardavam seus pertences. Pobre é assim, não entende a sua desgraça nos outros.


À noite, após outra romaria de “amassos” por estranhos em proveito da lotação da hora de pico de todas as horas, de um engarrafamento que não se acaba, de um povo que compra carro todos os dias e de um metrô que não sai, a mocinha chega a casa em festa: a mamãe guardou-lhe no forno um bocado de Miojo ao molho Arisco, afinal era início de mês, dava para luxar.


Manhã cedinho, surpresa, encontra o filhinho do patrão, em bermudas, todo em sorriso — iria passar a Semana Santa em Orlando —, a perguntar-lhe se conhecia alguém que ganhava Bolsa-Família. Revela daí, certo do charme, que estava pensando em como cadastrar a gatinha de sua casa, a Britney, para que, em posse de tal bolsa, pudesse gastar tudo em “mel”. Coube à protagonista desta crônica sem graça, cruzar os braços ao peito e retribuir-lhe, num sorriso lindo e torto, a simpatia natural dos sem-oportunidades, em passivo e quase mudo “legaaal...”


Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br


terça-feira, 22 de março de 2011

Lançamento "Criaturas" de Rochett Tavares (24.3)


Criaturas

de Rochett Tavares

(La Barca Editora)


— ganhador do Prêmio Literário para Autor (a) Cearense

Prêmio Otacílio de Azevedo (Reedição)


Data: 24 de março de 2011 (sábado)

Horário: a partir das 19h30min

Local: Saraiva Megastore (Shopping Iguatemi Fortaleza)

Investimento (livro): R$ 29,00


Para aquisição de livros ou contato com o autor e/ou editora:

Alvaro Beleza (La Barca Editora): alvaro@labarcaedtora.com.br - (85) 8768.3964 e 3264.8028

Rochett Tavares (autor) rochettsilva@hotmail.com - (85) 9987.9985


Sobre a obra: Na capa, o grito de pavor assinado pelo artista plástico Val França antecipa o que está por vir. O clima é soturno nos oito contos de Criaturas, com seus soldados, policiais, ordens iniciáticas e seres impossíveis. O horror e a fantasia se unem nas linhas de Rochett como no seu pior pesadelo, em um estilo que é exceção na literatura cearense.


"Criaturas é um conjunto de narrativas que exploram aquilo oculto pelo animal humano em sua pseudocivilidade. Minhas personagens não são arquétipos de heróis. Elas não fazem sacrifícios altruístas. São tão humanas quanto você e eu. Têm medo, sentem alívio quando são poupados, ainda que alguém próximo seja escolhido, seja vítima do mal a cercá-los. São histórias cujo objetivo é expor o homem a seu íntimo e forçá-lo a ver que não somos tão nobres quanto pensamos", define o autor.


Influenciado pela literatura estrangeira, principalmente pelo horror fantástico de Howard Philips Lovecraft, é lá fora que Rochett busca inspiração. A tomada da Normandia, uma deserta e antiga Champs Élyséss, a atmosfera inebriante do Cairo são alguns dos cenários de Criaturas. Outros são criações de Rochett. "O horror pode ocorrer em qualquer tempo e/ou lugar, com qualquer um a qualquer instante", diz.


Escrita no Ceará, a obra tem como característica a capacidade de levar o leitor a outros lugares. "Seja em reinos fantásticos onde deuses e deusas vivem em eterno combate contra as forças da escuridão, heróis desafiam a morte realizando tarefas impossíveis ou falando do desconhecido. Tudo isso para aliviar suas mentes de algo muito mais terrível que qualquer história ou monstro: o quotidiano". Pronto para fazer as malas?


Apoio Cultural

Secretaria da Cultura do Estado do Ceará

sexta-feira, 18 de março de 2011

Poema Exagerado", Regina Ribeiro para Opinião de O POVO


A notícia de que o Ministério da Cultura (Minc) havia aprovado a captação R$ 1,3 milhão para a cantora Maria Bethânia fazer um blog de poesia, em minutos, virou piada na rede.


Um blog falso (http://blogdabethania.blogspot.com/) foi construído em frações de hora com uma crítica debochada e uma galhofa explícita envolvendo a cantora e a ministra Ana de Hollanda.


O Minc soltou nota afirmando que está tudo legal e que a captação não garante que o valor inteiro do projeto seja disponibilizado por meio de isenção fiscal. O que não deixa de ser outra coisa engraçada. Quem é que não vai querer patrocinar um blog que tem a Maria Bethânia lendo poesia, se ainda poderá abater o valor investido no projeto no imposto de renda?


A ideia da Bethânia de ler poesia na internet é maravilhosa. O que nós, seres humanos normais, podemos achar surreal é o valor destinado para um negócio que qualquer criança faz: um blog, mesmo quando se trata de uma cantora como ela e considerando todo o aparato de produção etc e tal.


Eu ainda pergunto: precisa mesmo de tudo isso para ler poesia na internet? Não. Betânia perdeu a oportunidade de ser simples como só a boa e bela poesia consegue ser e ainda expôs os níveis gritantes de desigualdade cultural que existem neste País que, aos poucos, formou uma verdadeira indústria de editais.


E por falar em editais, dois pequenos parágrafos para os editais de livros. Que são ótimos, porque tiram da gaveta trabalhos literários e acadêmicos. A questão é que depois de cumpridas todas as etapas da edição, o autor entrega uma parte da tiragem para distribuição nas bibliotecas públicas e leva pra casa o restante. Pela frente, terá a roda viva da distribuição da obra e apenas os mais articulados conseguem se mover nesse mercado de areia movediça.


Com metade do valor que a Bethânia está captando para ler poesia com certeza daria para desenvolver um sistema de divulgação dos livros incentivados pela internet e assim se criaria uma rede de informação sobre essas publicações.


Comentário sobre texto de Regina Ribeiro:


O Edital do Prêmio Literário do Autor(a) Cearense contemplou 110 projetos distribuídos entre 14 categorias, acolhendo, inclusive, álbuns em quadrinhos (ação inédita), revistas e livros de artes, em investimento no valor de 2 milhões de reais.


O autor recebeu, além da soma necessária para a publicação à sua escolha e definição (processo editorial completo e a impressão), o valor de R$ 3.000,00 (valor líquido) para usar como bem entendesse (inclusive para investir em seu livro se assim o quisesse) e outro valor (também definido junto à editora) para a realização da distribuição da obra publicada. A ideia foi ótima, porém não se contava no Governo, que nosso mercado editorial, ainda florente e desorganizado, não desenvolvesse ou elaborasse uma estratégia de distribuição eficaz já que estaria recebendo por isso. Como o autor é quem “controlou” o recurso, também ele não atuou junto à editora para planejar tal distribuição.


De qualquer forma, ficamos felizes ao saber que a maior parte do produto literário que vemos hoje surgindo na mídia e em lançamentos foram frutos dessa grande iniciativa do Governo do Estado do Ceará, por meio de sua Secretaria da Cultura.

"O Não-Poeta", crônica de Airton Monte para O POVO


Como há coisas que ingenuamente penso que só acontecem comigo, espantar-me eu nem sequer me espanto mais quando bato de frente com o inesperado. De tanto ocorrerem, quase já se tornaram rotina em meu atribulado cotidiano. Ontem, por exemplo, num dia absolutamente comum, desses que vive qualquer cidadão, conheci, na padaria a poucos quarteirões de casa, o primeiro “Não - Poeta” de minha existência. E olhem que já faço parte do alencarino cenário literário faz muito, muito tempo. Aliás, há mais tempo do que gostaria, porque haja paciência para aguentar e tratar civilizadamente o batalhão de chatos profissionais que proliferam nesse ramo da atividade humana. São os chamados ossos do ofício, percalços inevitáveis de quem escolhe percorrer esse mais que concorrido caminho das letras. E não foi por falta de aviso.


Pois muito bem. Onde estávamos mesmo? Ah, sim. Numa padaria bem sortida, na qual este suburbano escriba tentava calmamente comprar um saco de pão de forma e algumas rodelas de salame. Mal cheguei a escorar-me no balcão, o tal de “Não – Poeta” não perdeu tempo assim que me reconheceu. Prontamente, foi logo se apresentando com a maior desenvoltura. Estendeu-me a mão num gesto largo, cheio de sorriso e de uma discreta empáfia, assim falou: - Prazer, você é Fulano de Tal, cronista de jornal. – Respondi que sim e ele retrucou: - Meu nome é Sicrano da Silva e sou um Não – Poeta! – Que sorte a minha, pensei cá com meus inexistentes botões, já que estava envergando uma gloriosa camiseta do meu amado Botafogo. Eu, que entrei aqui para levar salame e pão de forma, tenho agora, de lambugem, o supremo privilégio de conhecer o único “Não – Poeta” de todo o universo.


A esta altura do campeonato, eu talvez carecesse de indagar o que diabo seria um “Não – Poeta”. O próprio me poupou o trabalho de cansar o bestunto com tal perquirição, definindo, de modo preciso, sem que eu precisasse dizer mais nada, a sua literária condição. Ora, nada mais fácil de saber, pois “ Não – Poeta” trata-se de todo aquele que cultiva a suma pretensão de fazer a “Não - Poesia”. Mas, afinal de contas, que seria essa tal de “Não – Poesia” no jogo do bicho? Que apito ela tocaria na charanga dos poemas? Em primeiro lugar, explicou-me ele, é importantíssimo jamais confundir a “Não – Poesia” com a “Anti – Poesia”, que é a negação da poesia e, portanto, tão poética quanto aquela que almeja negar. Em verdade, a “Não – Poesia” define-se como o nada multiplicado por coisíssima nenhuma elevado à concretina potência. Entendido? Ficou claro? Limpo de dúvidas? Querem um exemplo?


Se assim o querem, lá vai um: “o pássaro e outra encruzilhada e torre de radar e ninho, o voar que as asas têm dentro do quarto”. Alguém capaz de compreender? Nem eu. Entanto, que ninguém se sinta vexado por causa disso, pois propositalmente a “Não – Poesia” há de ser feita para não ser compreendida. Sabem como é essa questão ambígua de princípios, vamos dizer assim, supostamente estéticos. Como é do conhecer de todos, desde tempos imemoriais, o poeta é poeta pelo simples fato de que não pode deixar de sê-lo. Agora, “Não – Poeta” qualquer um o pode ser. Basta dizer que é, nem precisa escrever. O “Não – Poeta” comete o seguinte modus operandis: cerca-se de vários dicionários e sai catando palavras ao léu. Mistura tudo, depois despeja no primeiro papel à vista. O “Não- Poeta”, quando em fase radical, prefere papel de embrulho de açougue ou peixaria. A única desvantagem de ser “Não – Poeta” são as não – musas, a não – paixão, o não – aplauso, o não – leitor.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"Eram Três (ou Tema para um Conto Triste), de Pedro Salgueiro para O POVO


Para o amigo Lourival Mourão

Eram três amigos.

Eram três amigos inseparáveis.

Ficaram unidos desde a primeira vez que se viram (gostavam de se pabular disso).

Eram carne e unha desde as primeiras brincadeiras de bila, bola e arraia. Moravam em ruas separadas, mas não distantes. Nunca houve briga, mancha alguma que os separasse.

Cresceram juntos, apaixonaram-se pelas quase mesmas meninas. Dois torciam pelo São Vicente e o outro pelo Unidos do Petróleo.

Cresceram, irremediavelmente.

Um ficou pelo ginásio e ajudava o pai na bodega. Outro foi para o seminário em Sobral. E o terceiro perambulou de festa em festa.

Fatalmente um deles seria próspero comerciante. Outro, dedicado padre. E o último, professor e poeta.

Porém um deles suicidou-se por causa de um amor não correspondido. O outro foi assassinado ao separar uma briga de casais. E o derradeiro pulou da ponte da linha férrea e espatifou a coluna.

Eram três amigos.

Eram três.

Eram.


Pedro Salgueiro - pedrosalgueiro64@yahoo.com.br


"Sobre Reinos e Sapatos", crônica de Tércia Montenegro para O POVO


Antigamente, as princesas perdiam o sapatinho de cristal numa apressada fuga à meia-noite – e apressados eram nossos olhos sobre as páginas. A leitura fazia esquecer que, ao contrário da personagem, tínhamos de calçar as famigeradas botas ortopédicas. Quem viveu a infância nos anos 80 sabe do que falo: a obsessão por eliminar joanetes e construir arcos nos pés fazia com que as meninas desde cedo fossem ao balé para fins anatômicos. Andar nas pontas era exercício obrigatório e – como se não bastassem as unhas encravadas que iriam nos perseguir vida afora, junto com palmilhas e demais apetrechos – havia as botas. Numa era que conhecia o “show”da Xuxa, nem mesmo os coloridos coturnos das paquitas disfarçavam o padrão opressor daquela moda.


Muitos anos depois, posso dizer que nunca aderi ao estilo country por motivos traumáticos, mas atravessei a adolescência sonhando com um baile de vestidos esvoaçantes e calçados delicados, da textura de uma nuvem. Bem no princípio da fase em que os hormônios começam a pipocar, soube que minha família executava uma espécie de introdução da mulher na vida adulta. O ritual consistia em ensinar à jovem – às vésperas de seu décimo quarto aniversário – como andar de salto alto. Vi minha irmã equilibrar-se com dois livros em cima da cabeça, usando o modelo-agulha de minha mãe. Depois, acompanhei duas primas cumprirem o mesmo ritual. Havia tropeços, pés virados, mas com algumas tentativas a garota conseguia andar de um jeito espontâneo, sem deixar os livros caírem.


Para a minha data, foram convidados vários familiares. Depois do trajeto no corredor de casa, haveria um bolo e a entrega do presente – os sapatos brancos e delicados com os quais eu tanto sonhara. Mas as fatalidades sempre ameaçam ocasiões desse tipo, e poucas semanas antes do dia eu levei uma de minhas incontáveis quedas, rompendo um ligamento no tornozelo. O desfile foi cancelado, e quando a fisioterapia me deu alta havia passado tanto tempo que todo mundo perdeu o gosto.


Nunca consegui me equilibrar direito com salto alto. Quando me queixo, invejando amigas que atravessam calçadas de pedras pontudas, recebo um displicente: “Ah, mas você é alta!” O conto não diz se Cinderela usava saltos, nem se precisava disso pela pouca estatura. De qualquer modo, os príncipes encantados já não perseguem a princesa que calça um número mínimo, em modelo de cristal. Aliás, príncipes hoje são os homens que nos descalçam e sabem que o amor começa pelos pés, com uma relaxante massagem...


Tércia Montenegro - Escritora, fotógrafa e professora da Univ. Federal do Ceará

contato: literatercia3@gmail.com