sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"E o Palhaço o que é?... É Deputado Federal!", crônica de Raymundo Netto (29.10)



Charge de Kayser


Crônica


E o Palhaço o que é?... É Deputado Federal!


Caberia como piada, se fosse, tratando-se de quem vem, todavia é a mais aperta e embaraçosa verdade: o candidato a deputado federal mais votado no Brasil, mas muito, muuuito mais votado, é um palhaço, o cearense que assina (ou não) como “Tiririca”. Fosse ele um benemérito, um artista militante da cultura ou atuante em questões sociais, vá lá... Mas não, não o é. Cumpre apenas a moda de ser mais um famoso em busca do reconhecimento fácil das urnas, pois que no “picadeiro”, às vezes, dilui-se na rivalidade agressiva de estrelas (de)cadentes. O Francisco Everardo Oliveira, noutro caso, certamente não teria tantos votos assim.


Julieta ‘tava lhe chamando, mas quem o elegeu foi o colégio (se diz “colégio” por que ainda estão aprendendo?) eleitoral de São Paulo, que se mostrou mais “moleque” que o Ceará. O que esperar de um estado que elege um Maluf, cuja tal ficha há muito atolou-se em lama, mas que talvez pense (?) como o “lindo”: “pior que tá não fica!” Enganam-se, pois sabemos que há sim espaço para o pior num país que sempre açoitou no lombo desprivilegiado a concentração de renda imoral e a etiqueta da discriminação social.


Acredito que a eleição do abestado Tiririca, deve-se a vários fatores, dentre eles, a ditadura do voto. Como se pode afirmar que votar é um ato de cidadania, quando se é obrigado a fazer isso? Sem liberdade, não há cidadania! Já pensou se votassem apenas os eleitores conscientes e comprometidos?


Por ora, sem preciso indulto, arrastam-se milhões de “votadores”, arremedos de “eleitores”, pelos corredores das zonas eleitorais, PERIGOSOS e resmungosos analfabetos políticos (que nem precisam provar se sabem ou não ler ou escrever para estarem ali), para cumprir com ódio sabe-se-lá-de-quem (mas que é do governo, certamente) a auto-sabotagem corrosiva de seu voto que, não sabe ele, aliás, ele não sabe de nada, pode cair como um tsunami na sua-cabeça-de-todos, mas, por certo, olvidado, o inocente deverá um dia culpar a Deus, ou ao Demônio, pois quem sabe onde começa um ou o outro?... “O que é que faz um deputado federal? Na realidade eu não sei, mas depois eu te conto...”


E justamente por não sabermos sobre um monte de coisas, entendemos que as pessoas podem — e a boa democracia deve isso garantir — discordar, ter opiniões diferentes, ter crenças que a levem a tecer as mais diversas considerações sobre o mundo e todas as coisas, e nisso reside a beleza da humanidade e a riqueza de nossa cultura. Mas o voto de “protesto”, quando irresponsável, é incompreensível. Quando por “protesto” se votavam em jumentos, elefantes e bodes (como o nosso Yoyô), soava mais civilizado, pois as animálias não eram obrigadas a representar a tão débeis eleitores que, de certa forma, acabavam por se identificar com o eleito, como no caso, o Tiririca.


Ademais, a coisa toda é tão maluca que o próprio Tribunal Eleitoral incentiva: “não esqueçam a cola!”, “levem a cola!”, jogando pela latrina o trabalho de anos de conscientização de nossas “tias” do colégio que nos orientavam a nunca colar...


Claro que nesse momento alguns leitores — apenas uns poucos futuros ex-leitores, espero —, estejam com suas compridas orelhas em pé, escandalizados com meu palavreado tão pouco literário a me apontar, com o indicador sujo, o autoritarismo, a palhaçofobia, o fascismo, o preconceito e outras coisinhas mais que os caluniadores de plantão se não o encontram, criam. Quando os tais caluniadores são escritores, às vezes o fazem com certa graça, pelo menos.


E é com calúnias, meus amigos, que hoje se tempera as mais desesperadas e pobres — ao mesmo tempo milionárias — campanhas eleitorais de todos os tempos. Como seria maravilhoso crer que tanto dinheiro, energia e empenho são empregados pela legítima gana de servir ao povo brasileiro. Ah, se nos fosse permitido crer em contos de fadas...


E por falar em histórias infantis, esta semana, por exemplo, assisti à do candidato tucano (ave que tem, por hábito, pilhar o ninho de outras aves) ao representar, à Gianecchini, uma tragédia deflagrada por suposta agressão de uma “bolinha de papel”. O homem, só passado muito tempo da “colisão”, despertou, colocou as mãos na careca de vidro e, não fosse ele tão arrogante e do BEM (bem cuidado, diga-se de passagem), tomou um helicóptero, dirigiu-se ao hospital, fez uma tomografia (dizem que fez, mas...) e teve até direito a uma confusa explicação de um médico que com as mãos na cabeça dizia como examinara a cabeçorra do paciente, alvo fácil para agressões aéreas. Fico a pensar que tal “estratégia” mirabolante tenha sido urdida — e comemorada a risos — na mente febril de um de seus assessores, pois não creio que um José tão esperto consiga ser tão inábil ator. Para falar a verdade, há tempos, os tais profissionais “assessores”, bacharéis do puxa-saquismo sacramentado, conseguiram acabar com a honestidade, que já não era tão esbanjada, na política.


Não bastasse a “limpeza” exagerada das fotos dos candidatos, por modernos programas de computador, a fim de enfeitar os outdoors com ridículas caras de “Barbie”, os assessores, esses desconhecidos que enricam em eleições, oferecem ao cliente, em troca de vultosas quantias a pagar sabe-se lá com que moeda, fórmulas e estratagemas de garantida vitória e de aceitação de um povo massacrado educacional, econômico e culturalmente. E vendem de tudo: o discurso, o segredo do sorriso (notem que os candidatos falam mal um do outro sem tirar o sorriso e os olhos duros da cara — “olhem no olho do eleitor, não desviem o olhar, não expressem raiva” —, além de insistir sempre: “estamos fazendo uma campanha de nível”, “estamos aqui para falar de projetos”, “vou registrar meu Programa em cartório”), as roupas (para a escolha de suas cores têm estudos fantasiosos que assustariam criancinhas), jingles em ritmos bem populares (leia-se “música chula”) e até os gestos dos candidatos são analisados, reprogramados e transformados em repetidas idiossincrasias eleitorais (trejeitos ao encontrar com os mais simples populares, a leitura da bíblia e a oração com a família sempre linda e feliz, o beijo amoroso na cabeça daquela criancinha que o fotógrafo arrancou da mãezinha...), tudo isso vem em pacote elaborado por qualificados parasitas — têm “expertise” (espertice?), dizem —, um trabalho como qualquer outro é verdade, digno de um pouco de ética e consciência, se sobrar tempo, é claro.


Da mesma forma, a imprensa deu asas a um pseudo-fenômeno de “marinização”, que nada mais foi que o resultado da insatisfação de eleitores com as candidaturas que a antecediam em votos. Ou seja, um voto de “protesto”, para quem não o queria anular. O único mérito da Marina era não estar entre os dois primeiros lugares. E, penso, sorte dela, e de todos nós, não ser a eleita. O seu partido estou Pra Ver igual: partiu verdinho em bandas! E o Gabeira, então? O que é isso, companheiro? Endoidou?


Assim, domingo, já sei: veremos novamente as filas de “votadores” doidos para curtir uma praia, a olhar para o pelotão de fuzilamento diante da maldita cabine de votação. Nela, paciente, votarei no projeto socioeconômico que mudou a cara do Brasil e deu a ele solidez. Lembrarei dos tempos “bicudos” (tucanos, podemos dizer) quando não podia passar um cometa no céu que o Brasil quebrava, se vendia, pedia dinheiro emprestado ao gordo FMI. Hoje, não. Mesmo diante de crises mundiais, mantivemo-nos em pé, sem nos vender em nada, sem dever, ao contrário, emprestando ao tal Fundo. Diferente é assistir ao seu país ser recebido internacionalmente como investidor e não mais como devedor como o era, na famigerada era de FHC e Serra.


José S... ERRA, até no nome, se pensa que somos, no mau sentido, palhaços, afinal, o palhaço o que éééé? É ladrão... ops!, é Deputado Federal.


Perdoem-me a franqueza. Espero que não me fiquem de mal por conta dessa bobagem toda, senão, juro, “eu vou morrêêêê...”



Raymundo Netto que vai votar novamente num 13, com menos barba desta vez. Contato: raymundo.netto@uol.com.br Blogue: http://raymundo-netto.blogspot.com



sábado, 23 de outubro de 2010

"Outra Estranha Primavera", de Ana Miranda, para O POVO (22.10)


Painel de Vitché, fotografado por Maína Junqueira, na rua dos Alpes, Cambuci.



Fogem, fogem desatinados e desesperados, fogem por instinto, a suçuarana brava foge medrosa, foge a raposa pelos campos, para onde? para onde? foge a cutia, o cuandu solta espinhos e foge, bandos de quatis em desabalada carreira fogem, fogem pacas e preás, maracajá se esquece da beleza e na pele mosqueada foge, também os travessos soinhos se jogam dos galhos para os rios, mas ali não há água, nem salvação, como não há oração que salve as mixilas, nem pode o mocó sair do lajedo cercado de labaredas, fogem pelos campos os guaxinins e jaratatacas e gambás, arremetem os catingueiros, varrem sufocados, com seus galheiros em brasa, zune feito flecha a suçuapara dos índios, tatus vão pelos desertos, iraras vomitam leite, macambiras procuram inúteis grutas, caititus saem do mato virgem, jacurutus correm para dentro das locas, as queixadas continuam queixosas e não correm, apenas caem e viram carvão, pebas aprofundam suas tocas, mas elas continuam tórridas, de onde vem esta sensação? que é isto? não se lembram de esperar a manhã para deixarem seus esconderijos em busca de insetinhos e saem para as chamas, tamanduás-mirins com suas frocadas caudas de espanador ficam tontos e desarvorados, não conseguem trepar e nem correr, olham para lá, para cá, cercados pelo círculo de fogo, cassacos fogem, rato-rabudo com seus filhotes salta desnorteado, teju não come ovos, foge, jaguaretê devora cinza, pássaros sobrevoam o fogo e se alçam acima da escuridão do fumo, mas seus ninhos torram e torram seus ovos e filhotes, bate forte o coração das avoantes, urubu chora, caracará mareja os olhos, a última ararinha azul deixa a copa da carnaúba, o coração pesado, o gavião não compreende, o que é este predador que não consegue combater? não pode se defender? acauã inimiga das cobras não canta, corujas acordam e não giram suas cabeças, levantam um voo errante, caburé ordinário, bacurau, oitibó, mãe-da-lua, o que é? o que é? acabou-se o mundo! trinam os trinca-ferros, piam papagaios, as últimas juritis suspiram eternamente tristes, japim sofre, sofre batuíra, abandona seus filhos e chora, pipiam os periquitos, tizius, sibites gritam, fogo nos maçaricos, brasa nas corruíras, andiras desprezam, saixê graciosa se desarruma, inhuma não espera a meia-noite, vem-vem não vem, uirapurus-laranja silenciam, fogem pica-paus sem mais paus para picar, suas casas são negros fornos de fumaça, seus filhotes sufocados, jaçanã não pode avoar e corre, esquece de comer sementes e foge, planadeira não plana, joão-de-barro procura igreja, martim-pescador não pesca, guinguira lamenta, araponga martela, asa-branca não ponteia, bem-te-vi não vê, tesourinha não faz acrobacia, sabiá pranteia, coxixo não cochicha, a negra luzidia graúna empalidece, o quiri-quiri não tem mais querer, o rixinó perde a flauta, a rola-azul é rola-cinza, jandaia cospe o caju, triste, muda, desdenhada, bico-virado desvira, o feio urutau somente sabe gemer, tico-tico é sem fubá, trinca-ferro se destranca, crispim logo se encrespa, patativa se recolhe na viola, bicudo não bica, sanhaço deixa o coqueiro e cai no coco, verdelino não volteia, xexéu não respira, bico de veludo engrossa, fogo-pegou fogo-pegou, grita o fogo-apagou, juruviara tem medo, joão-chichi não chia, aracuã recua, mané-besta foge, para onde para onde? uru uru, para onde? ema não come cobra, sapo não come mosquito, fujam fujam, adeus pia-cobra, adeus curicaca, adeus garça real com toda a tua fidalguia, jabuti, jacaretinga, adeus, adeus repugnante anfisbena eu até te amava, adeus jiboia, caninana, cascavel sibila, jararaca não se achata, boicininga verte fogo, surucucu come siriema, cobra verde fica negra, perereca se desespera, jia não dá bom-dia, sapo cururu não entoa, rã-rã, rã-rã, gorgulho da folha não sai, cicindela linda vira cinza, formigas viram grãos, o aveludado cor de bronze vira ouro, pirilampos não cintilam, cri-cri nas labaredas, olho-de-sol fecha os olhos, vira-bosta não estercora, mariposa se joga no fogo encantada, careta perde os élitros, testa-de-lã tricoteia fogo, guarda-de-cinturão não faz café, oncinha-das-folhas se rebela, põe-mesa não põe a mesa, louva-deus não reza, ó Deus onde estás? carrapato não suga, cupim não constrói, borboletas perdem suas asas tão fininhas, jati não faz mais mel, amarga a vida, lacraus se envenenam, estrelas não grudam, tudo está desvairado neste inferno de fogo.

Lançamento-Homenagem "Autobiografia" de Alberto Porfírio (25.10)

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Outras Informações sobre Autobiografia:

Título: Autobiografia

Série: Luz do Ceará

Autor: Alberto Porfírio

Apresentação: Orlando Queiroz

Esboço Biográfico: Arievaldo Viana

Coordenação Editorial: Raymundo Netto

Assessoria Editorial: Klévisson Viana

Imagem de capa: Foto colorizada de Alberto Porfírio

Ilustrações do miolo: Alberto Porfírio

Outros: Capa do primeiro folheto de Alberto Porfírio e fotos

Assunto: Biografia - Literatura de Cordel

Nº de páginas: 350

Dimensões: 14,2 x 20,8 cm

Ano de publicação: 2010

Sinopse: Biografia descrita por Alberto Porfírio de forma original e criativa, contando a sua vida, na maioria das vezes, por meio da poesia. O texto desfila, segundo o Autor, de 1926 a 2006 (o biografado faleceu em 2009).


Biografia breve do Autor: Alberto Porfírio, poeta popular, xilogravurista e escultor, nasceu, numa família de sete filhos, em Quixadá, Ceará, em 23 de dezembro de 1926. Porfírio desenvolveu sua leitura por meio de cordéis de Leandro Gomes de Barros, João Martins de Ataíde, Luís da Costa Pinheiro e outros. Com a seca de 42, em plena II Grande Guerra, partiu, com a viola e cantoria, para ganhar a vida. Porém, alistou-se como “soldado da borracha”, desistindo pouco antes da partida. O navio que levou os demais companheiros foi torpedeado e todos mortos. Retornou aos estudos com mais idade, estudando na sala ginasial ao lado da de seu filho mais velho. Mais tarde, tornaria-se professor pela Universidade Federal do Ceará. Foi autor de centenas de folhetos de cordéis e, dentre as suas obras, Poetas Populares e Cantadores do Ceará (1977), O Livro da Cantoria (1997) e outras, inclusive, inéditas. Viajou pelo Brasil divulgando a arte do repente, da cantoria e a poesia popular; participou de pelejas, congressos e da fundação da Casa do Poeta Brasileiro em Brasília; ministrou cursos de cantoria pelo rádio e criou esculturas em diversas partes do Brasil, dentre as quais a do Cego Aderaldo e de Domingos Fonseca. Depois de sofrer um Acidente Vascular Cerebral que o debilitou, decidiu escrever sua Autobiografia oferecendo-a para publicação desta Secretaria da Cultura, após ser, por ela, homenageado em sua Feira do Sebo. Bastante conhecido e admirado no meio da cantoria e do cordel, estranhamente, nunca obteve o devido reconhecimento pela mídia. Faleceu em Fortaleza, em 23 de setembro de 2009.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

"Arte e Paciência", crônica de Tércia Montenegro

Canção Popular a Russa e o Fígaro
c. 1916, óleo sobre tela 80 x 60 cm
Centro de Arte Moderna / Fund. Gulbenkian
Lisboa, Portugal
by Amadeo de Souza-Cardozo (1887-1918)




Finalmente, hoje tive um pouco de contato com arte! Foi necessária alguma insistência, pois na minha primeira parada, o CCBNB, mal pude me concentrar nas fotografias de António Menéres, sobre paisagens lusas numa varredura histórica dos anos 50 até hoje. Algumas imagens eram muito bonitas, mas eu estava verdadeiramente incomodada por uma pedagoga que distribuía, aos gritos, lápis de cor para crianças sentadas num dos cantos da galeria. A mulher, com um sotaque estranhíssimo, berrava para os meninos (que deviam ter de quatro a seis anos de idade) que na contemporaneidade todo mundo podia ser artista (sic!). Quando ela finalmente se calou, tomada pelo repentino bom senso de observar os futuros gênios do desenho, eu estourava de dor de cabeça. Desci até a exposição do primeiro andar, mas não tive paciência: ali também berravam algumas pessoas, confundindo diversão com ruído (uma coisa tão vulgar, meu Deus!). Qualquer tentativa de decifrar os sons da vídeo-instalação seria inútil, então eu desisti, além do que, geralmente essas propostas me dão um aborrecimento mortal. Aquela, então, pretendia discutir o papel do curador: não era o momento nem o local para eu refletir sobre isso. Provavelmente, pensaria a respeito de bom grado, se o vídeo passasse num canal de cultura. Ali, em meio àquela balbúrdia de um domingo no museu, não dava.


Acabei encontrando o mesmo tema, tratado com muito mais leveza e graça nos trabalhos de Jonathan Harker. Eu já os tinha visto antes, mas agora, com a mostra "Estrangeiros" no MAC do Dragão, pude rever não só a fotonovela, ótima pela ironia e humor, mas também os divinos trabalhos fotográficos da Florencia Rodrigues. Desde a primeira vez em que encontrei a série Adaptación Orilla, fiquei completamente arrebatada. Hoje experimentei tudo de novo e não vi o tempo passar: anotei as sensações, senti os bons arrepios, os estremecimentos que só esse tipo de arte causa... Algum dia vou abrir um tópico específico só para falar sobre Florencia. Por enquanto, volto ao Harker.


A discussão que este artista propõe, sobre arte e curadoria, envolve aspectos bem mais largos. Facilmente saltei deste ponto e me pus a pensar nos elementos de descontração (ou acaso), por um lado e, por outro, uma disciplina rígida no ato de fazer arte. Ambos podem ser os motores do produto artístico, mas parece que cada vez mais é preciso criar justificativas cerebrais e esconder o improviso. Para inscrever trabalhos, vê-los aceitos em museus ou editais, sempre existe a exigência de palavras vazias, que evoquem conceitos ou contrapartidas: é o ranço acadêmico invadindo os ambientes que administram a arte (o que não necessariamente significa que museus e galerias só abriguem "arte acadêmica", claro). Mas para que exigir do artista uma coerência, um projeto, se o seu território é o da liberdade? Claro que há os que, como eu, precisam uma organização, tempo e ilusão de consciência para criar - mas existem, às pencas, artistas que só produzem no caos.


O efeito do processo não interfere na estética final. O espectador nunca saberá do esforço ou da sorte que forjou as circunstâncias para que uma obra nascesse - e não deve, inclusive, saber: essa informação é íntima demais e não se destina ao consumidor do produto. A quem, então, essas instâncias enganam, ao exigir objetivos precisos na apresentação de uma arte? Tudo resulta num pacto burocrático - e os hipócritas gestores continuarão falando em pretensões ecológicas, enquanto as pilhas de papel crescem, documentos ridículos que nunca provam nada!


Falando em papel, outra exposição interessante no Dragão foi a Miguel Guiter, com suas filigranas. Um belo trabalho, feito com destreza e delicada paixão. Entretanto, apesar da advertência do curador (em letras bem visíveis, no texto da parede), encontrei mais de um comentário insensível no livro de assinaturas - coisas do tipo "Parabéns por usar material reciclável". Meu Deus do céu, dá-me paciência!


Fonte: literatercia.blogspot.com

sábado, 9 de outubro de 2010

"Salve, Leão!", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO (8.10)


Nada nem ninguém me deu mais alegrias e tristezas nesta minha vida que o meu querido Leão do Pici, meu glorioso Tricolor de Aço! Meu amado Fortaleza Esporte Clube.

Comecei a me encantar pelas três cores através de um tio: Jurandir. Na época, eram poucos os tricolores no Interior do Estado. Poucos mas vibrantes, apaixonados.

Fieis!

Minhas lembranças mais antigas me entraram pelos ouvidos, nas ondas do rádio vibrei e sofri com Lulinha, Louro, Pedro Basílio, Ozires e Roner; Chinezinho, Lucinho e Amilton Melo; Haroldo, Marciano e Geraldino Sarava. Não alcancei o Quadrado de Ouro completo, não soube de Zé Carlos. Amilton Rocha já se havia ido pro Recife. Moésio Gomes encarnava o sangue vermelho, azul e branco (depois fiquei sabendo da história de Mozart, nosso ídolo eterno, e sua genialidade, que meu amigo Saraiva Jr. está contando em saborosa biografia).

Vindo estudar na capital e sendo aficcionado por futebol, vivia debaixo das velhas mangueiras do Pici, vendo treinos, acompanhando os craques, sonhando em entrar para o juvenil. Até que os estudos me tomaram quase todo o tempo de jovem sonhador, arrimo de família; mas sempre sonhou um tempo pra correr atrás de meu time. Tivesse ele bem ou ruim das pernas.

E meu amor cresceu mais e mais no pior período, aquele em que passamos sete anos sem um título estadual, cinco anos sem um mísero turno. Sete anos de paixão, pois nunca vimos estádios vazios. A esperança fazia parte desse calvário.

Os anos 1990 terminam e veio vindo o prenúncio de muita glória. Títulos atrás de títulos, organização, união e mais títulos: Foram nada mais, nada menos do que nove campeonatos estaduais em onze disputados, dois acessos à Primeira Divisão do Campeonato Nacional.

E eis que agora parece que voltamos novamente ao fundo do poço. Desclassificados na primeira fase da Terceira Divisão Nacional, quase rebaixados na inconstante Copa do Nordeste, o time praticamente desmontado, prenúncio de antecipação das eleições pra diretoria. Enfim, nosso Leão encontra-se demolido, sorumbático.

Mas engana-se quem aposta que estamos mortos.

É nessas horas mais difíceis que nossas garras são afiadas, nossos pelos se eriçam, nossos dentes crescem. Senhores diretores, deixem seus orgulhos e velhas intrigas de lado, se unam (nos unamos, pois!) pra alimentarmos nosso Leão. Fixemos os olhos no próximo ano, este nada mais há a fazer. Nada, dele só nos restam as duras lições. Que não devem ser regadas a ódio nem vaidades.

Essa é hora de saber quem é verdadeiramente tricolor.

Aos torcedores uma missão muito simples: desentoquem suas camisas da gaveta, levantem a cabeça e partamos pra luta.

Ano que vem é ano de tentar o Penta.

Tricolores! Não deixemos que nosso querido Fortaleza Esporte Clube se transforme num Santa Cruz/PE, num Juventude/RS, num Paissandu/PA, gloriosos times que chegaram ao fundo do abismo, talvez sem volta.

Portanto: Salve, LEÃO! Salvemos o Leão.

PEDRO SALGUEIRO é escritor, publicou os livros de contos O Peso do Morto (1995), O Espantalho (1996), Brincar com Armas (2000), Dos Valores do Inimigo (2005) e Inimigos (2007), além de Fortaleza Voadora (2007), de crônicas.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Lançamento "Memória de Peixe", crônicas de Carlos Carvalho (20 de outubro)

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"Banquetes com Proust e outros convivas", de Nilto Maciel

Felipe Barroso, Nilto Maciel e Carlos Nóbrega


Estivemos, Pedro Salgueiro e eu, dia 30 de setembro passado, na Biblioteca Menezes Pimentel, a convite da direção da Secretaria da Cultura do Estado (leia-se Raymundo Netto), para uma conversa com estudantes. “Nunca antes na história deste país” os escritores estiverem tão próximos dos leitores, especialmente dos alunos das escolas públicas.

Airton Monte, o terceiro convidado, amanhecera adoentado das cordas vocais: passara a noite anterior a cantar árias. Convidamos, então, o Poeta de Meia-Tigela a se juntar a nós atrás da mesa, no lugar reservado ao grande contista e cronista. Não fomos atendidos, no entanto, sob a alegação de que não se sentia capaz de substituir o autor de Homem não chora, um dos melhores livros de contos publicados no Brasil no último quartel do século passado.

Falamos de livros, José de Alencar, Rachel de Queiroz, o hábito da leitura, etc. Todos muito atentos às nossas falas. Distribuímos livros (nossos), recebemos afagos, fomos idolatrados pelos jovens cearenses. A seguir, rumamos, em minha carruagem cibernética, para minha mansão, no bairro Monte Castelo. Mais tarde, após trinta latinhas de cerveja, apareceu o escultor Lúcio Cleto.

A noite transcorreu tranquila, quase amena. Ninguém alevantou a voz, ninguém fez queixas, ninguém leu poemas. Pedro falou do próximo encontro dele com Dalton Trevisan, o Poeta prometeu outra sinfonia de versos, Netto contou histórias de muita lubricidade e Cleto se manteve a imaginar nós quatro montados no cavalo do apocalipse: sua próxima escultura.

Ontem foi a vez de visitarem minha casa o contista Felipe Barroso e os poetas Daniel Mazza e Carlos Nóbrega, além de dois jovens estudantes de Direito (Patrick Beserra e João Leite, alunos de Felipe) que também se apaixonaram por literatura. Mais cerveja, mais queijo, mais mortadela. E muito Marcel Proust (Nóbrega leu recentemente À la recherche du temps perdu, enquanto não passei do primeiro volume, Caminho de Swann, em português), muito Immanuel Kant (Daniel anda às voltas com o Das Ende aller Dinge – coitado de mim, que só li as primeiras páginas da tradução brasileira, intitulada O fim de todas as coisas), muito William Shakespeare (Felipe, quando viveu na Inglaterra, leu a obra completa de The Bard, tanto no inglês de hoje como no do tempo do poeta, enquanto eu, pobre leitor de gibis, não fui além de Hamlet e Otelo, em português.

O banquete se alongou pela madrugada. Entretanto, Daniel não esperou pelo ato final. Prefere outros banquetes, como os de Platão. E lembrei-me de um trecho do Banquete, uma fala de Erixímaco: “Pois para mim eis uma evidência que me veio da prática da medicina: é esse um mal terrível para os homens, a embriaguez; e nem eu próprio desejaria beber muito nem a outro eu o aconselharia, sobretudo a quem está com ressaca da véspera”.

Senti-me um verme, um idiota, estulto escrevinhadeiro. Não, não me avacalho tanto (vai este verbo mesmo, mais apropriado para este parágrafo do que o erudito acobardar-se): senti-me tufo de capim, talvez barba-de-bode. Simples erva, planta baixa. A ver aquelas árvores imponentes, aqueles jatobás no meio da caatinga. Senti tanta vergonha de ser reles, que me espalhei no chão, bêbado de tudo. E dizia, para espanto de meus convivas, sem me saber fiapo de relva: "to be, or not to be".


Fonte: Literatura sem Fronteira, blogue de Nilto Maciel: niltomaciel@uol.com.br

"As Normas da Nossa Língua", crônica de Ana Miranda para O POVO (1º de outubro)


Outro dia fui comprar um Aurélio novo, e minha amiga Aparecida se espantou quando eu disse que precisava saber as palavras estrangeiras constantes nessa nova edição. Por exemplo, a palavra country não constava na minha edição antiga, mas já consta na nova edição do dicionário. Portanto, country não é mais palavra estrangeira, pois está dicionarizada, e não leva mais o itálico, sempre usado para palavras estrangeiras (e para dar uma entonação, um realce quando queremos). No entanto, grifei acima a palavra country, e grifo-a agora, porque sempre que a palavra vem precedida de ‘a palavra’, ela é grifada. Sempre é prudente consultar o pai dos burros (e nesse sentido todos somos burros). Flat, flashback, float, floater, fluori, flush, flûte, flutter, flux, flyback, focaccia, fog, só para ficar em algumas páginas, fazem parte da nossa língua. E não são grifadas em itálico. Ficam, como se diz, em redondo.


Quando escrevia meu primeiro romance, e nisso se passaram dez anos, eu trabalhava preparando originais para serem editados em livros. Assim, aprendi algumas normas básicas, e também de ouvido, pelo hábito da leitura. Essas normas existem e devem ser seguidas. O livro mais usado pelos editores de texto é A construção do livro, de Emanuel Araújo. Por falar nisso, temos aqui uma nova questão: o acordo ortográfico de 1943 determinava inicial maiúscula em títulos de livros, com exceção das partículas monossilábicas. Mas, do ponto de vista da editoração, é um contrassenso. Busca-se o efeito de realce. Se o título aparece em grifo, ou seja, grifado em itálico, e também com as iniciais maiúsculas, é preciso escolher apenas um dos realces. Melhor mesmo o itálico, pois as iniciais maiúsculas podem sugerir nome próprio. Portanto, há muito se normatizou o título do livro desta forma: Grande sertão: veredas; História geral do Brasil (geral e regional); As culturas negras do Novo Mundo. Quando o título é em língua estrangeira, a coisa fica mais específica. Quando é nome de jornal ou revista, fica assim: O POVO, ou La Voix de Paris. Vale a consulta ao Emanuel. Acabo, aliás, de perceber que a minha edição é de 1986, e preciso comprar a mais nova, atualizada, para apaziguar meus pesadelos de normalização.


Claro, o autor literário tem liberdade e pode, por exemplo, suprimir todas as maiúsculas. Mas, para não caracterizar um erro, é preciso que seja padrão geral em todo o texto. Pode, como Saramago, quase não usar parágrafos, ou citar os diálogos depois de uma vírgula, ‘À vizinha, Qual vizinha, A do cântaro’, ou exigir que se use ‘de facto’ e não ‘de fato’ (em Portugal, fato é paletó), questão já ultrapassada após o novo acordo. No entanto, Saramago se espantava com o uso brasileiro da mistura de tu e você num mesmo texto, ou mesma frase. Isso não é vernacular, mas foi coloquialmente estabelecido, e expliquei-lhe que é problema de compreensão: ‘vamos a sua’ casa pode significar a casa de dois personagens. Mas ‘vamos a tua casa’ refere-se a apenas um. Ele não se convenceu.


Enfim, para que servem essas normas tão minuciosas e complexas? Servem aos horizontes da eficácia e da beleza. À universalização dos meios e métodos e soluções. Servem para que o livro se apresente como produto de alto rigor. Servem para a excelência do avanço cognitivo e cultural. Conforme palavras de Antonio Houaiss, autor do livro pioneiro no qual Emanuel se baseou para seus estabelecimentos normativos. Ah meu Deus! Normatização ou normalização? Minha prima Adriana, que é biblioteconomista (ou bibliotecária?) disse-me que normatizar é criar as normas; e normalizar é adequar às normas, Vamos ao Aurélio! Minha prima está certíssima!


Essas normas? Ou estas normas? Demonstrativos que localizam. A consulta, agora, é ao Napoleão, o seu Dicionário de questões vernáculas ajuda em alguns casos. Eu vi este homem (aqui perto). Eu vi esse homem (longe de mim, mas perto do interlocutor). Eu vi aquele homem (afastado de ambos). Também: este se refere ao enunciado que vem depois; esse, ao enunciado que já foi apresentado. Quando são dois termos, usamos este (o mais perto) e aquele (o mais distante). Quando há confronto entre duas coisas: Não foi este o livro que mandei comprar! E: este trecho (já exposto, mas colocado em último lugar). E escrevo cercada, também, de dicionários analógicos, dicionários de sinônimos, de regência de verbos, etimológicos, uma enciclopédia... Mas, na hora de escrever... Muitas vezes fico tão em dúvida que só me resta mudar a frase.

domingo, 3 de outubro de 2010

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Quem quiser conhecer a revista eletrônica Corsário, pode acessar: http://www.corsario.art.br

Quem, após a leitura, quiser comprar as edições em papel ou conhecer mais do trabalho editorial, envie e-mail para o editor Mardônio França:

mardfranca@gmail.com ou revistacorsario@gmail.com


(*) Um dos contemplados pelo Edital de VI Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.