quarta-feira, 30 de abril de 2014

"Nilto Maciel: quando se tornou Imortal!", homenagem ao grande escritor (30.04)


"Ora, deixemos esses passados mortos e vivamos o presente. Uliyana chegaria dentro de alguns minutos e eu a pensar em escritores medíocres. Entreguei-me, de olhos fechados, a fantasiar suas feições. Por que teria me procurado? Informou-me, por telefone, ter percorrido quase toda Fortaleza: da estátua de Iracema à feirinha de artesanato da Beira-mar, do centro cultural Dragão do Mar aos caranguejos da praia do Futuro. E por quais vias você me descobriu, ó czarina de meus delírios pós-soviéticos? Ofereceu-se para vir ao Monte Castelo, onde moro. Pode ser agora? Pode ser a qualquer hora. Passadas cinco páginas de Tchekhov, um táxi branco e reluzente deixou diante de minha mansão a mais estonteante das raparigas russas de todas as eras. Joguei o contista sobre o diário e corri a abraçá-la. Trazia livrinho dentro da bolsa vermelha: O senhor pode me dar autógrafo? Percebi logo tratar-se de exemplar da edição russa de Carnavalha."(...)
Era assim a vida animada e fantástica de Nilto Maciel, na sua casa no Monte Castelo, onde residia sozinho, balançando na cadeira em frente à TV, lendo as centenas de livros que lhe chegavam pelo correio, ou debruçado num computador a alimentar famintos blogs e a escrever todotempo o tempotodo.
Por vezes, já pela noitinha, após a sua sopa e remédios éramos vizinhos , ligava apenas para saber se podia desligar seu computador moderno, cheio de mensagens alienígenas, ou se eu achava que daria tempo de retirar dele um valioso pendrive sem o risco de perder a sua irreparável "obra completa".
Deitado num travesseiros de sonhos, ou de ficções, acordava com a cabeça pintada de contos, crônicas, romances, ou mesmo daquelas piadinhas infames ou irônicas que os amigos se acostumaram a ouvir em suas ligações, nas quais com a voz disfarçada, meio gutural, dizia:
Meu amigo... estavam agora mesmo falando mal de você... Sabe quem foi?
Não, Nilto... (Sempre) Não, Nilto... Fala logo... O que foi?
E ele ria uma gargalhada quase que dramática, divertindo-se, e comentava causos que nunca sabíamos se eram verdades ou mentiras. Com ele, sempre era assim, nunca se podia ter a completa certeza. Hoje, durante a triste nova da tarde, tive essa mesma impressão: Será essa apenas mais uma marmota do Nilto Maciel? Verdade ou mentira?
Havia lá suas coisas, seus livros cuidadosamente separados nas prateleiras, sua cadeira de balanço, seus óculos, o fone e os controles da TV ao lado dela. O computador ligado, assim como a luz da sala, provavelmente ele ainda trabalhava, notívago que era. No sofá, a toalha com o brasão do Fortaleza e uma calça, deixada sempre a postos, para o caso de aparecer visita. No quarto, uma coleção de dvds, uma surpresa para as filhas, num deles um adesivo remetia à sua querida "Tusa". Desabei com isso.
Na cozinha, ao trancar a janela, pude ouvir o eco ainda fresco de sua voz: "Netto, quer uma coca-cola, quer? Eu pego a sua coca-cola... Ou quer alguma coisa mais forte?"
Ao lado, na poltrona, a mala feita, separada com antecedência para ir ao Encontro de Literatura Fantástica, em Sobral, onde abriria o evento. No jardim, livros envelopados que ele nunca lerá, de amigos que ele sempre divulgou em seu blog, dentre eles Enéas Athanázio, Geraldo Jesuíno e Francisco Miguel Moura.
Pensei muito num fantasma que me atormenta. Lembrei das vezes que conversamos sobre isso. Como ele nunca reconheceu esse fantasma, nunca me levou a sério. "Era a vida, Nettó."
Hoje, assisti à saída silenciosa de Nilto de sua casa, deixando para sempre os seus livros colecionados durante a vida de literatura e os seus arquivos de uma obra completa que nós também não conheceremos. O vi carregado e imaginei que, ao invés de homens simples do IML, eram aqueles seus admiradores leais, carregando-o nos braços para um pomposo carro à espera da glória da imortalidade (leia-se não esquecimento) almejada por todo persistente escritor. Acenei timidamente, da sala de visitas, entendendo ser aquela a última vez que nos encontraríamos ali. Lamentei, claro, todos os momentos perdidos, mas prefiro agora pensar no que fizemos e rimos juntos.
Vai-se Nilto Maciel, que nos últimos anos de sua vida esforçou-se para não ser esquecido, publicando um livro atrás do outro, inclusive fortuna crítica e memórias. Vai, mas não vai de todo, deixa aqui a sua voz, os seus pensamentos mais ousados, as fantasias, a sua arte, a transgressão e a loucura de viver "sem fronteiras" a sua paixão literária.
Nilto, vai com Deus, irmãozinho. Fica a sua falta, mas a lembrança nos brilha mais.

terça-feira, 29 de abril de 2014

"Os Acangapebas de Raymundo Netto", de Batista de Lima, para o Diário do Nordeste (29.04.14)

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(Fonte: Diário do Nordeste - ilustração de Lincoln Souza)

Raymundo Netto, ao escrever, mergulha na rotina e na depressão, dos outros. Geralmente seus personagens são criaturas maduras que vivem marcando passo numa leseira tão grande que é preciso fustigá-los com o chicote de palavras que se unem, se encompridam para se fortificarem. Por isso que no seu mundo de "águas brumaceiras", "recordações saudadejavam" ao "silhuetarem", "ademanhazinha". Daí que o tempo "jangadeava" lentamente nas "areias madrugueiras" do dia a dia.
Viver é, pois, para ele, sair por aí arrastando feixes de palavras que se amarram, se entrelaçam para não sair do canto em que estão, tipo personagens letárgicas.
Essa letargia é consequência da luta que o autor empreende contra o tempo. Ele se agarra à memória como forma de frear a velocidade de um Kronos desencabrestado. Os acangapebas, esse seu livro de contos, da editora Fundo de Quintal, traz 41 histórias em que uma de suas características é essa luta titânica contra um tempo brabo que não se contenta em ser amarrado por liames de tecidos verbais. Por isso que o conto "O mistério do sótão", logo no começo do livro, se torna um alerta do que vem em seguida em toda a obra. É o tempo destruindo na frente e o escriba calafetando atrás.
A corrosão enfrentada por Raymundo Netto vai recebendo um conserto em que o leitor passa a ser ajudante de obra.
Esse permanente conserto dos estragos causados pelo tempo leva a uma rotina dos personagens que termina por refletir na constituição de seu material linguístico. É necessário fortificar o signo verbal para que a construção seja sólida. É preciso, às vezes, unir palavras em uma só, para que sua força verbal vitamine a argamassa frasal. Daí que aparecem: "porfavores", "dalicenças", "malholhado", "resmoneava", "dançarinava", "tempotodotempo", "calmacalmacalma", "mudice", "pelamordedeus", "malacostado", "vermelhecido", "agonioso", "diluviavam", "bramosas", "brilholhares", "doraguda", "gargalhosas", "modernosidade", "apareciaria", "desjeitosos", "deslembrada", "lembrançoso" e "demorosa". Esses brinquedos verbais, de tanto serem, terminam também por se tornarem rotineiros.
Raymundo Netto se acusa de ter-se graduado em Fisioterapia, tendo abandonado a lida com anatomias humanas para se dedicar às palavras de ossaturas deterioradas e musculaturas viciadas. Hoje é um cuidador de palavras. Sua escritura é uma verdadeira oficina de consertos verbais. Ele conserta tão bem as palavras, que elas passam a concertar nos nossos ouvidos e enfeitiçarem nossos olhos. Esse seu livro, o segundo, veio a lume após ganhar o Prêmio Osmundo Pontes de Literatura no ano de 2011.
Um dos motivos por que arrebatou esse prêmio tão concorrido fica por conta de sua vocação humanizadora na relação com os personagens. A morte não atua na sua obra. E se ocorre, é uma morte antes da morte. É uma rotina que vai envenenando certos personagens de forma tal, que eles não sentem que sucumbem. É o caso daquela dona de casa de "Álbum de fotografias". "Há anos, reclusa à vida doméstica: passava, encerava, cozia, pregava botões e cerzia as meias". Depois disso essa mulher "Revolvia gavetas, revolvia gavetas, procurando nem ela sabia o quê".
A repetição da expressão "revolvia gavetas" é um recurso estilístico para simbolizar a rotina em que está submersa a dona de casa. Por isso que até o gato insinua um movimento calculado. Afinal, no universo da rotina, tudo obedece a uma lógica repetitiva. Cada coisa possui o seu lugar, cada gesto se torna comedido porque é a repetição dos anteriores. Até no domingo, a rotina se faz presente: "Hora do almoço! Todos tomavam seus lugares, os mesmos e respeitados lugares, pequenas hierarquias". Até o estabelecimento de hierarquias termina se tornando um comportamento rotineiro.
Todos esses comportamentos rotineiros são consequência da solidão em que vivem os personagens de Raymundo Netto. Entretanto ele propõe saídas para minorar essa solidão. É a criação de gatos. O gato é o companheiro do solitário, e está muito presente nos seus contos. Em três contos o gato já aparece logo no título. São: "Gato" (página 21), "A mulher dos gatos" (página 31) e "O gato da vovó" (página 54). Isso sem contar os gatos avulsos que aparecem em outras partes de Os acangapebas. Além disso, alguns pássaros marcam presença nas suas histórias. Eles bicam frutos como se bicassem a solidão dos moradores das casas, cultivadores de jardins e pomares.
O bicar dos pássaros é também uma forma de ciscar um passado às vezes bem anterior ao próprio autor. Raymundo Netto não chegou ainda aos 50 anos, mas a leitura dos seus contos dá-nos a impressão de estarmos diante de um narrador com o dobro de sua idade. Há uma correnteza de eras desfilando na sua frase, um mergulho em um passado em busca de uma memória que constatamos não ter sido vivida pelo narrador. Essa impressão provocada ao leitor vem desde o seu primeiro livro, Um conto no passado: cadeiras na calçada, romance de 2005. É tanto que nesse seu Os acangapebas, os contos ainda cheiram a passado, e Raymundo Netto continua com suas cadeiras na calçada, contando-nos suas histórias. Como nos dão conforto essas narrativas!


"A Peleja de Dom Zé Alcides e o Dragão de Sobral", de Raymundo Netto, para os 5 anos de AlmanaCULTURA

Clique na imagem para ampliar (Fonte: O POVO, de Carlus Campos)!

Publicado, originalmente, em O POVO, em 2008.
Dados os últimos acontecimentos fenomenológicos e sísmicos que vêm, literalmente, abalando o Ceará, ouço, todas as manhãs, falas sobre “vórtice ciclônico de ar superior”, “diminuição da temperatura no oceano Pacífico”, “zona de convergência intertropical” entre outros palavrórios pouco convincentes, principalmente após a famigerada noite pirotécnica de relâmpagos que despertou a cidade de Fortaleza. Digo "despertou", para os outros, pois eu mesmo nem dormia, e descobri in loco a razão de tudo isso.
Era tarde. Vinha passando ao lado da catedral que, à solidão da noite, de tão sombria, chegava a dar calafrios. Na barra da saia da Matriz, demônios com unhas maiores que os dedos, entre cusparadas, invadiam as virilhas de meretrizes, sugando a alma das jovens criaturas. À ladeira do Forte, homens e mulheres seminus surgiam embriagados com garrafas na mão e olhos perdidos.
Pressenti ter que sair logo dali. Contudo, rompeu a chuva e me abriguei embaixo de uma lona velha da feira. Sons que mais pareciam os de latas caindo nos telhados, emouqueciam. “Que trovões!”, pensava, relampejava tanto a ponto da noite quase parecer o dia. Nisso, baratas, escorpiões e os pombos do Palácio do Bispo se dirigiam a caminho da praia. Morcegos campeavam a praça dos Leões, enquanto que, na igreja do Rosário dos Pretos, ossadas esquecidas, intuindo a presença do mal, se arrastavam pela escadaria. Gatos de cemitério saltavam de todos os lados, como numa peste. Mesmo diante da chuva, o calor era tão grande que estalavam as paredes e vitrais. No ar, talhos de galhos secos e linhas comidas por cupins dos telhados históricos. Os bêbados, os drogados, as prostitutas, os passantes noturnos do centro da cidade clamavam ao deus do Ceará: “É o fim do mundo, o fim do mundo!”
Sentindo meus pés úmidos, constatei que as águas do Acaraú, diante da epigênese epifânica da vida, subverteram em trombas d’água na Fortaleza impassiva, enquanto que, na colina do Marajaik, os verdes abutres voavam a grasnar ameaçadores.
Do horizonte, uma imensa nuvem de poeira deitou-se sobre a praça da Sé sufocando a todos, inclusive os comerciantes da feirinha despejada.
Logo correu a notícia de que outros homens, a entupir os corredores dos hospitais da aldeia, apareceram com manchas vermelhas, dores no corpo e olhos injetados em sangue, vítimas de um vírus latente trazido na poeira da destruição. Foi então que vi, em meio à negra nuvem, a imagem grotesca de um dragão voador. Lembrei a profecia: “Reza a lenda que o mundo vai se acabar pelo Ceará. Um dragão monstruoso dormiria silencioso em sua morada sob uma cidade que, embora tenha muitas igrejas e santos padres, estaria condenada à destruição. Esta cidade é Sobral!”
Sim, leitor amigo, os tremores de terra em Sobral foram causados pelo monstro desperto, a cumprir a sentença de pavor e morte, mandando às favas as placas tectônicas e os vulcões submarinos. Da mesma forma, aqueles “trovões” eram frutos da inexperiência aeronáutica da criatura que tombava nas torres da catedral e nas casas velhas da Justiniano de Serpa. Aliás, não sei se vocês souberam, mas elas desabaram!
Pasmo, assisti à romaria de sobralenses descambando, e até assumindo cargos públicos, em Fortaleza. Viriam os vivos, viriam todos e tudo, até o eclipse.
Foi quando chegou um homem magro, pele marcada de sinais e nariz quase tombando sobre o bigode alvo. Reconheci: era o poeta José Alcides Pinto.
— Ainda por aqui, Zé? — estranhei.
— Mundico, quem pode afirmar com absoluta certeza se o morto não está vivo, embora morto esteja? — respondeu, arregaçando as mangas e puxando o cinto da calça.
O cego curandeiro, João da Mata e os tremembés de Almofala partiram em luta contra os demônios, e muitos, inclusive os filhos de Janica, foram abatidos.
— Maldição, maldição, maldição! — gritou, aborrecido, Alcides ao dragão que, ao reconhecê-lo, pôs-se a vomitar chicotes de fogo que mais pareciam relâmpagos revelando uma cidade que já não mais dormia.
Zé Alcides corria e saltava, de um lado para outro, fugindo do dragão. Num momento, arrancou um pedaço de raio fincado no asfalto que derretia, ostentando-o como lança diante da fuçalha daquele que o encarava. Eram criador e criatura num embate final. Foi quando ele abriu a braguilha e, para fúria do lagartão, mijou em suas patas. Humilhado, o monstro lançou o poeta contra a parede da catedral, coiçeou, mas ele resistia. Mesmo enfraquecido, Zé Alcides conseguiu lançar, na venta do dragão, uma garrafa com uma mosca presa, fazendo com que ele se dobrasse em dor:
— Ainda vai, filho de uma égua? Lascou-se! — comemorava, alquebrado.
O dragão, como mágica, transformou-se em constelação e seus demônios renderam-se em cinzas; o sol nasceu brilhante e a esperança despontou. Aos pés da calçada, em meio à lama do Acaraú, meninos de rua passaram a catar siris, enquanto as pessoas chegavam desenterrando a cidade. Em pouco, na falta do que dizer de uma vida monótona, só se falava na noite chuvosa, nos trovões incomodantes, nas fagulhas dos céus, nos tremores de terra, na peste da dengue. No centro da praça, entre palhaços, pervertidos e meretrizes, o poeta, prostrado ao colo da jovem Berenice — senão não seria o Zé Alcides —, esgotava:
— Não tenho mais nada a fazer no mundo. Vou conviver com os peixes e as sereias, os corais e as algas, afinal, tudo o que vive se acaba, tudo que foi criado terá fim!
— Morreu o poeta maldito; bendito seja o poeta!  — gritava um louco, enquanto Santana do Acaraú fechava os olhos, deixando os moradores às escuras...

José Alcides Pinto (1923-2008), o poeta maldito, nasceu no povoado de São Francisco do Estreito, Santana do Acaraú, Ceará. Abandonou empregos públicos para se dedicar à literatura. Autor de O Dragão, Os Verdes Abutres da Colina e Diário de Berenice, dentre outros. Alguns dos trechos do texto foram adaptados da obra de Zé Alcides.


Bazar das Letras do SESC, com Henrique Beltrão e Nina Rizzi (29.4)


Bazar das Letras do SESC
Data: 29 de abril de 2014
Horário: 19h
Local: Teatro SESC Emiliano Queiroz.

SOBRE OS AUTORES:
HENRIQUE BELTRÃO é cearense de Fortaleza. Poeta, compositor, radialista, professor da UFC.
Publicou os seguintes livros de poemas e canções: Vermelho (poesia, 2007) e Simples (poesia, 2009).
Produz e apresenta os programas TODOS OS SENTIDOS e SEM FRONTEIRAS: PLURAL PELA PAZ.
NINA RIZZI nasceu em São Paulo. É historiadora, poeta e tradutora. 
Edita a revista Ellenismos – diálogos com a arte. Atualmente traduz as obras completas de Allejandra Pizarnik.
Publicou Tambores pra n’zinga (poesia, 2012).

SOBRE OS LIVROS:
A DURAÇÃO DO DESERTO, de nina Rizzi: “Será preciso sentir a duração do deserto. Tatear os além-baldos, adIvinhar outros vermelhos, escorregar por entre os rasgos, abrigar-se na chuva, no desvão de qualquer esperança. Eu disse a N. que este livro, lateral ao tempo e à História, resultado de sua dissociação radical em relação ao regime de luzes e à trama de invisibilidades que conforma realidade ao mundo, descrevia um esvaziamento – fotografava cidades arruinadas, silêncios holocáusticos, vozes soterradas e lágrimas na chuva...” JOTA MOMBAÇA 
“Os poemas de Nina Rizzi são daqueles que dão na gente vontade de sacudir as pessoas perdidas nas estações infernais da vida não-simbolizada, dizendo-lhes num sussurro ao pé do ouvido ou com um grito nas órbitas oculares, que das grutas de Lascaux até o e-book, passando pelas páginas impressas e pelas telas e pelos vídeos e pelos palcos, existe uma dimensão nova, uma diferença, um maravilhamento...” CARLITO AZEVEDO

“Nina Rizzi tem algo de uma Emily Dickinson...” FERNANDO MONTEIRO
“Eis o deserto, a solidão fascinante da linguagem, a ameaça constante do desastre.” CID OTTONI BYLAARDT
NO AR, UM POETA, de Henrique Beltrão:
“Nada mais poético do que contemplar o que foi e ainda é. Do feito e refeito se fazem a vida e a poesia. Assim, é preciso calar, ouvir o silencioso e perscrutar os sentidos do sentir-se para ser em comunhão com o poeta que das antenas universitárias irradia uma singular e afetiva disposição narrativa na pluralidade que a nós forma e constrói.” ELVIS DE AZEVEDO MATOS
“Este livro é, assim, o reflexo de uma história de vida e formação, que tem como eixo uma relação privilegiada com a palavra poeticamente situada, e é iluminada com uma relação muito especial com o outro, na qual o rádio oferece o suporte que generaliza, abre, amplifica as fronteiras da amorosidade.” LUIZ BOTELHO ALBUQUERQUE
“O poeta, como lhe é peculiar, derrama gestos amorosos em tudo que (o) toca: pessoas, palavras, parceiros.” SARAH DIVA

“Henrique Beltrão solta seu recado no ar amplificando os poderes do cantar. Viajante do infinito pensamento pois ele sabe muito bem morar no silêncio potente da palavra.” FÁTIMA SOUZA

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Show do Banana Scrait revive Alberto Nepomuceno e Juvenal Galeno (4.05)



Yes, we have bananas, ghalehrah!!!

Para assistir ao clipe de "A Jangada", de Juvenal Galeno e Alberto Nepomuceno:
https://www.youtube.com/watch?v=7nA3AgbcqBo

Dia 04 de maio, às 20h30, no anfiteatro do Dragão do Mar, apresentação do Banana Scrait, banda que apresentará releituras de alguns clássicos de Alberto Nepomuceno, inclusive o belíssimo "A Jangada", cuja letra é do poeta Juvenal Galeno (ver clipe anexo, pela Enxerido Produções), além de músicas autorais.
Em 2014, aniversário de 150 anos de Alberto Nepomuceno, o pai do nacionalismo na música erudita brasileira, o Banana Scrait divulga o seu trabalho, levando ao público a sua obra com arranjos modernos.
Assista ao clipe. Vale super ir ao show da turma!

Banda
Vocal [maravilhoso]: Andrea Agda
Guitarra: Daniel Arruda e Felipe Lima
Trombone: Rômulo Santiago:
Baixo: Caio Cartaxo
Bateria: Guilherme Alves

A Jangada (letra original de Juvenal Galeno)
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?
Tu queres vento de terra,
Ou queres vento do mar?
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Aqui no meio das ondas,
Das verdes ondas do mar,
És como que pensativa,
Duvidosa a bordejar!
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Saudades tens lá das praias,
Queres n’areia encalhar?
Ou no meio do oceano
Apraz-te as ondas sulcar?
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Sobre as vagas, como a garça,
Gosto de ver-te adejar,
Ou qual donzela no prado
Resvalando a meditar:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Se a fresca brisa da tarde
A vela vem te oscular,
Estremeces como a noiva
Se vem-lhe o noivo beijar:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Quer sossegada na praia,
Quer nos abismos do mar,
Tu és, ó minha jangada,
A virgem do meu sonhar:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Sé à liberdade suspiro,
Vens liberdade me dar;
Se fome tenho - ligeira
Me trazes para pescar!
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

A tua vela branquinha
Acabo de borrifar;
Já peixe tenho de sobra,
Vamos à terra aproar:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

Ai, vamos, que as verdes ondas,
Fagueiras a te embalar,
São falsas nestas alturas
Quais lá na beira do mar:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?

domingo, 27 de abril de 2014

AlmanaCULTURA NÃO (repito: "Não") INDICA: "Noé", de Darren Aronofsky


Meus amigos, assisti com muita curiosidade ao filme "Noé", de Darren Aronofsky.
Confesso: nunca engoli, mesmo com esse horror de água, a história dessa Arca que deveria ser algo fenomenal para caber tanto bicho, inclusive predadores acirradíssimos, além do próprio dilúvio, do qual até então não foram encontrados vestígios que validem a sua existência perante à comunidade científica. Fosse em Fortaleza, eu até acreditaria...
Por isso, talvez, fiz tanta questão de assistir ao filme. Gosto de épicos. Imaginei uma nova leitura ou qualquer coisa que fizesse emergir, nas profundezas da lama diluviana, reflexões interessantes que fomentassem qualquer discussão, qualquer uma, mesmo a de mesa de bar, bebendo feito um Noé com mais de 600 anos (para quem morreu com cerca de 900, era um menino...) e acordando nu na praia.
Mas só que não. O filme é de uma chatice ímpar. O diretor criou uma saga que conseguiu ser mais monótona do que a história que aprendemos quando criancinhas. Mudou muita coisa, talvez na tentativa de criar emoção, alterando a narrativa bíblica, por incrível que pareça, para pior. Na falta de ideia melhor, ainda gerou uns gigantes a trazer na nossa memória esperançosa a lembrança de um Senhor dos Anéis, com a vantagem de não ter que aguentar o insosso e "precioso" Frodo, economizando a construção da arca em 90 anos, a parte boa do negócio. Ademais, o dilúvio, no filme, não veio com a chuva, mas de uma máquina de lavar subterrânea, com centrifugação e tudo. O Criador (nunca chamado de Deus no filme) não podia esperar acabar com tudo naquele pinga-pinga. E, se a coisa estava aberta a tanta imaginação do diretor, ele poderia ter construído uma arca mais convincente. Acho que o grande milagre divino foi ter conseguido que aquele troço boiasse. A impressão que tínhamos era que ela se apoiava num pega-varetas tamanho família.
A figura do Noé beira a de um fanático religioso, daqueles mais sem futuro, mais odiosos. Deus nos livre! Não tem quem assista ao filme e não sinta o desejo de matá-lo. Nele, a constatação: O Criador, que mais uma vez protagoniza uma saga de silêncio universal, arrepende-se de ter criado o homem e, invocado, decide acabar logo com isso, mas só avisa ao Noé. Entretanto, o Todo-Poderoso (lembrei-me da comédia), como muita gente que conheço, acredita que os animais - melhores do que muita gente - eram inocentes, e mereciam a salvação (Ele, por ser Perfeito, não aceitava o retrabalho, provavelmente). Só por isso alugar a família do Noé, durante anos e anos, com a ajuda dos homens de pedra, na construção da arca, acreditam? Sim, pois na versão do filme, ao contrário do que ouvimos por aí, nem a família de Noé merecia a salvação, e dessa premissa é que o filme origina uma situação que, apesar de ser bem bíblica, põe em xeque o bem e o mal do homem Noé e do Criador (que na Bíblia, em muitas passagens, aparece como um ser confuso, meio bipolar), aliás, uma palavra que aparece muito no filme é "castigo". Daí se tira a "derrota".
Para terminar, a justificativa de tudo vem pela boca da Hermione Potter Watson, que poderia ter ficado calada, enquanto o céu brilhava, piscando como numa noite de Natal, em louvor ao Senhor da Terra e, naturalmente, das águas. É muuuita água...


"O Jaguaribe", crônica de Ana Miranda para O POVO

Demócrito Rocha, autor do poema descrito por Ana Miranda

Uma das maiores poesias escritas no Ceará, para o Ceará, talvez a maior de todas, é  "O Rio Jaguaribe", de Demócrito Rocha. Reproduzo, para quem não a conhece:
“O rio Jaguaribe é uma artéria aberta / por onde escorre / e se perde / o sangue do Ceará. / O mar não se tinge de vermelho / porque o sangue do Ceará / é azul. // Todo plasma / toda essa hemoglobina / na sístole dos invernos / vai perder-se no mar. // Há milênios... desde que se rompeu a túnica / das rochas na explosão dos cataclismos / ou na erosão secular do calcário / do gnaisse do quartzo da sílica natural... / E a ruptura dos aneurismas dos açudes... / Quanto tempo perdido! // E o pobre doente – o Ceará – anemiado, / esquelético, pedinte e desnutrido – / a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira – é o gigante com a artéria aberta / resistindo e morrendo / resistindo e morrendo / resistindo e morrendo / morrendo e resistindo... // (Foi a espada de um Deus que te feriu / a carótida / a ti – Fênix do Brasil.) // E o teu cérebro ainda pensa / e o teu coração ainda pulsa / e o teu pulmão ainda respira / e o teu braço ainda constrói / e o teu pé ainda emigra / e ainda povoa. // As células mirradas do Ceará / quando o céu lhe dá a injeção de soro / dos aguaceiros - / as células mirradas do Ceará / intumescem o protoplasma / (como os seus capulhos de algodão) / e nucleiam-se de verde / – é a cromatina dos roçados no sertão... // (Ah se ele alcançasse um coágulo de rocha!) // E o sangue a correr pela artéria do rio Jaguaribe... / o sangue a correr / mal que é chegado aos ventrículos das nascentes... / o sangue a correr e ninguém o estanca... // Homens da pátria – ouvi: / – Salvai o Ceará! // Quem é o presidente da República? / Depressa / uma pinça hemostática em Orós! // Homens – / o Ceará está morrendo, está / esvaindo-se em sangue... // Ninguém o escuta, ninguém o escuta / e o gigante dobra a cabeça sobre o peito / enorme, / e o gigante curva os joelhos no pó / da terra calcinada, / e / – nos últimos arrancos – vai / morrendo e resistindo / morrendo e resistindo / morrendo e resistindo”.
Há tantas coisas a se pensar, a partir desse poema... primeiro, a bela imagem de nosso estado como uma fênix, que sempre renasce das cinzas, a ave de fogo, com tanta força que é capaz de carregar elefantes; suas lágrimas curam qualquer doença ou ferida, e suas cinzas podem ressuscitar um morto. A fênix também é o sol, que morre todos os dias e renasce no horizonte. Essa ave simboliza os sentimentos de perpetuação, ressurreição, esperanças sem fim. Depois, a imagem da água como o nosso sangue, o que nos dá vida, e tão desperdiçada... Temos adversidades, mas quando chegam os recursos, eles se rompem e a força se vai, o tempo é malogrado. E ficamos frágeis, pedindo, esperando. Morrendo e resistindo. Mesmo assim, ainda conseguimos pensar, respirar, construir, emigrar, povoar terras. É a imagem de uma grande força que se perde, mas por quê? E o poema conclama os Poderes a salvar o Ceará, depois invoca os seres humanos, para não nos valermos apenas do que vem de fora. Como um médico e um paciente, ambos precisam operar a cura. Alguém há de vir nos salvar, mas não vem, e ficamos apenas morrendo e resistindo. Se temos força para resistir à morte, haveremos de ter para muito mais. Mesmo que ninguém nos escute.
O poema deixa perguntas no ar: o que significa nosso sangue ser da mesma cor do mar? O que o gigante com as veias abertas pode simbolizar? Quem está se beneficiando com as nossas riquezas? São mesmo perdidas? São mal divididas? Temos uma imagem esquálida de pedintes? Por quê? Como o sentimento fatalista deve ser encarado? Ele ainda existe em nossa terra? Por que dizemos, Deus quis assim, As coisas são como são... Vivemos sob a lei do menor esforço? O Ceará mudou, desde que foram escritos esses versos? Quem é responsável por nossa terra e destino? O que ocorre há milênios e ainda determina nossa sina? Podemos, nós mesmos, fazê-lo? O que o nosso passado nos diz? Nossa história? Por que os versos usam imagens da ciência? Qual a relação desse poema com a transposição das águas do São Francisco? Que deus é esse que cortou a veia de nosso coração? A veia que dá vida ao nosso rosto e ao nosso crânio? Afinal, quem somos nós, e o que queremos?

Cada um deve ter as suas respostas. Mas ainda há algo a pensar, e coisa das mais importantes: é que o Ceará tem toda uma celebração poética que deve ser exaltada, relembrada. Assim como esse, outros poemas não podem ser uma força desperdiçada.

"Suburbano Coração", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO


Quando cheguei à fria madrasta Fortaleza, encontrei em alguns bairros suburbanos um consolo: quase uma cópia fiel de minha saudosa cidadezinha do interior. E me acostumei naturalmente com o “sul” da capital, talvez por ser mais perto geograficamente de minha “Pasárgada” de infância, uma espécie de “saída de emergência”. Benfica, Jardim América, Montese, Damas, Parangaba etc. Até hoje, passados trinta e tantos anos, a “minha” Fortaleza se localiza praqueles lados; e me sinto quase um estranho quando ando em outras direções.
A familiaridade com esse lado “sul” da cidade não se mostra apenas nos simples conhecimento das ruas: nos rastros que se vai fazendo ao andar; mas muito mais se baseia na intuição: caminho por essas bandas de olhos fechados, pois sou capaz de entrar num ônibus, trancar os olhos e mesmo assim reconhecer onde estou — me localizo com facilidade, atravesso ruas sem observar, reconheço locais já bem fixados nesse misterioso “saco sem fundo” que é a memória.
Claro que já tentei morar em outras localidades, seguindo preferencialmente as mudanças da repartição onde trabalho há vinte e quatro anos: Aldeota, até mesmo o esnobe Meireles. Mas juro que nunca me acostumei com esses assépticos bairros de novos ricos: meu coração é mesmo — e irremediavelmente — suburbano.
Dia desses o amigo Gylmar Chaves me convidou para escrever um livrete sobre um recanto de nossa capital, numa coleção que tem tudo para se estender para a totalidade gigantesca dessa estranha metrópole “sem beira nem fim” que se tornou Fortaleza. Pontuei que não era pesquisador nem nada, que pouco sabia especificamente dos bairros, mas apenas generalidades; ao que ele retrucou que queria mesmo era “esse olhar enviesado” de cronistas, poetas, músicos, geógrafos etc., etc. Prometi-lhe que tentaria; e ele imediatamente me pegou pela palavra, mostrando-me logo as poucas opções que restavam, quase não me dando oportunidade de escolha. E dessas raras opções escolhi um bairro que muito me agradava pelos anos 80 do século passado, quando aqui aportei.
As bucólicas mangueiras do Pici, a antiga Faculdade de Agronomia, que frequentei por dois anos e meio, a casa de uma tia na cabeceira da lagoa da Parangaba, e até meu querido “Leão do Pici”, onde tantas vezes fui sonhar de ser jogador na “Escolinha do Moésio” e até mesmo bisbilhotar as piscinas e carnavais na velha “Sede Social” da rua Belo Horizonte.
Quase um ano de leituras variadas, perigosas visitas ao bairro (uma delas acompanhado por diversos amigos), conversas com moradores novos e antigos, consultas aos colegas escritores que guardavam lembranças de lá, várias idas ao importante arquivo do Nirez e leitura dos jornais O POVO e Diário do Nordeste, finalmente o livrinho vem a público numa edição caprichada, patrocinada pela Secretaria da Cultura da Prefeitura de Fortaleza. E que espero tenha uma distribuição razoável, que encontre leitores apaixonados e — principalmente — pesquisadores mais abalizados que descubram neles as falhas e tratem de fazer outros melhores.


sábado, 26 de abril de 2014

"II Concurso Literário: prosa de tema erótico", do coletivo Tomando Ar (25.5)

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O II Concurso Literário: prosa de tema erótico, promovido pelo Coletivo Tomando Ar, recebe, até o dia 25 de maio de 2014, gratuitamente, as inscrições de textos.
Para participar, o candidato deverá estar regularmente matriculado no curso de Letras da UFC ou ser membro do grupo Tomando Ar, no Facebook.
A premiação, 1º e único lugar, será a de um kit de produtos eróticos que poderá melhorar a sua vida completamente. Para alguns, acredito, será o encontro epifânico,  quântico e/ou fálico entre cobertores espinhentos do coração EROído.
Tome ar (ufa!), um copinho de água ajuda, coragem, e medite, escreva e participe, irmãozinh@.
O Regulamento pode ser encontrado na página do Tomando Ar:

Seleção de textos e imagens para a revista "Mangues & Letras", da Universidade Federal do Rio Grande do Norte


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A revista de arte Mangues & Letras seleciona textos e imagens para seu próximo número.
Data máxima de envio: 24 de junho de 2014:
O que pode ser enviado:
poemas curtos
microcontos
haicais
fotografias de arte
fotografias de instalações
desenhos
imagens de zine
pinturas inacabadas

Endereço eletrônico para envio (Tânia Lima, editora):
poemastulipas@yahoo.com.br
Endereço eletrônico de acesso ao último número da revista Mangues & Letras
http://www.cchla.ufrn.br/publicacoes/revistas/mangues_letras/#/0

Dizer Plural e Olhar Singular ou In-Verso
- apresentação da revista Mangues & Letras, por Tânia Lima -

Enquanto ação de palavras, o poema é canto e transformação do pensar humano. “Poesia é um modo de conhecimento”, como observa Ortega y Gasset. A poesia sobrevive, não de informações, mas nasce, talvez, da ação que se manifesta da alma. Poesia é mais antiga que a prosa. Como semelhantemente diz Jorge Luís Borges: “Parece que o homem canta antes de falar”. O poeta quando canta, mesmo sem saber, sugere o social da alma. Sobre as asas da imaginação, há coisas que são intocáveis na ação do dizer, porque, em verdade, poesia é a primeira ação do dizer. Na origem do dizer, a poesia renasce. O poema não tem existência no real. Quando a obra nasce, a maneira de vê do poeta "trans-forma" a norma. A arte do dizer está intencionada com a poesia por ser a arte de nomear as coisas sagradas. O dizer é a raspa do ser; o nomear vocifera cada palavra a ser dita. O dizer pode esperar um pouco, mas o nomear é ação urgente. A filosofia é casa de poesia. Parmênides, a exemplo, foi um dos primeiros pensadores a expor suas ideias filosóficas em versos. Sem filosofia o poema é incompleto; sem poesia o filósofo é inacabado. Poesia e filosofia revelam a incompletude de tudo e o infinito pleno do nada. A filosofia é a teoria da poesia, pensando de acordo com Schlegel. Atrás da ação do poema, mora o poeta amigo da phýsis. “O que o verso é aqui para o poeta é para o filósofo o pensar dialético” [Nietzsche].  É na arte que o artista encontra-se com a dubiedade refletida na existência. A arte é um tipo de citação primordial para o criador de metáforas. Nos poemas, estão os achados verbais de um cotidiano que é espantoso. A fragmentação é uma das mais antigas artes do mundo. O fragmento é semente do literário. Se olharmos bem para poeta, encontraremos a sombra da existência e vice-versa: “A peça de teatro não foi um meio eficaz que Sartre encontrou para explicar pontos teóricos de sua filosofia?”, conforme nos lembra Silviano Santiago. Sem poesia não há teoria. Um poeta não é apenas sensação e raciocínio, mas luz do imaginário.
À luz do tempo, a revista Mangues & Letras nasceu sem data precisa entre as estradas de ferro do Ceará, os mangues de Pernambuco e as dunas verdes do Rio Grande do Norte. De lá pra cá, o sonho-ideia ganhou corpo e outras vozes vieram se juntar a nós. Sendo assim, nos lançamos na intenção, aqui, de semestralmente aglutinar breves olhares, divulgar poemas curtos em diálogo com as vozes experimentais da arte de rua. A fotografia da capa [da edição que se encontra on-line] é de Leda Freitas, que traz aquele sabor das rapaduras de Pindoretama (CE). Neste primeiro número, fizemos uma espécie de pequena homenagem aos poetas da Geração 70. Tendo em mente que o papel desta revista é repertoriar as margens das palavras em seu estado dicionário; é viajar pelas escolas de homens e palavras em um itinerário semiótico que atravessa a todo fazedor de versos. Este é um espaço onde se comunga a arte contemporânea. Artistas e poetas aqui reunidos expõem seu papel no mundo.  Ao leitor virtual, resta estranhar e entranhar os labirintos do universo cibernético em consonância com as imagens de um portal que se "des-dobra" em risos e rizomas.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Rádio AlmanaCULTURA: "Perfeição", do Legião Urbana


Para assistir ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=UueCjRrQLM4


Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas mentiras e sequestro
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão

Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror de tudo isso
Com festa, velório e caixão

Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção

Venha,   meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão

Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição