sábado, 19 de julho de 2014

"Eugênio ou Eurico?", de Raymundo Netto, para O POVO


Quem o visse chegar ali, caminhando a passos frouxos e profundos, teria a segura impressão de que estava a entregar o pescoço à forca. Mas não ele. Não o Eugênio.
Sabia-se lá, mas cruzava o extenso balcão do cartório numa tristura medonha, maior do que a de uma noite sem novela.
"O que o senhor deseja?"
Vinha registrar um filho, mais um último, pois o mais velho dos três também o seria, assim como o segundo ou como este, e, provavelmente, o próximo.
Recebeu parabéns de um ou de outro circundante: "Um filho! Que graça. Um filho!" O mais idoso tapou-lhe nas costas a benção recebida do Grande Pai Celestial. Porém ele nem nem. Tinha pressa. Registrar a criança e se mandar logo dali.
"Qual será o nome da criança, senhor?"
Eurrico!, foi o que respondeu. Assim, na bucha.
"Eurrico? O senhor tem certeza, senhor?"
Absoluta. Ele era Eugênio, não queria isso para a criança, que o bichinho não tinha culpa. Culpa mesmo – enfatizava com o indicador erguido solene no ar – era da mãe. Ali, todos sabiam... era da mãe!
A atendente, sem entender bulhufas daquele discurso, tentou contornar:
"Bem, o senhor não prefere, ao invés de... Eurrico, Eunício?"
Eunício? Deus o livrasse. Que nome terrível! De jeito nenhum.
Eugênio trazia no peito franzino o orgulho de criança. Gostava de ler desde cedo. Inteligente. Um gênio de verdade. Seus pais nunca tiveram problema com ele. Nunca pediu nada demais. Tudo suficiente, até na respiração. Costume que carregou por toda a vida, numa humildade e modéstia de fazer vergonha.
"Quem se abaixa muito, mostra o fundo das calças", dizia a sua avó, impressionada como ele não havia sido engolido pelo mundo, monstro sedento de gente direita para arruinar.
Mas Eugênio, porque ninguém o notara, vingou, cresceu, enamorou-se pela primeira mulher a olhar para sua testa rala e casou-se. Ademais, aquela mulher, provavelmente uma resignada, era bonita. Ninguém, nem a sua própria mãe, entendia como aquela moça jeitosinha dera cabimento ao sem graça do Eugênio que, é claro, na sua inutilidade existencial e contagiosa, acabou por enfear-lhe a vida e a figura.
Restava-lhe um emprego chinfrim, um ganho de nada, trabalho excessivo e o não reconhecimento, o que o deixava deveras arrasado nos poucos momentos de folga que tinha, nos quais passava horas e horas parado, feito estátua de ilustre desconhecido, assistindo à vida que passava em torno de si. Assim, pensava: de que adianta ser gênio? queria mesmo era ser rico. Bom mesmo era ser rico. Encucado com isso, botou pra fora a entranha quando aquela estranha lhe perguntou:
"Qual será o nome da criança, senhor?"
Hã... o nome... deixasse ver... Eurico. Seria esse: Eurico!
"Eurico de quê?"
De merda.


domingo, 13 de julho de 2014

Lançamento "Boto Cinza Cor de Chuva", infantil de Raymundo Netto (19 de julho - sábado)

clique na imagem para ampliar!
Boto cinza cor de chuva
(Edições Demócrito Rocha)
Data: 19 de julho (sábado), às 17h
Local: Espaço O POVO de Cultura & Arte
(av. Aguanambi, 282 - jornal O POVO)*
Participação especial:
A Casa do Conto, de contadores de histórias, fará a leitura
da história para as crianças
Investimento cultural: R$ 26,00
(*) o Estacionamento Central, ao lado do jornal O POVO, terá vagas gratuitas
para o público participante)

Sinopse: Numa enseada, em dia chuvoso, um filhote de boto é preso numa caçoeira. Medo, angústia. Estaria perdido, mas… Em Boto cinza cor de chuva, a história de uma amizade aparentemente impossível: a de Pedro, um menino pescador, e "Chuva", o boto-cinza. Suba na ponte ou no dorso de uma onda verdinha, Tome nas mãos este livro e saiba como tudo aconteceu!

Temática: Boto cinza cor de chuva é uma narrativa poética, que trata, em texto leve e fluente, da amizade, do respeito às diferenças e do meio ambiente, sem esquecer de ser literatura. As riquíssimas ilustrações de Raisa Christina, feitas em lápis de cor, oferecem um atrativo especial ao olhar infantil. É um presente que pode incentivar as suas crianças, sejam elas filhos, sobrinhos, netos, a tomarem aquele gostinho mágico da leitura. Leve-os, num programa de final de tarde de sábado, para ouvir a história contada pela Casa do Conto. Vamos tentar?

Sobre o autor: Raymundo Netto é escritor, designer, quadrinhista e produtor cultural. Estreou na literatura em 2005, com o romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, ganhador do I Edital de Incentivo às Artes da SECULT/CE. Em 2007, seu livro de contos, Os Acangapebas, ganhou o Edital de Literatura da Funcet (SecultFOR), sendo lançado apenas em 2012, após receber o Prêmio Osmundo Pontes da Academia Cearense de Letras.
Em 2005, passou a integrar o conselho editorial do CAOS Portátil: um almanaque de contos e, mais tarde, seria coeditor da revista literária Para Mamíferos. Em 2007, passou a escrever crônicas para o Caderno "Vida & Arte" do jornal O POVO. De 2008 a 2012 integrou a equipe da Coordenadoria de Políticas do Livro e de Acervos da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, na qual, além de publicar, em dois anos, cerca de 80 livros de autores cearenses, dentre eles, obras raras, escreveu, em 2010, a Cronologia Comentada de Juvenal Galeno, na coleção Obra Completa por ele organizada, e, também em 2010, foi membro do Conselho Curador da IX Bienal Internacional do Livro do Ceará, redator e elaborador do "Prêmio Literário para Autor Cearense" e um dos coordenadores da "I Feira do Livro do Ceará em Cabo Verde", em 2011. Em 2013, a convite do departamento de patrimônio da SecultFOR, escreveu Centro: coração malamado, da coleção Pajeú, projeto de Gylmar Chaves. Em 2014, Crônicas Absurdas de Segunda, coletânea de crônicas, foi contemplada com o Edital de Incentivo às Artes da Secult.
Dentre suas obras de literatura infantojuvenil: A Bola da Vez (2008), A Casa de Todos e de Ninguém (2009) e Os Tributos e a Cidade (2011), todos publicados pelas Edições Demócrito Rocha, destinados a projetos.
Em 2012, recebeu a Medalha Boticário Ferreira, da Câmara Municipal de Fortaleza.
Atualmente é editor adjunto das Edições Demócrito Rocha e mantém, desde 2009, o blog AlmanaCULTURA.





sábado, 12 de julho de 2014

"Memórias Sonhadas", de Pedro Salgueiro, para O POVO

Quando li Muzungu Pululu: homem branco transparente, do guineense radicado no Ceará, Manuel Casqueiro, fiquei tão impressionado que saltei imediatamente da última página para a primeira: o livro – misto de memória e ficção (que, a meu ver, andam sempre, ou quase, de mãos dadas) – exigia uma leitura mais apurada, de leitor que não quer saber apenas da história contada, mas dos detalhes escondidos – dos, pedantemente digamos, subterrâneos da escrita. Reli com “olhos frios” e descobri, além do poderoso contador de histórias vividas, um fino estilista, que buscou linha a linha, texto a texto, a forma literária mais propícia para narrá-las.
E essas lembranças transfiguradas pela arte, pela sensibilidade de poeta (a escritora Mariana Marques, na “orelha” de seu primeiro livro, bem afirma que “Manuel é um poeta que narra”) e – principalmente – pela saudade são o que de melhor nos apresenta esse cearense por adoção (o que, devido a essa opção própria, torna mais importante sua cearensidade).
Quem vê esse “gigante gentil” desfilando desengonçadamente por nossas ruas não imagina as tantas aventuras que ele já viveu, desde o bairro natal Chão de Papel, em Bissau (capital da Guiné-Bissau), passando pelas guerrilhas de libertação de Angola (ganhos e perdas de amores e amigos, de vitórias e decepções) até chegar finalmente em terras brasileiras (e precisamente em “terras alencarinas”, quando antes de Fortaleza ele “perambulou” pelo núcleo progressista do saudoso Dom Fragoso: a Crateús das Ligas Camponesas e da Educação Eclesial de Base, durante a famigerada Ditadura Militar implantada no Brasil em 1964).
Neste novo A Lança de Nzambi é como se ele continuasse a nos contar sua vida (e por extensão a de todos os que conviveram com ele), a descrever suas viagens interiores e exteriores; como se apenas perseverasse em seguir as intuitivas sugestões de seu pai, que (parecendo adivinhar que seria ele afinal quem contaria as aventuras da família) lhe deu na infância uma “Caneta Parker 21, preta com tampa dourada, mais 100 folhas de papel almaço pautado”.
Mas se no livro de estreia Casqueiro já alternava suas reminiscências públicas (sobressaindo-se estas, porém) com as privadas, neste novo volume de narrativas, as lembranças de criança e de adulto se condensam, se misturam, assim como o cotidiano atual se entrelaça com o poço fundo de suas tão saudosas recordações. E essas “memórias sonhadas” trazem ainda o tempero – o sabor meio estranho – de certas expressões das ex-colônias portuguesas da África, dessa mistura também tão nossa, que fomos igualmente fruto de diversas combinações genéticas, culturais...

O estilo sóbrio de contos de fadas parece ter sido corretamente escolhido pelo autor, como se ele tivesse buscado certo “tom neutro” que combinasse com seu jeito manso, simpático e discreto de viver sua vida de exilado saudoso – que, através de sua arte do bem contar (como os ancestrais narradores de velhas fábulas ao redor das fogueiras), vai nos encantando a cada página. E o que é mais louvável para um escritor: deixa ao final da leitura uma sensação de insaciedade, um desejo de quero mais.

Para adquirir Muzungu Pululu, de Manuel Casqueiro: 
http://armazemcultura.com.br/produto/muzungu-pululu-homem-branco-transparente/

Assista ao vídeo e conheça um pouco do autor e da obra:
https://www.youtube.com/watch?v=kAYCSYMEAxM

I Seminário Pesquisas em Cultura, dias 15 e 16 de julho, inscrições GRATUITAS abertas

Clique na imagem para ampliar a programação!

O I Seminário Pesquisas em Cultura acontece dias 15 e16 de julho, das 19h às 22h, no auditório do Porto Iracema das Artes e no Centro Dragão do Mar, tendo, na palestra de abertura, a chefe do setor de Estudos de Políticas Públicas de Cultura da Fundação Casa Rui Barbosa, a profa. dra. Lia Calabre.
Evento aberto para agentes, produtores, especialistas e interessados nas áreas de gestão e produção cultural do Ceará, com inscrições GRATUITAS abertas pelo endereço eletrônico: inscricoeseventos.laboratorio@gmail.com
Dentre os palestrantes: Marcelo Ikeda (modelo das leis de incentivo fiscal e políticas públicas cinematográficas), Nayana Lemos (mudanças na Lei Rouanet e a criação do Procultura), Danielle Cruz (políticas de editais destinadas aos blocos e maracatus no carnaval de Fortaleza) e Hayeska Costa (políticas de editais em Fortaleza para manifestações e festejos tradicionais) e mais.
O I Seminário Pesquisas em Cultura marca o início do semestre letivo do Laboratório de Produção – Curso Técnico em produção de Eventos Culturais, que visa formar e qualificar produtores de forma crítica e criativa, para atender a demanda de profissionais na área de desenvolvimento de projetos e programas de cultura, é uma realização da Proarte, com promoção da Secult/CE, em parceria com o Centec, e com apoio da Coelce.

A proposta do I Seminário Pesquisa em Cultura é aproximar academia e campo da produção cultural. Queremos criar um diálogo entre pesquisadores do campo da cultura e das políticas culturais com produtores, gestores, grupos e artistas da cidade como um todo. É a academia encontrando o mercado da produção cultural e vice-versa, como forma de difundir as pesquisas realizadas no Ceará e promover o debate e a reflexão acerca do campo da produção cultural local e no Brasil”, afirma Rachel Gadelha, coordenadora pedagógica do Laboratório de Produção.

domingo, 6 de julho de 2014

"A Pílula Azul", de Raymundo Netto, para O POVO


Estava eu de bobeira, acompanhando um grupo masculino para não falar em "roda" de amigos escritores, quando papo vai e papo vem alguém desfiou no centro da toalha vermelha da mesa o nome "Viagra".
Como toda conversa besta regada à cerva nem tem começo nem fim, e por motivo nenhum precisa ter nenhum motivo, perguntei se algum desses confrades já havia provado da tal lendária e fabulosa pílula azul.
A resposta não surpreendeu. Quase num clamor de hino em dia de decisão de campeonato de futebol, sentenciaram: ninguém nunca havia sequer chegado a ver a cor, aliás, ter ciência da sua diamantina cor azul niágara, disseram-me, já comprometia a reputação do ora escrevinhador dessas perfeitas e digitalmente traçadas linhas.
Entretanto, curiosamente, após disfarçadas risadas, um de cada vez começou a relatar, com certo ar de sobriedade, que, apesar de nunca de jeito nenhum e jamais ter sabido o que diabo era aquilo ou o que fazia, todos, vejam só, todos conheciam alguém que já usara daquele recurso para não ficar literalmente na mão. Um ou outro ainda arriscou a confissão de que pensara um dia em fazer um teste... Só pra ver no que dava, porque precisar, precisar, precisava não... Foi quando um deles levantou-se, de repente, para atender na esquina o telefonema da esposa cobrando a sua hora de chegar em casa.
A vítima de suas histórias passava sempre pelas beiradas. Era um vizinho de endereço do passado, um primo distante, um amigo cujo nome não se lembrava, um cidadão que cruzava a calçada ou dividia um assento no ônibus... Enfim, o que importa era a narrativa sempre introduzida pelo assim dizer: "Eu vi aquele negócio e não sabia o que era. Foi quando ELE me disse que era o diacho do Viagra. Falou que funcionava..." Daí, se soubessem, aproveitavam o silêncio do imaginário libidinoso alheio e largavam outras aventuras que não ouso repetir aqui, apenas porque mentira não se repete, de extraordinárias orgias, bacanais e outros eventos quiméricos de deixar o nosso queixo caído pela cara de pau de tamanha gabolice.
No mais, a maioria da plateia era severa: felizmente, nenhum deles precisava daquilo. Eram resolvidíssimos. Graças a Deus ou ao Diabo, nisso não estavam tão bem resolvidos, "davam no couro". Os mais antigos entre nós na convivência com o planeta, os denominados "conselheiros" ou "primeira divisão", extrapolavam: "podiam vir quente que já estavam fervendo!" Era quando alguém, por maledicência, soltava ao ouvido mais próximo: "Essa fervura não dá caldo, é só banho-maria..."
Entre nós, um mais calado, lembrou-se da história de uma senhora, já idosa, que sentindo a falta do vigor do esposo, hoje um retrato na parede de Itabira, procurou um médico que sugeriu que ela oferecesse a pílula azul ao companheiro. Ela pulou para trás. Ora se ele não tomava remédio nem pra dor de cabeça. Era um orgulhoso, um cabeça-dura!
O médico, astutamente, falou para colocar a pílula dentro do lanche que o velhinho mais gostava. E assim, soube depois, a senhora o fez. Porém, ela confessou: estava super arrependida. "Não funcionou?" Ah, funcionou, sim. E até demais, doutor! Ali mesmo tive a melhor transa de minha vida, mas acho que depois daquilo nunca mais nós poderemos colocar os pés no shopping...


sexta-feira, 4 de julho de 2014

Lançamento "Baladas para violão de cinco cordas", poesia, de Léo Prudêncio, em Sobral (21.07)


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Data: 21 de julho de 2014
Horário: 19h30
Local: Campus da CIDAO - Memorial da Educação Superior de Sobral (Av. Dr. Guarany, 535, Derby/Sobral, Ceará
Apresentação da obra e do autor: José Luís Lira, escritor, presidente da Academia Sobralense de Estudos e Letras. 

O livro poderá ser adquirido no site da Editora Penalux (selo candeeiro):
http://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=187&osCsid=116e35c70641d27671bc3b5acf513f14

Sobre a obra: A vida do poeta é construída através dos poemas, assim como constrói os seus versos, sua balada, seu caminho entre as multidões. Léo Prudêncio não está entre as multidões, pois ele acredita que “o poeta está só” e sempre só, quando a revolver em si os sentimentos e os momentos vividos, para que quem sabe um dia seus poemas possam chegar até o leitor mais arredio “como um navio chegando d’além mar”.
Nathan Matos, mestrando em Literatura Comparada na UFC.

Sobre o autor: Léo Prudêncio nasceu em São Paulo, mas mora em Sobral desde os quatro anos de idade. Devido as origens familiares do poetas serem de Crateús, ele prefere ser descrito como um poeta crateuense. Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).  Conforme o autor, Baladas para violão de cinco cordas se apresenta a partir da ideia clássica da "Balada" na literatura francesa (ballade, que por conseguinte vem do Latim, ballare), que é a construção de versos que, além de serem musicáveis também narram histórias.