terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

"Literatura Bloco de Carnaval", de Raymundo Netto para O POVO



Publicado originalmente em O POVO, em março de 2011

Deu-se o fantástico, o inopinado, o irreal: os escritores, quem o diria, decidiram se unir! É certo que o motivo nem não era tão literário assim. Queriam porque queriam apenas criar um bloco de carnaval, acredita? Pois senta aí, Cláudia. Na busca da visibilidade, da contemporização (égua!) de costumes e da divulgação de uma imagem moderna do escritor perante o seu público (eterno desconhecido), decidiram-no como estratégia de enfrentamento.
Assim, parecia lógico que a sede para um bloco de escritores deveria ser no Benfica. Mas não, não seria. “Como desprezar o salão do Ideal?” “Perasse lá, também se tinha o do Náutico”... “E o Passeio Público, está podre?” “No Raimundo dos Queijos!” “E a cachaça?” “Que cachaça o quê? Uísque, diretamente do Piripiri (latitude 04º16'24")!” “E a gente pode cheirar?” “Só se for o pescoço dos brotinhos.” “Brotinhos? E você quer ser moderno é assim?” Ai, meu são Machado, era a primeira, entre outras, rusga da categoria.
Mas deu-se como se deu: dia marcado, o metro quadrado da pracinha da Gentilândia era tomado por escritores foliões, uns em camisas florais com pescoços rodeados em florezinhas de plástico, outros com máscaras de demônios, ou com as suas bastantes, outros fantasiados de suportes de cerveja e os poetas marginais – e/ou genéricos – em tapas-sexo. Por questão de ordem, a comissão de frente criou os sub-blocos – instaurou-se a custosa desunião oficial –, entre eles: “Os Acadêmicos das Letras” (os poucos a comparecer desfilaram em corsos, com exceção do seu Nunes, cadeira mais cativa do sodalício, que vinha pulando feito um macaco, a xaxadear), “Bloco do AcadeMiado” (composto por para-acadêmicos, ou seja, os agourentos, aqueles que não são acadêmicos, mas anseiam como carniça pela “passagem” de mais um imortal), “Os Parnasianus” (de poetas que vivem no mundo etéreo, embora ocupem muito espaço na Terra), “Um dia eu Publico” (o mais numeroso dos blocos, todos com CDs e pen-drives nas mãos, repletos de obras – nunca com revisão – de qualquer gênero e para qualquer público), “Poetas de Quinta” (turma que se dá melhor em cadeiras do que caminhando, à frente um carnavalesco de meia-tigela), “Não me AFELCE Não...” (das mulheres escritoras, em perucas com “anteninhas” e óculos coloridos), “Anjos do Augusto” (de poetas que não são homens, nem mulheres, muito menos gays... se dizem “indiferentes”), “CordeLisos” (bloco dos cordelistas que, sem dúvida, aproveitaram para vender folhetos), “Hoje eu me LIVRO!” (de gente que se diz escritor, mas não escreve e vive metendo pau em quem o faz), além de outros que, por si só, já vivem em carnaval, como o “Poesia é o Escambau!”, “Bloco dos Pindaíbas” e os “Clubeanos do Bode” (tinha o estandarte mais bonito, criação do Au Rios), enfim, era gente de dar pau em doido, em pleno Sanatório Geral.
Arrumação feita, começou o desfile. Era uma ruma de gente estranha pulando, como se em câmera lenta – os modernos dizem slow motion –, com passinhos curtos e dedinhos apontando ao firmamento, em gangorra, com saquinhos de confetes coloridos, a rebolar serpentinas e sorrisinhos e a se divertir, no dizer do Eça, a valer! Porém, bodega aberta, a turma partia para o reabastecimento – e foi nessa que perdemos de vista o corso dos imortais, cujo paradeiro só se saberá, quiçá, na quarta-feira de Cinzas. Alguns mais animados ensaiavam cantadecos às estudantezinhas, umas gracinhas, a iludi-las de sua posição intelectual. Mas o escritor, coitado, traz de berço a maldição: a mocinha que se dá com desenvoltura e frequência a outrem, com ele, entretanto, só casando, ao que responde: “Eu não, posso não, quero não, minha mulher não deixa, não, quero não, posso não...”
A charanga soprava animadas marchinhas de carnaval tentando salvar o pouco do que restou do esvaziado cordão – em menos de dois quarteirões, parece ficção! –, quando a polícia baixou e recolheu tudo, pois, logo ali, os nossos marginais, agora com carteirinha, urinavam, lombravamente, na estátua do escandalizado dr. Zamenhof1
Kompatinda!

(1) Ludwik Zamenhof (1859-1917), o criador do Esperanto, a dita “língua universal”, cujo busto encontra-se mais perdido do que cego em tiroteio na pracinha enlouquecida  da Gentilândia.


"Liberdade é Não Mentir!", de Raymundo Netto para O POVO



Parece mentira, mas não gosto de mentir.
E o quanto não gosto de mentir, gosto em igual volume de dizer “Eu não minto!”. Isso me irradia uma sensação de liberdade incrível, comparável até ao quinto, não digo o mesmo para o sexto, mas ao exato quinto dia útil do mês.
Minha mãe, que já herdara esse defeito da mãe dela, detestava a mentira. Para ela, a maior traição. “Quem mente engana a si mesmo!”, repetia com bravura adolescente a quem quisesse ouvir, muitos até, de berço, praticantes do exercício fraudulento da palavra, que ficavam boquiabertos – principalmente se fossem pacientes dela, que era dentista – diante daquele monumento humano de honestidade e inocência. No mínimo, pensavam: “Aí mente...” ou, os mais crédulos, “Ah, coitada...”
Decerto que mentir socialmente pode ser considerado um treinamento da criatividade e/ou da diplomacia, muito útil para calar aqueles instantes de incômodo silêncio nos quais não é saudável trocar palpites sobre política, futebol e/ou religião, restando pouco a fazer com a língua. Há quem diga, inclusive, que mentira boa é aquela mais convincente, mais verdadeira do que a duvidosa verdade – muitas vezes, por razões morais, preferem chamá-la de “alegoria” ou “retórica”. 
Ah, e por falar em língua, os bons escritores, verdadeiros canhões da lorota, não pagam por ela, mas por sua pena falaciosa. Isso, quando não transferem o seu talento para a vida prática, mais especificamente para alcova, sede do imaginário ultrarromântico, gastando uma torrente que, melhor aplicada, daria para forjar romances épicos, em vez de crises conjugais ou crimes passionais sob a luz do luar.
Alguém pode confessar, saramagueando o próprio, que seria muito violento viver se não existisse a mentira. Pessoas que, a Milli Vanilli, fingem tão completamente ser o que não são que acabam por perder a identidade e a confiança, tal qual aquele pastel mineiro sem recheio, cujo nome popular é “mentira”. E por falar em Minas Gerais, foi de lá que se iniciou no Brasil o Dia da Mentira, quando em 1º de abril de 1848 publicaram um periódico denominado, acredite: “A Mentira”.
Eu, por aqui, optei por não mentir em troca dessa tal desejada e imensurável liberdade. E quando falo em liberdade, me refiro à tentativa de poder ser nesse mundo, mesmo que apenas no (ray)mundo, o mais verdadeiro possível. Que possa pensar e me expressar como e quando quiser. Quedar-me, ao máximo, ao lado das pessoas das quais mais gosto e/ou amo. Vestir-me, ler, ouvir o que me interessa ou ir apenas a lugares que me fazem sentir bem. Poder viver o luxo de não ter nada e isso ser tudo que eu preciso para me sentir vivo, nem melhor nem pior do que sou. Ter a certeza de que não podem falar de mim, pois ninguém paga as minhas contas. Ora, se às vezes nem eu as pago!
Tudo isso, pois entendo que minha mesmo, apenas a efêmera vida, esta que se abriga nesse corpinho meia boca de cinquentinha, minha única, verdadeira e intransferível morada, quase um trailer riponga, modelo Sgt. Pepper’s.., de pneus recauchutados, mas a quem devo respeito e alguma atenção. 
Sim, poderia até jurar, mas minha mãe também me dizia: “quem jura mente”. Então, fico por aqui, de verdade.


INSCRIÇÕES ABERTAS Concurso Literário Pague Menos (1º de abril)



Estão abertas as inscrições para o 7º Concurso Literário Pague Menos, promovido pela Farmácia Pague Menos.
O edital tem como objetivo selecionar textos literários no formato poesia, para participarem da composição do livro do concurso. Serão selecionados textos que tenham como temática “Amor é o que nos faz gigantes”, uma celebração a esse sentimento que acompanha nossas vidas.
Serão aceitas inscrições de autores brasileiros (maiores de 18 anos), com poesias inéditas ou não, podendo enviar apenas um texto. Esse edital irá selecionar 100 obras, sendo que cada autor receberá 10 exemplares. Os 5 melhores irão receber também:
·         1º lugar: R$ 2.500
·         2º lugar: R$ 1.500
·         3º lugar: R$ 1.000
·         4º lugar: R$ 700
·         5º lugar: R$ 550
Os textos devem ser enviados na seguinte formatação: fonte Arial, tamanho 12, sem espaçamento entre linhas, tamanho máximo de 1 lauda em A4.
As inscrições podem ser realizadas até o dia de abril pelo site oficial (clique em “Acessar” para ser redirecionado).

Saiba mais e inscreva-se: 





segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

"Olhos Azuis", de Raymundo Netto para O POVO



Mas eu a amo até o fim dos tempos... e você não pode fazer nada para mudar isso!”
Aquela severa e quase heroica confissão rasgaria os curiosos ouvidos do condomínio inteiro. Mas quem poderia imaginar que ela partiria da quitinete tão silenciosa, cheirando a urina, e logo daquele inquilino, um homem de mais de 80 anos, baixinho, magro, quebrantado e que parecia mal se sustentar nas próprias pernas, tão raro de sair de casa ou de ser visto pelas áreas comuns do prédio?
Souberam depois que seu filho, contrariado com uma possível aventura de seu velho pai, discutia e ameaçava: se ele não se afastasse daquela “piranha”, o colocaria num asilo e tiraria dele o pouco do dinheiro que ainda lhe restara.
“Tenha modos, Ozires Filho! Você nem a conhece e a julga desse jeito”, desiludia o pai.
O filho, entretanto, não se comovia, mesmo assistindo ao belo par de olhos azuis – “herança do vovô, que era holandês” – a derramar em lágrimas a súplica por piedade. “Tenho certeza que a sua filha pensa da mesma forma, papai. Da próxima vez que eu souber que saiu e que deu dinheiro para aquela, aquela... – moderou –... já sabe: asilo! Temos dinheiro para bancar seus remédios e plano de saúde, não. E muito menos festejo de velho sem-vergonha.”
Resoluto, o filho dirigiu-se ao quarto para deixar as fraldas descartáveis e os medicamentos que havia trazido da farmácia, quando viu a sala vazia e a sua porta aberta. Correu e ainda assistiu ao pai, em desabalada carreira, vestindo a camisa e pegando um táxi que, por ventura, passava à porta. Ele correu atrás, gritou. Os vizinhos saíram à janela e acudiram nos “Pega! Pega ele!”, mas o veículo mouco ao tumulto partiu levando o velho resfolegante.
Ozires era comerciário aposentado e viúvo. A esposa vivera enquanto pudera com ele – um câncer a descansou –, mas o sabia cobiçado pelas mulheres no trabalho e no entorno. Galanteador, abusava de perfume e de palavras adocicadas em mentiras para tê-las próximo de si. Amava à debalde. Nunca alguém mais apaixonado. O casal de filhos, ainda adolescentes, a pedido da mãe, ia resgatá-lo no bar do seu Natanael, completamente bêbado, cantando a dor de cotovelo mais tórrida e incurável, chorando horrores: “Eu quero morrer. Me deixem morrer em paz! Eu mereço morrer...”
De fato, há meses, à surdina noturna de uma casa de shows, deu-se com Setembrina: “Mas me chamam por Seth”. Sentiu seu coração pulsar a paixão dilacerante, uma lambança espiritual. Desde então, com os seus insuficientes recursos, passou a ser seu protetor. Ela ligava todos os dias, por meio do celular novo pago pelo velho, assim como também ele a regalava com perfumes, sapatos, acessórios, roupas e bebida... em troca de uns poucos afagos, de um ouvido mesmo que desatento, daquela sensação gostosa de remoçamento e do fim de uma solidão.
Então, com a fuga do pai, Ozires Filho chamara logo a polícia. Estava furioso com ele, mas só o veria novamente na manhã chuvosa do dia seguinte, apenas em fraldas, no abandono da travessa escura e enlameada de um bairro distante. O corpo inerte, frio, roxo de pancadas e com os olhos cuidadosamente arrancados e desaparecidos.



sábado, 2 de fevereiro de 2019

"Lamparina de Histórias: Festival Internacional de Contos" (14 a 16 de fevereiro)


Lamparina de Histórias: Festival Internacional de Contos, uma realização da Casa da Prosa, tem o apoio da Enel Geração e do Banco do Nordeste, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Esta edição de 2019, com homenagem à tradição oral africana e à cultura afro-brasileira, conta com a parceria da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
Idealizado em 2009, pela narradora e educadora Júlia Barros, o festival completa 11 anos de atuação e ganha sua primeira edição internacional. O objetivo é valorizar o registro e a preservação da memória oral dos contadores de histórias tradicionais espalhados pelo mundo. Nesta edição, traz pela primeira vez a Fortaleza, o escritor e narrador Boniface Ofogo. Toda a programação é gratuita e acontecerá de 14 a 16 de fevereiro, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza, e na Escola Euclides Pereira Gomes, no Pecém.
A ação reúne narração oral, apresentação de teatro de bonecos, mesas redondas, oficinas, apresentações artísticas, shows de Tambor de Crioula, lançamentos literários, feira de livros e artesanato e, ainda, maratona de contos africanos com estudantes da Unilab.

Linete Matias

Entre os destaques da programação, estão os espetáculos com o narrador Boniface Ofogo da República de Camarões (África Central) e com a escritora e arte-educadora Madu Costa (MG) sobre as Histórias de Orixás Femininas. Além da apresentação, “Encantados das Águas” de Linete Matias (AL).
                                                            Madu Costa

Mais do que uma rica programação cultural com atividades para todos os públicos, o Festival também oportuniza a troca de saberes entre a plateia e os convidados que trazem em seus repertórios de apresentações ensinamentos e vivências das várias comunidades em que atuam.

SERVIÇO
Lamparina de Histórias: Festival Internacional de Contos
Local: Centro Cultural Banco do Nordeste Fortaleza e Escola Euclides Ferreira Gomes no Pecém.
Endereço: Rua Conde d’Eu, 560, Centro.
Datas: 14, 15 e 16 de fevereiro de 2019.
Horários: quinta, sexta e sábado, das 10h às 19h.
Classificação: Livre. 
Informações: (85) 98526-1201/ (85) 3252-3343 Casa da Prosa
Acesso para pessoas cadeirantes pela Rua General Bezerril.
Paraciclo disponível no pátio interno.

PROGRAMAÇÃO COMPLETA
14 de fevereiro (quinta-feira), na E.E.F. Euclides Pereira Gomes, no Pecém
Local: Escola Euclides Pereira Gomes (Pecém/São Gonçalo do Amarante)
9h - Contação de histórias Encantados das águas com Linete Matias (AL).
14h - Apresentação de teatro de bonecos Bicho do Rio com Cia. Chacoalho (CE).

15 de fevereiro (sexta-feira),
10h - Maratona de Contos Africanos com os estudantes da Unilab, no palco principal.
12h - Apresentação da Banda Cabaçal Palmares com estudantes da Unilab.
14h - Contação de histórias Encantados das águas com Linete Matias (AL), no palco principal.
15h - Bate-papo: Raízes dos contos africanos no mundo com Hilário Ferreira (CE), Madu Costa (MG) e Boniface Ofogo (Camarões), no palco principal.
16h30min - Apresentação do Maracatu Rei Zumbi.
18h - Contação de histórias Ayabás: Histórias de Orixás Femininas com Madu Costa (MG), no palco principal.

Dia 16 de fevereiro (sábado)
10h - Maratona de Contos Africanos com os estudantes da Unilab, no palco principal.
12h - Grupo de dança Vozes d’África com estudantes da Unilab.
14h - Oficina Como se forma um contador de histórias na África com Boniface Ofogo (Camarões).
15h - Espetáculo teatral Livrolândia: o reino da Leitura, da Cia. Camarim de Teatro, no palco principal  (programação do CCBNB).
16h - Lançamento do livro Outra vez Mariana, de Madu Costa (MG), no palco principal.
17h - Contação de Histórias O elefante que perdeu o seu olho com Boniface Ofogo (Camarões), no palco principal.
18h - Apresentação do Tambor de Crioula Filhos do Sol, no palco principal.