segunda-feira, 28 de março de 2022

"Sonho Azul", o terceiro volume de memórias de Oswald Barroso

 


Quente meu corpo/em fogo, minhas entranhas./

Sou um poeta/desse mundo, um andarilho./

Meu coração/tento manter aquecido/

com essa brasa latina/com esse carvão operário./

 

Sonho Azul é o terceiro volume da pentalógica e multivérsica saga de Raimundo Flor, ou Raimundo do Barro Barroso – ou, melhor, como o conhecemos: Oswald Barroso –, em suas desventuras de um rei desencaminhado. Desta vez, após Menino Amarelo (1947-1963) e Risco Vermelho (1964-1974), o seu Sonho Azul compreende o período que vai de 1975 a 1990, iniciando quando de sua liberdade provisória, após 17 meses de prisão que cumpria em Recife. O mais instigante nessas obras é que, enquanto nosso hipermnésico autor amealha as suas memórias – obsessivo colecionador de cartas, poemas/letras, depoimentos, cordéis, fotos, entrevistas, documentos e fontes de toda natureza –, plural como é e sempre foi, Oswald conta a história de uma geração inteira, lançando luz a amigos, colegas, movimentos culturais, artísticos, folclóricos, jornalísticos, políticos e, ao mesmo tempo, nos convida a subir nesse “Sonho Azul” – denominação de um vagão de trem – que, ao apito resiliente e revolucionário, descortina a fumaça a encobrir diversos personagens e acontecimentos conhecidos ou invisibilizados pelo torpor de um povo colonizado culturalmente, acostumado a trocar riquezas por bijuterias sem valor.

No percurso dessa viagem, o trem, que “saía das estações entre cantos e vivas, foguetes e confetes, e ia espalhando seu chiado sertão adentro”, vai arroupando relatos, legados preciosos e amplamente referenciados, indispensáveis para atuais e futuros escafandristas imersos nas relevantes inutilidades em busca de revelar o nosso passado recente. Assim, atravessa, ao som dos benditos, o caminho das diversas manifestações culturais caririenses e dá de cara – e no caderninho de anotações – com romeiros, artesãos, mestres de boi, bandas cabaçais, brincantes, emboladores, aboiadores, lapinhas, santeiros, beatos, videntes, palhaços, bordadeiras, labirinteiras, xilogravuristas, tipógrafos (folhetos de literatura de cordel), entre outros elementos da arte e cultura popular. Registra, descreve, interage. Também, durante anos seria a voz na imprensa – especialmente em O POVO –  desses agentes da cultura popular, do teatro, da literatura, do cinema, em sua militância artística e social. Detalha também seu ingresso e evolução na poesia, na pintura, na música e no teatro. A publicação do Almanaque Poético de uma Cidade do Interior, que diz ter sido a sua obra de maior repercussão, sua experiência como alfabetizador no Mucuripe, em canoas, os infortúnios com a censura nos tempos da Ditadura (e a prisão no IPPS), a parceria da Livraria do Gabriel, o grupo Siriará, o Grita, o Grapo, o Raça, o Literarte, a Nação Cariri, a Massafeira – a sua “Woodstock cearense” –, a “Chuva de Poesia”, o Centro de Literatura Arte e Ciência (Clac), do qual foi presidente, o Centro de Referências Culturais do Ceará, o Movimento pela Anistia Geral e Irrestrita, sua vivência entre camponeses, suas viagens a outros países, entre outras curiosidades, como a rifa do paletó de José Alcides Pinto, angariando fundos para publicar o Relicário Pornô, e muito, tão muito mais, que mal cabe em um livro, imagine nesse limitado artigo.

Enfim, Sonho Azul é um imenso e valioso relato de talentos e expressões, decerto elucidando lacunas históricas, algo só possível com testemunhos críticos e de olhar profundo, como é o de Oswald. E, decerto, nos faz admirar ainda mais esse personagem real da nossa rotina aparentemente fictícia, fazendo-nos crer que o tempo é vencível e que essa invejável pressa de viver transforma sonhos em possibilidades e que a vida... ah, a vida... pode ser muito mais do que “isso”.


Para solicitar as obras diretamente ao autor, contato:

oswaldbarroso@gmail.com



quinta-feira, 24 de março de 2022

"Salmos para Orquestrar Silêncios", lançamento de Bruno Paulino


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Ora, (Direis) Ouvir Silêncios!

 

Veni Creator Spiritus.

Essa invocação ao Espírito criador, que abre os Salmos para Orquestrar Silêncios de Bruno Paulino, é um hino ainda hoje utilizado em celebrações litúrgicas das mais diversas ocasiões, inclusive na solene coroação de reis. Os salmos bíblicos, cânticos ou poemas de louvor, em sua maioria, são atribuídos ao rei Davi (o “amado”, um dos primeiros voyeurs do Antigo Testamento), e têm diversas finalidades, como afastar as tristezas, ajudar a dormir, melhorar a relação com a pessoa amada, proteger de maus espíritos, curar doenças etc.

Creio que a poética de Paulino, por uma questão essencial indescritível e experiencial do próprio autor, o conduz pelo caminho do sagrado, que, convenhamos, nem sempre é um trilhar seguro: “meu viver é trágico/igual história grega”. Referimo-nos à experiência de um poder, uma força sobrenatural que habita algum ser, seja, no caso, o poeta ou a sua obra. Lembremos Florbela: “Ser poeta é ser mais alto, é ser maior/ Do que os homens! Morder como quem beija!/ É ser mendigo e dar como quem seja/ Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!/ É ter de mil desejos o esplendor/ E não saber sequer que se deseja!/ É ter cá dentro um astro que flameja,/ É ter garras e asas de condor!”

Esse poder de encantar o mundo, característico da experiência do sagrado, é aqui operado pelas águas purificadoras da poesia que “hoje transformam palavras num misto entre o óbvio e o nunca visto”, no dizer de Leminski, convidado pelo autor para estender o seu cajado e abrir as páginas de nossa travessia nessas águas polifônicas – do rio Quixeramobim? – de um mundo apenas à poesia permitido, onde “desanoitece para anoitecer”.

Essa poesia aqui se apresenta concisa, coloquial, telúrica, livre de metrificações, de rimas e/ou de modelos rígidos, a respirar, como encontramos em um salmo que diz não temer “o pavor da noite nem a flecha que voa de dia, nem a peste que se move sorrateira nas trevas, nem a praga que devasta ao meio-dia.”

A poesia, quem lê compreende, tem um poder mágico, intocado e intraduzível, o que nos faz crer na sua origem divinal. Repito: origem! Pois, para mim, uma ovelha perdida, a poesia é divina e por esse motivo não é possível ao ser humano alcançá-la em sua plenitude, muito menos encarcerá-la em papel. Daí nos depararmos com ela nos olhares, nos sorrisos de crianças, no lábio sedento de um beijo, no horizonte encarnado ao final da tarde, no farfalhar das folhas, na areia sertaneja que prateia à noite de luar. Porém, o poema, esse não, é uma espécie de “anjo caído”, desterrado neste mundo, seduzindo homens e/ou mulheres a seu serviço, se reproduzindo e explodindo em prismas líquidos tintos de cores do céu. E é ali, no topo do poema, apenas reflexo poético de Deus, na palavra buscada – e raramente precisa –, o sacrifício do poeta (ou profeta?). Sim, a poesia é divina, mas o poema é profano, mesmo quando caiado “na beleza imorredoura de um sonho”.

Folheando o livro novo, como acarinhando um recém-nascido, percebemos que não apenas explicitamente no título, mas no projeto gráfico e na identidade desses livros de poesia – a autor comete obras em outros gêneros –, tanto no Ofertório dos pássaros (2019), assim como em Breviário (2020) e neste Salmos... (2021), todos pelas Edições Lua Azul, traz em suas páginas uma breve excursão ao mundo cristão, ornado em ilustrações, imagens e tipografias antigas, no seu léxico, entre outras expressões latinas. Não é coincidência, e, sim, um projeto literário. Esses títulos compõem a Trilogia de Celebração do Divino Mistério, conforme ele denomina, o que para ele é a sua “busca pelo absoluto no cotidiano”.

O livro é composto de duas partes: “Epístolas da Solidão” e “Sacrário da Memória”. Nas páginas que anunciam essa partilha, encontramos a imagem de um homem, talvez um velho (um eremita em busca do seu eu interior?), sentado à sombra de uma árvore e diante de um horizonte amplo, “expectando”, ou seja, em permanente, humilde e paciente expectativa e espera. À espera de quê? Do alto, duas aves se aproximam, e nos parecem trazer o esperado alimento. Simbolicamente, alimento para o espírito: “Vinde, Espírito criador,/ visitai as Vossas almas,/ enchei com a graça do alto/ os corações que criastes. [...] Iluminai os sentidos,/ infundi o amor nos corações,/fortalecei os nossos corpos/ fortalecei-os [de virtude] para sempre.”

A revelação se inaugura com “estudo”, no qual afirma ser a solidão “um bicho sem metáforas”, entretanto, concluindo: “da solidão/ não sei dizer/ sem metáforas”.

A solidão, para os iluminados, é uma companheira cobiçada e talvez a mais fiel. É por meio dela a reconciliação com a sua essência, com a sua motivação de existir. É nela, que através dos seus ritos – inclusive os literários e artísticos de forma geral –, se manifesta a sua verdade, um manto de mistério, e se distorce todos os conceitos mundanos, inclusive o da duração das coisas: “faz tempo/ era menino/ e a vida/ sonhava/ sem tempo/ lá no terreiro” ou “pra onde vamos/é sempre ontem”.

Mas se engana quem pensa que o autor escreve com o espírito em cela, numa aura de santidade e transcendência, refreando sua condição de inquilino terrestre. Esse mesmo Paulino, devoto de Nossa Senhora dos Poetas – me perdoe, são Francisco de Assis –, que nunca aprendeu a usar gravata, gosta de cerveja e de ouvir música antiga, que lê Manuel Bandeira, assiste a filmes em preto e branco, não escreve sonetos nem sabe dançar, embebido na condição ambígua do “ajoelhou tem que rezar”, “feito passarim”, dá uma escapadela ao adro e “lá das nuvens/ delira/ e/ desloca/ a gravidade/ da/ terra/ que flutua/ igual teu corpo/ nos meus braços”.

Da mesma forma, em “espiritismo” – que curioso... –, encontramos esse ser em conflito, misturando as dimensões do sagrado e profano, imerso numa estranha geografia que nós só conhecemos – e experenciamos, em um delírio quase epifânico – de muito perto: “tua lembrança é como transe/ pássaro que voa sem sentido/ num céu de estranha geografia// tua lembrança é meu martírio/ uma cruz que sempre carreguei// meu carma/ desde o dia que te vi/ pra nunca mais morrer”.

Cauteloso – e romântico, diga-se –, percorre os bulevares de Quixeramobim, a Andaluzia de seu peito, e assegura: “o amor é medicamento eficaz pra tudo que é dor”. Contudo, numa antítese própria – do bálsamo à punição – de quem ama, desama e é novamente arrebatado de si, e clama: “todo amor é martírio”. E assim, como quem carrega “um punhal sempre à espreita/de um destino obstinado”, afirma, endoidecido de paixão como uma Salomé: “só acredito/ num amor/ que decepa/ coração/ e/ cabeça”.

Não estendendo-me mais, pois a obra, por ser calcada em poesia, só se conhece quando a enxerga pelos olhos da alma – ou se ouve os silêncios por ela orquestrados –, não poderia deixar de falar desse personagem constante em Paulino, a sua Terra Prometida, onde trilha seu ministério literário: Quixeramobim! O autor é profundamente arraigado e encantado pelo seu torrão, a sua aldeia de Tolstói, berço de Antônio Conselheiro, Antônio Bezerra, Ana Montenegro, Ciro Saraiva, Fausto Nilo, entre outros, a quem dedica um laboroso trabalho de promoção e de produção literária, não colocando-a no mapa, como costumam dizer, mas tirando-a apenas do mapa e dedicando-lhe versos, elevando-a à condição não de cidade, mas de “mundo”, o seu mundo:  “quixeramobim é o mundo/ na estrada: paisagem, pedra,/ cemitério, silêncio e soluço// quixeramobim é o mundo/ riachos, meninos descalços/ e o azul faz igreja no quintal// quixeramobim é o mundo/ de místico passado, passeio/ num caminho/ que eu lembro passei”.

Contudo, não se espantem se, de repente, Paulino mandar tudo pelos ares e, numa selvageria de coração maior do que a de Belchior, berrar em tônica brega-canção: “Esta cidade é uma selva sem você!”

“Pax et Bonum!” (“Paz e Bem”) é o que desejo a mais esse, certamente, exitosa obra.

 

Raymundo Netto

Leitor de Bruno Paulino


Para adquirir o livro, o contato do autor: 

bruno_enxadrista@hotmail.com 






 

segunda-feira, 14 de março de 2022

"Mortal Combate", de Raymundo Netto para O POVO


Uma manhã iluminada e brilhante escorria pela varanda fresca do apartamento quando Davina sonoramente deu por certa a condição do marido: “Você é um idiota! I-di-o-ta!” Dito isso, lançou-se porta afora, a bolsa ainda pendente, irritada e atrasada para o trabalho.

Elias, que mal havia acordado, ficaria por muito ainda ali, imóvel como uma estátua de Rodin, digerindo o adjetivo a ele empregado. Pensava, e não sabia por que se dava ao trabalho, sobre a última vez que ouvira dirigido a ele tamanho agravo. Nem lembrava!

Na verdade, Elias era homem público. Sabia-se carismático, cientista reconhecido e premiado pela sua intelectualidade e vasto conhecimento, um líder, um homem da paz. “Tal homem”, ruminava em sua filosofia mais vã, típica dos solitários, “só poderia encontrar um lugar no mundo onde poderia ser menosprezado e humilhado. Esse lugar seria, paradoxalmente, na sua casa, no seio familiar e pela própria mulher.”

A frase, durante os instantes do café também mal digerido, foi construída, descontruída e reformulada num exercício digno de quem faz do pensamento o seu próprio chão. Porém, no entardecer do natural percurso, algumas dúvidas obscurecem e ele saiu de casa se sentindo pequeno, terrivelmente pequeno e nulo, uma pulga, ou o filho de uma, de maneira que teve que pular degrau por degrau da escada e, não conseguindo abrir a porta do carro, determinou-se a ir a pé à Universidade que, embora não fosse distante dali, naquela situação, só chegaria, com muito esforço e risco, quase ao final da manhã.

Chegando, a recepcionista o saudou, estranhando o seu silêncio, enquanto ele passava por baixo da porta. A sua secretária, vendo-o tão diminuto, o pegou, o colocou no colo e, com o indicador, pôs-se a fazer carinho naquilo que parecia ser as suas costas. Meio sem jeito, Elias traçou um longo caminho de conjecturas, quase mitológicas, sobre a existência humana até chegar à injúria disparada contra ele. Ela mostrou-se solidária e até reprovou a insensibilidade da esposa: “Será que ela não vê? O senhor é, é... um gênio!”

Daqui a pouco, algumas outras colegas, curiosas, comoveram-se com a dor daquele serzinho e tomaram coro num sarau elogioso de fazer corar o Barba Azul. Com isso, logo, logo, Elias teve que sair – a contragosto – do colo da colega, pois crescia a olhos vistos a cada depoimento e relatos generosos sobre as suas inúmeras qualidades. Assim, com pouco, teve que trabalhar do lado de fora do prédio, pois, agigantado como estava, não cabia mais nele. Suas aulas, recebidas sempre com admiração e aplausos efusivos, foram ministradas naquela tarde ao ar livre, no anfiteatro da Universidade.

Ao final do expediente, Elias, como remoçado, cheio de ideias e planos para o futuro, despediu-se dos colegas, agradecendo a todos pela empatia e humanidade, e pôs-se para casa, assoviando e medindo os passos para não causar estragos no trânsito da avenida.

Ao chegar à quadra de seu edifício, foi surpreendido com uma pedra lançada em sua testa e desabou no chão. Antes de desmaiar, porém, viu Davina, com uma funda a rodopiar em sua mão, gritando: “Pensa que tenho medo? Tamanho não é documento, não!”

Então, novamente reduzido, desacordado e no estado ideal de inconsciência, Davina o recolheu da calçada, colocando-o na palma de sua mão e, após carinhoso beijo e juras de amor, o deitou na cama do casal, atraiçoado berço da felicidade eterna, enquanto que, para Elias, o que lhe restava era sonhar com o consolo do regaço quente da secretária.




 

terça-feira, 8 de março de 2022

E-Book GRATUITO com Múltiplos Olhares sobre a Obra de José Alcides Pinto


A Literatura Cearense em Diálogo: múltiplos olhares sobre

a obra de

José Alcides Pinto

A obra pode ser baixada gratuitamente no site (link a seguir) da Editora Diálogos.

A Literatura cearense em diálogo: múltiplos olhares sobre a obra de José Alcides Pinto - Editora Diálogos (editoradialogos.com)

Mas não deixe de ler, a seguir, sobre a obra e sobre os organizadores.

 

O E-book A Literatura cearense em diálogo múltiplos olhares sobre a obra de José Alcides Pinto é uma coletânea organizada por estudiosos de Literatura Cearense apaixonados pela literatura alcidiana.

Enquanto pesquisadores, com dissertações dedicadas à obra de José Alcides Pinto intituladas As manifestações do mal em Os verdes abutres da colina (2019), de autoria da profª. Ma. Ana Tamires da Silva Oliveira sob a orientação da profª. drª. Ana Márcia Alves Siqueira, no Programa de Pós- Graduação em Letras (PPGLETRAS/UFC), e A cultura popular cearense em Os verdes abutres da colina: uma análise dialógica do discurso carnavalizado no romance de José Alcides Pinto (2021), de autoria do prof. Me. José Alberto Ponciano Filho (2021), sob a orientação do prof. dr. João Batista Costa Gonçalves, no Programa de Pós- Graduação em Linguística Aplicada (PosLA/UECE), pareceu-nos justo concluir esta etapa de nossas pesquisas com esse livro-homenagem ao escritor que tem inspirado nossos estudos durante anos. 

Dessa forma, os artigos deste volume analisam o projeto literário do autor sob diferente perspectivas inseridas nos campos linguísticos, literários, culturais etc. Assim, o escritor de Os verdes abutres da colina é (res)significado em conformidade com os estudos da Análise do Discurso Francesa, Análise Dialógica do Discurso, Estudos da Semiótica, Literatura Comparada, Teorias Feministas, Lexicologia, dentre outros.

São quatorze textos corajosos escritos por dezoito autores e autoras autênticos(as), perspicazes e atenciosos(as) à escrita alcidiana.

 

SOBRE OS ORGANIZADORES

Ana Tamires da Silva Oliveira

É mestra em Literatura Comparada pelo PPGL da Universidade Federal Ceará. Desenvolve pesquisa sobre a obra do escritor cearense José Alcides Pinto e sobre a temática do Fantástico na literatura. Atualmente se dedica à divulgação literária e administra o canal no Telegram chamado “O Literário”, o blog “Território Alcidiano" (dedicado à obra de José Alcides Pinto) e o perfil literário do instagram @ana_tamires.s. E-mail: anatsoliveira3@gmail.com

 

José Alberto Ponciano Filho

É graduado em Letras Inglês/hab. Português pela Universidade Grande Fortaleza (Unigrande). Especialista em Ensino de Língua Portuguesa pelo curso de Especialização em Ensino de Língua Portuguesa da Universidade Estadual do Ceará (ESPELP/UECE). Mestre e doutorando em Linguística Aplicada pelo programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (PosLA/UECE). Bolsista da coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES). Membro do Grupo de Estudos Bakhtinianos do Ceará (GEBACE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). É autor do livro O discurso literário em livro didático de Língua Portuguesa: análise de atividades de leitura (2020). E-mail: albertoponcianofilho@gmail.com.




 

terça-feira, 1 de março de 2022

Identidade Cultural Especial do Centenário da Semana da Arte Moderna

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O programa Identidade Cultural da TV Assembleia discute sobre a Semana de Arte Moderna, sua influência na arte literária e nas artes plásticas no Ceará, o papel do jornal O POVO e da revista Maracajá, entre outros, com participação de Graciele Siqueira, Raymundo Netto e Roberto Galvão. ACESSE:

https://youtu.be/rWX4Y62o1fM




"Cajueiro da Mãe", de Ana Miranda para O POVO


Maria, minha amiga, precisava da muda de um cajueiro. Por que alguém poderia precisar da muda de um cajueiro, o leitor deve estar se perguntando? Por um desses detalhes que nos ajudam a viver, neste mundo de perdas e saudades. A mãe de Maria amava cajueiros. Simplesmente isso. A mãe morrera havia uns dez anos, e sempre adorou caju. Contava recordações de sua infância com cajueiros, lamentava nunca ter tido uma dessas árvores. Quando Maria herdou a terra e a casa da mãe, compreendeu que precisava plantar um cajueiro.

Apaixonada por árvores, Maria tinha acabado de plantar algumas na sua casa herdada da mãe, em Penedo, estado do Rio. Não havia espaço para nem mais uma árvore. “Botei aquelas plaquinhas com o nome”, ela me disse, carinhosa. Pediu a alguém uma muda de cajueiro e lhe deram uma de cajueiro-anão. Mas ela queria um cajueiro “pra valer”. Maria estava planejando viajar à Bahia, a Alagoas e ao Ceará. “Será que eu consigo uma boa muda de um cajueiro já crescidinho?” Acho que ela seria capaz de voltar num caminhão, abraçada a um imenso cajueiro em flor.

Pensei nessa história de mãe e filha, com saudades de minha mãe e olhando o meu cajueiro no quintal. Acho que escolhi este lugar, onde vivo, encantada pelo cajueiro. Ele toma quase a metade do terreno, ao qual sombreia e refresca. Deve ser centenário, tem o tronco marcado pelo tempo. Galhos e galhos se estendem ao longo do chão e depois se voltam para o céu. Olhando de longe parece um imenso guarda-sol. Ou um anjo de asas abertas. Um deus natural. Antigos moradores das redondezas dizem que ele quando jovem dava os cajus mais doces da ladeira. Ainda frutifica, quase o ano todo, e são saborosos seus cajus, têm um gosto profundo e perfumado. É habitação duma infinidade de animaizinhos, desde sabiás-da-praia, sebites, bem-te-vis, até mariposas que formam uma flor de pétalas negras quando se deliciam com as frutas. Os cajueiros são árvores maravilhosas, espontâneas, nutritivas, nascem nos solos mais arenosos, suas folhas são um excelente adubo. Onde há um cajueiro há mais frescor, alimento, ar puro e perfume das florinhas.

Textos antigos, como um do geógrafo holandês Laet, contam que havia bosques de cajueiros a cobrir praias, dunas, a subir colinas, o chão ficava coberto por um tapete vermelho de frutas. Num comentário, o zoólogo Conrad Guenther diz que se podia andar durante horas pelas matas de cajueiros na costa nordeste do Brasil. Que riqueza! Mas, percorrendo estradas, trilhas, piçarras, tenho visto amontoados de lenha feita com troncos e galhos de cajueiros. Imensos cajuais são transformados em tocos, uma cena de desolação, de derramar lágrimas; ao lado, pilhas de lenha para ser vendida. Sempre cajueiros, cajuais, e fico abismada: por que motivo isso está acontecendo. É permitido o corte de cajueiros? É permitida essa devastação? Andei lendo leis e planos de manejo florestal do Ceará, são complexos, mas compreendi que o corte de árvores é permitido apenas para florestas plantadas, com algumas exceções. Nossos cajueiros, alguns centenários como o meu, formam florestas nativas.