sábado, 29 de maio de 2010

"Mundo Animal" Painel gigante do gigante Guabiras

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Novo sítio literário pessoal de Nilto Maciel

Nilto Maciel, escritor cearense (de Baturité) com notoriedade no Conto, um dos fundadores da revista O SACO (1976), editor da Literatura: revista do escritor brasileiro, autor premiado de diversos títulos, dentre os quais A Última Noite de Helena (1990), Os Luzeiros do Mundo (1992), A Rosa Gótica (1996), além de Itinerário (1974), Punhalzinho Cravado de Ódio (1986), As Insolentes Patas do Cão (1991), Pescoço de Girafa na Poeira (1999), À Leste de Morte (2006), dentre outros, lança-se no vasto abismo da internet por meio da publicação de sua novíssima página www.niltomaciel.net.br, no ar desde 27 de maio de 2010.

No sítio pessoal, o também pesquisador em literatura, autor de Contistas do Ceará: d'A Quinzena ao Caos Portátil (ganhador do Edital de Incentivo às Artes da SECULT, categoria Pesquisa em Literatura Cearense) disponibiliza, a quem quiser, seu livros, inclusive alguns inéditos, e vídeos raros como a adaptação de O Cabra que Virou Bode, e outros vídeos de entrevistas e lançamentos.

Um dos destaques é o inédito, e até certo ponto humorístico, livro de crônicas Como me Tornei Imortal em que encontramos textos sobre alguns
escritores brasileiros e locais.

Para quem quiser pesquisar e conhecer um pouco mais do trabalho de Maciel, poderá ter acesso a ensaios e fortuna crítica por Ronaldo Cagiano, Batista de Lima, F.S. Nascimento, Nelly Novaes Coelho, Francisco Carvalho, Adriano Espínola, Caio Porfírio Carneiro, Astrid Cabral, Dimas Macedo, José Alcides Pinto, Carlos Augusto Viana, Sânzio de Azevedo, Carmélia Aragão, Liana Aragão, Jorge Pieiro, Nicodemus Sena, Aíla Sampaio e outros.

O sítio disponibiliza também as capas originais das obras de Nilto, as obras na íntegra para a leitura, inclusive os de pesquisa sobre contistas cearenses, traduções, e muito mais.

Vê-se logo a amplitude da produção do autor e o muito que se há para dizer e conhecer sobre o trabalho do artista Nilto Maciel.

www.niltomaciel.net.br

Acesse, adicione a seus favoritos e divulgue.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

118 anos da Padaria Espiritual e Lançamento de "Dolentes" (26 e 27 de maio)

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Biblioteca Cidadã: de livros abertos para você!

Programação Cultural Especial da Biblioteca Pública

Governador Menezes Pimentel comemora:

118 anos da Padaria Espiritual

O aniversário dos Padeiros Adolfo Caminha (29.5) e Rodolfo Teófilo (6.5)

e o lançamento da 1ª reimpressão [revista e atualizada]

da 3ª edição [esgotada] de Dolentes, do padeiro Lívio Barreto, livro maior do Simbolismo cearense.


Programação Específica para os dias 26 e 27 de maio:

26.05.2010 (Quarta- Feira)

09h às 21h - Setor de Empréstimo: no empréstimo de um livro o usuário receberá uma poesia dos poetas da Padaria Espiritual.

09h às 21h - Setor de Microfilmagem: Exposição das primeiras páginas d’ O Pão.

09h às 21h - Setor de Obras Raras: Exposição das obras de escritores integrantes da Padaria Espiritual.

09 às 21h - Setor do Ceará: Exposição das obras de Rodolfo Teófilo e Adolfo Caminha

14h - Setor Infantil: Contação de História “A aventura do livro” com Nádia Aguiar

15h às 17h – Auditório do Dragão do Mar: Seminário Padaria Espiritual:

“Rodolfo Teófilo ou Adolfo Caminha” com os palestrantes Carlos Roberto Vazconcelos e Carlos Eduardo Bezerra.


27.05.2010 (Quinta-feira)

09h às 21h - Setor de Empréstimo: no empréstimo de um livro o usuário receberá uma poesia dos poetas da Padaria Espiritual.

09h às 21h - Setor de Microfilmagem: Exposição das primeiras páginas d’ O Pão.

09h às 21h - Setor de Obras Raras: Exposição das obras de escritores integrantes da Padaria Espiritual.

09 às 21h - Setor do Ceará: Exposição das obras de Rodolfo Teófilo e Adolfo Caminha

14h - Setor Infantil: Contação de História “A aventura do livro” com Nádia Aguiar

19h Auditório do Dragão do Mar: Seminário Padaria Espiritual:

“A Padaria Espiritual”, palestra de Sânzio de Azevedo, e, logo após, coffee break e lançamento da reimpressão da 3ª edição [revista e atualizada] de Dolentes, de Lívio Barreto (1870-1895) — nascido há 140 anos —, obra maior do Simbolismo Cearense, publicada, em primeira edição (1897), pela “Bibliotheca da Padaria Espiritual”.


Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel

Av. Presidente Castelo Branco, 255, Centro

Fone: (85) 3101.2548 (Raquel Lima)

Informações e sugestões: bibliotecacultural@secult.ce.gov.br


Realização: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará e

Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel

Promoção: Associação dos Bibliotecários do Ceará


sábado, 22 de maio de 2010

"O Intruso da Casa", crônica de Tércia Montenegro para O POVO (19.05)

Um tortuoso hábito de reflexões me pôs a pensar nos objetos que detestamos, mas que por alguma razão somos obrigados a possuir. Pois, de todos os pertences impostos, o mais antipático talvez seja o relógio.

Provavelmente a infância acaba no momento em que se aprende as horas. Na mais tenra idade, uma criança tem a liberdade de acordar pela manhã sabendo apenas isso: que é manhã. Não precisa, como os adultos, saber que são 6h15min, que é preciso tomar o café durante três minutos, depois um banho de, no máximo, 10 minutos, para perder sabe-se lá quanto tempo rumo a um destino previamente agendado.

Argumentem que a culpa não é dos relógios, mas do sistema de obrigações que nos força a atividades cronometradas. Esse raciocínio com certeza é lógico, mas não me convence. Para mim, o instante em que se posta um filho diante do grande relógio da sala, a lhe ensinar os mistérios do tempo, é decisivo. Instalar a noção abstrata (e absurda) de que cada espaço entre um risco e outro representa cinco minutos, força um amadurecimento repentino. Algo interrompe todo o fluxo imaginário que permitia à criança associar aquele instrumento com um círculo contendo dois bracinhos, rascunho de boneco ou brinquedo secreto.

A perda desse potencial imaginativo ocorre em paralelo com uma redução do próprio conceito de ``dia``. Se antes esse período significava uma passagem suave entre as palavras ``manhã``, ``tarde`` e ``noite``, depois do aprendizado a criança resume o dia em números de acordo com as horas. Viver regulado por algarismos, e não mais por imagens, é a grande perda nesse processo. O abandono da infância acontece com essa aceitação do tempo como algo calculável. No instante em que negamos as outras possibilidades & tão mais belas e criativas & para sentir a passagem de uma existência, viramos coisas previsíveis e funcionais, tão monótonas quanto um tic-tac.

Tive dificuldade em aprender as horas. Talvez já adivinhasse que esse tipo de iniciação me roubaria a inocência. Até os 11, 12 anos, tinha de usar relógio digital, para evitar o vexame, se alguém me perguntasse o horário. E mesmo assim, usava com má vontade aquela pulseira & sentia o seu caráter de algema: o tempo me carregava pela mão, me obrigava a seguir a trilha dele. Por isso é que, ainda hoje, a primeira providência que tomo quando chego em casa é me soltar do relógio de pulso, para sentir as batidas cardíacas liberadas.

Sim, admito que sou um pouco dramática. Reconhecer essa característica me faz flexível, e acabo seguindo as velhas convenções. Embora não concorde com a escravização que o tempo & assim representado por um mero objeto & ordena, obedeço a ela, chegando pontualmente a meus compromissos. Mas em casa, território que considero único, tenho três relógios, e cada qual indica um horário um pouco diferente do outro. Para confundi-los, gosto de atrasar a hora de um, adiantar a do outro... É o meu modo de mostrar (para eles e para mim mesma) que não sou totalmente submissa e conheço também outros tipos de tempo.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

"Dois temperos para mundos tão desiguais: Copa do Mundo e Eleições", crônica de Raymundo Netto para O POVO (21.05)






Copa e Eleição. Eleição e Copa. Dois mil e dez, sem dúvida, dará o que falar. Nas rodas de bares da cidade, além das opiniões supérfluas sobre os “heróis” daquele também supérfluo e mexeriqueiro programa de tevê, líder homofóbico de audiência, ou sobre o capítulo final da insossa novelinha francarioca (?) sabotada por péssima interpretação, e das divagações sobre as rotineiras rotinas de velhidades, da esperança que não virá mesmo com um novo amor, das crônicas mirabolantes do sexo que nunca aconteceu, surge sempre um comentariozinho, chulo que seja, sobre esses dois temas: Copa do Mundo e Eleições, ou vice-versa. Bem, “vice”, em ambos os casos, não soa meritório...

De Copa, assim como tudo aquilo que se refere às paixões humanas, pouco se entende e se sabe. Sempre tomamos no ouvido a sentença básica de que o técnico não presta — nem vai prestar —, que o jogador tal, mesmo em chuteiras, só joga de salto alto, ou que amarela — não só na canarinha camisa —, enquanto o outro só joga mesmo lá fora, mas que aqui, no Brasil, que é bom, é um autêntico perna de pau, um fantástico bola murcha. Torcer por um time desses é quase como se perder um voto na urna... ou na trave!

De Eleições — que tem parecença com corrida de cavalos —, assim como tudo que diz respeito a escolhas, pouco se entende e se sabe. Tirando os correligionários, comprometidos e declaradamente desinteressados até as raízes dos poucos cabelos que lhes restam, todos chegam sempre à mesma e improvável conclusão: que importa se tudo é igual, nada muda nem vai mudar?... Defender com entusiasmo um candidato é quase como marcar um gol contra! Após o decreto do placar das urnas, não tarda muito para que o eleito, agora em melhor fatiota e com chuteiras encostadas, pratique táticas de drible contra seu eleitorado. Logo este que “quase sempre se convence que não tem o bastante e fala demais por não ter nada a dizer”*...

Nos tempos modernos, tirando a polêmica do Titanzinho, a política cearense, mesmo a brasileira, chegou a um nível de harmonia que enfadonha. Quase um empate, se não W.O... Como tempero mesmo, só o Pré-Sal.

Na verdade, da passiva geral podemos perceber que todos parecem estar do mesmo lado, ou seja, do seu próprio. A competição megasênica pela vaga no poder, movida pelo se “colar colou”, pela contratação emergente de assessores de imprensa — verdadeiros meios de campo que “enfeitam o bolo”, de olho no futuro promissor —, o programa gratuito de tevê que chega a arrancar mais gargalhadas do que a decadente Zorra global, tudo isso desanima a esses bombardeados eleitores-torcedores, sempre na zaga, cansados de festivais de catimbas e de assistir a tantas bolas arremessadas sem propósito em jogos pré-combinados, forjados na estupidez gananciosa de cartolas que diante da santa omissão popular inexigibilizam o poder. Aliás, poder é querer; e quase nunca o inverso, como se diziam nas boas lições dos antigos, esperançados em valores que, não sabiam, estavam em extinção.

Ora nos cabe dizer que o eleitor consciente é sempre um torcedor. Já o eleitor inconsciente, o que vota em qualquer um, ou naquele único nome — ou número — que conhece, apenas porque está, obrigatoriamente, frente a frente com a urna, este não existe, pois mesmo quando faz o gol, não leva. Mas não leva mesmo! O momento do voto tem até jeitão de pênalti, percebeu? Você, a cédula de voto e a urna. Momento dramáááático... Na arbitragem, logo ali do lado, o mesário, muitas vezes um funcionário público que se sacrifica voluntariamente ao mister em troca do dobro de dias livre de encarar novamente a sua repartição.

Voltemos: o torcedor, por outro lado, é um bom eleitor. Elege seu time, dentre tantos, e passa a sofrer com ele. Torcedor que não sofre, não é bom torcedor. É como aquele eleitor que usa a camisa do candidato porque a recebeu de presente, mas quando diante de uma mais nova transforma logo a antiga em pára-choque de rodo em sua casa.

Torcedor mesmo, assim como o eleitor, chora em cima de sua bandeira — do time ou do partido —, o seu estandarte do coração, põe a mão no peito, agarra quem está do lado e beija (nem importa se é gente ou se apenas se parece com gente). Torcedor é cabra macho, mesmo quando é fêmea.

Então, chega a Copa do Mundo, não se fala em outra coisa: cerveja, praia, churrasco e fritas. Será que hoje nós teremos que ir trabalhar? Mas é o Brasiiiiiiiiil! E se a gente perder? Nós bebemos! E se ganharmos? Comemoramos, ora! Como? Bebendo, é claro.

Daí, chegam as Eleições, não se fala em outra coisa: cerveja, praia, churrasco e fritas. Hoje é certo: não teremos que trabalhar! É, e se o nosso candidato perder? A gente bebe, mas se NÓS ganharmos, já sabe, bota aquela camisa velha e a gente comemora. Como? Bebendo, é claro.

Curioso: na partida de futebol, assim como na política, quem ganha sempre somos NÓS, mas quem perde são ELES...

Pois é, meus caríssimos ledores, a Copa e as Eleições, duas coisas tão diferentes que são até parecidas. E nós aqui, só espiando... e torcendo para que ao soar o apito final, tudo acabe, pelo menos como começou.

Bateram o centro e o Rei continua nu...


(*) trecho de “Índios”, Legião Urbana.


Raymundo Netto não entende nada de futebol, nem de nenhum outro esporte com bola, embora tenha recebido algumas de presente como uma de basquete do Oscar Schmidt. Mesmo assim, escreveu A Bola da Vez (Edições Demócrito Rocha) e agradece ao professor Everardo Aguiar, do Crato, pela criação do troféu homônimo.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

"Pedro Salgueiro e o Culto ao Livro", por Nilto Maciel


Meu conhecimento de Pedro Salgueiro vem de 1995, quando participou do primeiro concurso de contos promovido pela revista Literatura, por mim dirigida. Enviou a peça “Dos valores do inimigo”, que obteve o terceiro lugar e foi publicada na edição nº 8, referente a junho daquele ano. Pouco depois (não poderia ser antes, tendo em vista que o certame se reservava a obras inéditas), ele me enviou exemplar da primeira edição de O peso do morto, no qual a pequena narrativa está incluída. Na dedicatória, chamou-me de “amigo e companheiro de ofício”.

Na mesma época, Dimas Macedo, correspondente não oficial da revista no Ceará, me falou dele com muito entusiasmo. No ano seguinte, recebi O espantalho. Até então eu não o tinha visto, com ele não havia conversado. O que se daria em janeiro de 97, quando estive de férias em Fortaleza. Organizava ele, ao lado de Tércia Montenegro, o Almanaque de contos cearenses. Em golpe de mestre, planejou uma reunião de escritores no bosque da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Ceará, que receberia o nome de Moreira Campos. Para dar mais importância ao encontro, convidou a viúva do homenageado, Dona Zezé Moreira; a filha (escritora) do casal, Natércia Campos; o pesquisador, professor e poeta Sânzio de Azevedo; e os escritores “de fora” Nilto Maciel e Caio Porfírio Carneiro. Algumas fotografias obtidas naquela tarde estão reproduzidas naquela publicação.

No final das férias, regressei a Brasília, voltei à minha lida de burocrata do judiciário e aos meus velhos passatempos: ler livros de escritores novos, escrever cartas, editar revista. Nem me lembrava mais do projeto do almanaque, que projetos de editar jornais, revistas, almanaques de literatura, no Ceará, só se realizam de 30 em 30 anos, com muito esforço de um ou dois escritores (a maioria não sai da plateia, embora queira subir ao palco, e no papel de protagonista).

Pedro me enviou alguns exemplares da coleção. E não deixou de mandar seus livros: a 2ª edição de O peso do morto, em outubro de 97, e Brincar com armas, em 2000. Em retribuição, eu lhe remetia a revista. Não éramos amigos, embora já fôssemos companheiros de ofício. Para que a primeira oração fosse rezada, precisávamos nos aproximar. Não para isto, decidi vir morar em Fortaleza, em setembro de 2002. Precisava fugir da secura de Brasília, da solidão das superquadras, do burocratismo arraigado na pele das pessoas, do clima de academia de letras que ronda os escritores de lá. Fugir dos espantalhos, dos mortos que andam, respiram e escrevem versinhos, dos inimigos escondidos atrás das pilastras dos prédios, que matam com armas de brinquedo.

Ao aqui chegar, procurei uns e outros escritores. Levaram-me a clubes à beira-mar, a jantares à luz de velas, a academias de musculação linguodental. Mas não me levaram aos botecos, aos bares, ao bate-papo, às sirigaitas da Beira-mar. Telefonei a Pedro: queria conhecer o Dragão, tomar uns chopes, ver a noite, ouvir as estrelas e andar de carro pela cidade que abandonara havia 30 anos. Eu conduzia o veículo e ele me guiava: entra à direita, vira à esquerda, segue em frente. Na primeira noite ocorreu um sinistro: sorvi doze chopes e falei de literaturas. Ele tomou dois e não conseguiu dizer nada. Ao se erguer da cadeira, tombou. Deitou-se no banco do carro, vomitou e dormiu. Para as seguintes noites, convidou Astolfo, Pieiro, Napoleão e outros candidatos a contistas. Ao fim da pândega, eu conduzia o embriagado narrador ao seu lar e rumava para o calçadão da Beira-mar, onde me aguardavam as raparigas em flor.

Ao cabo de alguns meses junto àquelas mesas do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, o contista Pedro Salgueiro se disse viciado em álcool. Sua mulher (de então) pediu a separação. E me acusou de desviar a conduta social (e sexual) do seu até então casto e abstêmio marido.

Passavam-se os anos, surgiam outros projetos literários, os novos escritores nos mostravam seus rabiscos, eu me mudei para o Benfica, fez o mesmo Pedro, descobrimos o bar do Assis e mais nos tornávamos amantes do álcool. Vez por outra, aparecia Carlos Emílio, a resmungar, a se dizer perseguido, copiado e plagiado. Astolfo se irritava com as observações de Pedro pela ausência de vírgulas em suas composições. Carmélia Aragão destilava francês ao redor das mesas e prometia peças como há muito não se escrevem. Raymundo Netto lia crônicas de uma imaginária Fortaleza antiga. Adolescentes ávidos de fama cercavam o pobre Salgueiro: leia esta obra literária, publique minha história. Ele fazia promessas de mundos e fundos, piscava um olho para mim, emborcava o copo e se punha a contar piadas, velhas anedotas, sempre repetidas. “A mesma história tantas vezes lida”, como escreveu Florbela Espanca.

Passaram-se os tempos. Agora os encontros se dão em minha mansão na Parquelândia. Mais atento ao hoje do que ao ontem, Pedro tenta, então, imitar Fagner, cantarola o hino do Fortaleza Esporte Clube e me pede para ligar a televisão. Quer ver o jogo do Barcelona. Faço de conta que estou surdo. Ele olha para mim com rancor leonino e deita um litro de álcool goela abaixo. Cansado disso e daquilo, conta a piada de anteontem. Todos riem. Ele bebe mais. Quando se sente menos lúcido, põe-se a analisar as próprias narrativas: Conto sempre as mesmas histórias: homem que foge da cidade, homem que regressa ao lugarejo natal; no desfecho, mato uns e outros. Por isso me chamam de Pedro Sangreiro. Na noite seguinte, conta as piadas de ontem, imita Roberto Carlos e Fagner, e fala de suas (dele) obras.

O melhor de tudo se dá quando me visita: traz com ele dez ou mais amigos. Vai logo às prateleiras, à cata de “novidades”. Vai prestar culto aos meus livros, que são dos outros. Surrupia um Cervantes aqui; alisa um Quevedo ali; pede, por empréstimo, um Dante envelhecido. Ajoelha-se diante deles, faz prece, venera os velhos tomos.

Os outros visitantes não se sentem logo à vontade, descrentes. Primeiro bebem muito e falam demais. Alguns se dizem poetas de meia-tigela; outros, prosadores de meia-pataca. Um deles até quer assim ser chamado, teima nisso. Mas é poeta de muito valor: O Poeta de Meia-Tigela. Uns quebram copos e garrafas, outros sujam o tapete de lama. (Quem se lembra da canção “Edredom vermelho”, de Glória Martins e Herivelto Martins?). Esses estróinas (no sentido de singulares) das letras, muito jubilosos quando se sentem entorpecidos, logo se põem a cantar como Nelson Gonçalves. Conhecem toda a música popular brasileira. E a erudita. Netto faz da caneta, às vezes, varinha de maestro, e arremeda Zubin Mehta. São todos muito corteses: lêem meus poemas em voz alta, prometem musicar minhas composições, tencionam me filmar e me dizem eterno enquanto durar.

Pedro, o padrinho desses mancebos, se mostra encabulado diante de tantas estroinices e pede licença para ir ao banheiro. Não vai, me engana. Vai ao cômodo (altar) onde repousam os mestres: Anacreonte, Baudelaire, Camões... Todo o alfabeto literário. Nosso livro sagrado.

Fonte do texto: Literatura sem Fronteiras (blogue de Nilto Maciel)
Fonte da Foto: Jornal O POVO

domingo, 16 de maio de 2010

"Alice", por Guabiras


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"Rabecas Sertanejas", crônica de Ana Miranda para O POVO (14.5)


Andava por aqui, fazendo serviços de eletricidade, o senhor Xavier, e entre uma conversa e outra ele acabou me contando que era rabequeiro. Homem magro, de cabelos brancos, olhos fundos e descorados, meio quixotesco, mostrava uma disposição e leveza para a vida que pareciam vir da música, ou, quem sabe, o espírito musical tenha sido inspirado por uma natural alegria. É um milagre do isolamento sertanejo que ainda existam rabequeiros. Em Portugal, não há mais, e as rabecas vieram de lá, com os primeiros colonos nas caravelas, tangendo seus sofrimentos sobre as ondas do oceano. Mas, aqui, rabequeiros estão por todo lado, como um secreto tesouro da história de nossa música e de um passado sentimental. Vi, num maravilhoso livro de Gilmar de Carvalho, Rabecas do Ceará, um levantamento feito há poucos anos em nossos sertões, perto de cem desses instrumentistas, e cada um deles cita um bocado de outros. Lindas fotos, comoventes depoimentos. As falas de cada rabequista são transportadoras de um mundo de muita dignidade e rudeza, que respeita uma moral de origem, e a compostura, mostrando-se num palavreado meigo e ancestral: zuadinha, entonce, fui eu que instruciei um martelo agalopado de oito linhas... Chiquim pegue o violim pra eu descansar meus dedos! Chico Ferreira, feitor de violino, O bichim tem que ser toadista mesmo, Tá aqui a rabeca é sua, você tem cuidado, porque isso aqui ensina tudo, o que é bom e o que não presta.

As histórias da vida desses rabequistas se parecem, quase todos são lavradores, quase todos eram meninos quando começaram a tocar, quase todos aprenderam sozinhos, ao ouvirem outro rabequeiro e sentirem o chamado da vocação. Uma latinha de pólva, um braço de madeira... "Só porque eu vi os outros por ali e eu aprendi a afinar a rabeca e ela ali ensina a gente, né". Eles fazem o próprio instrumento. Conseguem com outro músico o molde, escolhem a madeira a seu gosto e critério, uns preferem raiz de juazeiro, outros, umburana de espinho, ou inharé, e compensado para o texto, pescoço de pau-d-arco, rabequinha de buriti, raiz de pau de timbaúba, cedro de lei talhado com uma faca velha, ou rabecas de folha de flandres, de bambu... Montam, colam, pregam, pintam, acabam, botam as quatro cordas, fazem o arco, estendem a crina, untam com breu. As histórias que eles contam da primeira rabeca são de cortar o coração, "O violino que recebi foi este. Que ele me prometeu, e depois da morte, o menino veio deixar". Ou o pai que descobriu o filho tocando escondido no mato e o surrou com chicote. Mas, um dia, depois de muita vontade e sonhos, apoiam o arrabil no peito e vão aprender o mais difícil, que é a afinação, em quintas, sol ré lá mi. Cada rabeca tem um jeito, um material, e um som. Todas são únicas. São difíceis de tocar, pois não há travejamento para marcar o lugar da nota. "As notas invisíveis quem faz é a cabeça da gente". Aprendem sem be-a-bá, "Com pouca hora tava encontrando o toque". Depois, vão conhecer quebra de tom. Saem a tocar o xote, a valsa, mazurca, o choro mole, baião, samba, as musgas do Gonzaga... "Na hora eu tocava um quinado, hum, eu fazia a rabeca falar". Uns compõem músicas, "Eu tiro uma música até duma música dum passarinho". Tocavam nas latadas, nos reisados, em casamentos ou leilões, nas brincadeiras, em Casimiro coco... Romances de apartação, lendas, versos satíricos... Eram muito requisitados, mas pagos na maior parte com uns goles de cana. "Naquele tempo, era promessa e o tocador tocava a noite inteira, até o sol nascer... Nove jornadas..." Um dia chegou a sanfona, a grande sanfona de Gonzaga, respeitáveis oito baixos, de som amplo e sem o plangente escorrido das cordas tensas. Muitos desses rabequeiros largaram o instrumento, não têm mais onde tocar, outros só tocam nos templos protestantes. ``Aí foi caindo, caindo, caindo, pronto. Ninguém quis mais." "Ninguém mais sabe nem se o tocador é bom."

Nunca tive a oportunidade de ouvir a rabeca de seu Xavier, mas escutei outros rabequistas, e adoro o som rude, quase arranhado, o toque rascante, sentido e tristonho, que carrega uma melancolia moura, assim como os sons medievais que faziam os dançarinos saltarem, ou os sentimentos das poesias seguidas pelos menestréis. Um som lunar, um violino ancestral e desobediente, que prefere as pancadas do braço, o ritmo, o som rasgado, e se reinventa na criação constante da sensibilidade sertaneja. As lágrimas dos descendentes do antigo rabab carregam o orgulho de uma sabedoria distinta.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

"Livros em Fortaleza", crônica de Ana Miranda para O POVO


Uma pessoa querida, descendente de italianos, me disse que gostaria de levar suas crianças para conhecerem a terra de origem, mas não via condições para uma viagem tão dispendiosa. Quando fui em visita, levei de presente um livro de imagens e textos sobre Roma, com lindas fotos de paisagens, das estreitas ruas da cidade, suas igrejas antigas, praças, museus com suas pinturas e estátuas, jardins, palácios, pessoas... Virando aquelas páginas, as crianças conheceram a cidade, em fantasias acesas.

Dizem que o viajante sábio viaja mesmo é na imaginação. E os livros são guias para essas viagens, podem nos levar a todos os lugares, todos os tempos. São nossas asas invisíveis, e sem o peso das nossas malas nos deslocamos, livres e curiosos, também invisíveis penetramos as infinitas geografias do mundo.

Mas não é apenas essa viagem sem bilhete a magia dos livros. Podemos, através deles, vagar por dentro de outra pessoa, experimentar o que é ser o outro, e até nos tornarmos o outro, naquele momento. Uma das relações mais íntimas é a que acontece entre leitor e autor, que nem se conhecem pessoalmente, quase sempre. Se lemos Dante, ou Borges, ou Rachel, ou quem quer que seja, nossa mente aprende a trabalhar do mesmo modo como trabalha a mente do autor daquelas palavras. Nos instantes em que percorremos as linhas, nossa mente deixa de pensar como de seu costume e adota um novo pensamento, aprendendo outro modo de ser, e se expande, e nos dá mais instrumentos para vivermos.

Depois da leitura de um livro, não somos mais a mesma pessoa, somados a essa experiência que talvez tenha até mais força que a vida real. O livro que mais me transformou, e não na primeira leitura, foi o Grande Sertão & Veredas, de Guimarães Rosa, que é uma extrema experiência de linguagem; daí deduzi que a transformação se dá pela conquista de uma nova linguagem que liberta a mente e nos faz construir a própria voz.

Mas a leitura de um livro, seja ele ficcional ou não, é feita em camadas e camadas de pensamentos, sentimentos, sensações. Ao mesmo tempo em que lemos a trama, lemos a linguagem e a língua, o tempo e o espaço, a postura do autor e a nossa, a ética e paixão contidas no texto, a política; fazemos a crítica, a comparação, julgamos o outro, compreendendo melhor nosso próprio comportamento, mergulhamos em nossa memória, em lembranças de outros, dos outros, e nas minúcias da vida; absorvemos conhecimentos, e palavras, e modos de expressão e mais e mais e mais... Sentimo-nos acompanhados, solitários, inquietos, alentados, tristes ou felizes, marejam os olhos, percorrem-nos arrepios, encantos, assombros, deleites, na leitura do livro tudo pode acontecer, mesmo não acontecendo, como nos sonhos. E não importa o tempo.

Uma leitora certa ocasião me escreveu protestando contra a morte de uma personagem, e respondi-lhe que recomeçasse a leitura, encontraria a personagem novamente viva. Vencemos o tempo, vivemos a eternidade. Tudo isso se faz com uns poucos rabiscos que até crianças pequenas aprendem a vislumbrar.

Tantas vezes me ouvi pensando nas palavras de Gênesis: o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus. Em meu singelo filosofar, penso que isso significa ser o nosso espírito elevado por meio da palavra. Hoje acordei filósofa e apaixonada pelos meus livros. Já disse que eles são um mapa de minha cabeça, como se minha mente fosse forrada de estantes e estantes com livros arrumados dentro de uma lógica essencial. Sei onde está cada um, ouço quando um deles me chama, vou até ali e o retiro da prateleira, abro, e leio o que ele queria me dizer. Cada um deles é uma porta para uma espécie de labirinto infinito. O conjunto deles toma a cada dia um significado mais nítido, como se eles estivessem se transformando em mim e não apenas eu, neles.

Uns passam dias à minha cabeceira, eu releio às vezes algumas páginas, às vezes todas, faço anotações às margens, sonho com algo relacionado a seu mundo, até que desejam voltar à estante. Sinto como se eles fossem seres vivos, que choram, sorriem, amam, ensinam, respiram... e assim vivemos juntos, eu numa espécie de prisão escolhida, conformada, e até mesmo feliz. Andei estes dias arrumando a minha biblioteca, como se arrumasse minha própria cabeça. Retirei uns, mudei de lugar outros, folheei as páginas, recordando, separei uns para reler, abracei-os, talvez animada pela grande festa do livro que é a Bienal. Lá estão eles num lugar de alegria, depois de um esforço imenso de nossa cidade, esperando por nós.

Crônica publicada em O POVO, Vida & Arte, em 16.04.2010

Monstra Feiramassa! no Espaço Cultural Correios na quinta, 6 de maio

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Release da exposição "MONSTRA Feiramassa!"

O Espaço Cultural Correios apresenta a exposição MONSTRA feiramassa! produzida por uma nova geração de artistas cearenses influenciados pela Pop Art e por cultura pop (música, arte urbana, histórias em quadrinhos e moda).

A MONSTRA feiramassa! conta com obras de artistas de destaque no cenário regional, como a artista Ise, que recentemente abriu uma exposição individual no Sobrado Dr. José Lourenço com 80% das obras vendidas no primeiro dia da exposição, e com Weaver Lima, artista premiado por duas vezes no Salão de Abril e que participou esse ano da exposição de comemoração dos dez anos do Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Dragão do Mar, como artista convidado.
A exposição reúne mais de 50 trabalhos inéditos de 8 artistas do coletivo MONSTRA. As obras estão em sintonia com a atual produção mundial de arte urbana, o que torna a exposição um atrativo especial para o público de espírito jovem e moderno (arquitetos, publicitários, designers e colecionadores de arte).

O coletivo é apoiado pelo SEBRAE e todas as obras da exposição MONSTRA feiramassa! estão à venda por preços promocionais que variam de R$ 2,00 (adesivos e gravuras) a R$ 250,00 (desenhos e pinturas originais).
No ano de 2009, o coletivo MONSTRA realizou a feira de arte em várias festas pela cidade (estúdio Mocó, festival No Ar Supernova "Órbita bar" e "Fortaleza Fashion Freak2") criando zonas de comercialização de obras de arte a preços acessiveis e democratizando o acesso as artes.

Ainda em 2009, a MONSTRA! marcou presença na Casa Cor Ceará em diversos ambientes - Fachada externa "Camaleão Hidracor", Fachada do Hotel Casa Cor "Exposição Cores do Ceará", e na Galeria Escada do Hotel Casa Cor.

sábado, 1 de maio de 2010