quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

"A Carta", de Pedro Salgueiro para O POVO


— Vinte anos de saudades, amiga —.
Por que temos que guardar o segredo de uma história sempre para o final? — não seria melhor nos livrarmos logo dele; aí então o relato fluiria de maneira mais honesta e tranquila, sem o trunfo incômodo de um mistério apenas conhecido por nós!?

Sempre me impressionaram os que começam seus enredos desvendando esse enigma: tiram um peso das costas, desprezando assim toda a nossa ansiedade — jogam as armas fora, lançam-se de peito aberto ao leitor. Torna-se, então, mais difícil construir uma aventura abrindo mão deste trunfo?... Não temos nada além das palavras, a não ser a própria aventura, e o nosso pouco talento.

A verdade é que decidi dizer logo que Suely morreu — e morreu de morte besta, dessas que não se encontra justificativa senão no acaso, ou no destino, ou… Sabe-se lá o que rege o mundo. Terminou os estudos, casou, teve dificuldades financeiras, mudou-se junto com o marido para uma terra distante. Todo mês a cartinha certa aos pais, o papel embebido em lágrimas — a promessa constante de uma visita no fim do ano. Não fosse o implicante destino.

Uma festinha de aniversário, uma briga louca de bêbados na calçada, um tiro errado e uma bala na nuca; logo a dela. Sexta à noite. Telefone deixando recado para os pais. Arrodeios, depois a notícia triste. Providência dos amigos. Vaquinha para o avião. Embalsamado o corpo — hospitalizado o sogro. Domingo de noite o corpo chegando (a promessa finalmente cumprida), a cidadezinha inteira acordada, desmaios, sofrimento prolongado. Segunda-feira pela manhã o caixão na cova. As lágrimas finas sem serventia. O cansaço, a casa vazia, um silêncio fundo: essa mistura de frustração e revolta. Tarde dessa mesma segunda: a carta inesperada. O carteiro, também, incrédulo. Olhos nas janelas. O choro recomeçado, sem fim, a imagem do Coração de Jesus no abraço apertado da mãe.

Carta, sim! Remetida por Suely — a última, feliz, desta vez perfumada, prometendo a eterna visita no fim do ano, dizendo da gravidez —, que a pôs nos correios na sexta pela manhã. No final até consola a mãe da doença grave de uma vizinha: sofresse não, a vida era assim!

A carta, pois, remetida na sexta pela manhã: Recebida na segunda à tarde.

Antes dela, Suely.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Inscrições Abertas: Prêmio SESC de Literatura - 2016



Estão abertas até o dia 12 de fevereiro as inscrições para o Prêmio Sesc de Literatura 2016, categorias Conto e Romance. Poderão concorrer escritores brasileiros e estrangeiros, residentes no Brasil, com mais de 18 anos. O candidato deverá adotar um pseudônimo, não podendo assinar a obra com o nome verdadeiro. A coautoria é aceita na categoria romance e não serão aceitas inscrições de obras póstumas.
O livro deve ser inédito e o candidato não poderá ter nenhuma outra obra publicada na categoria em que se inscrever. Na categoria Conto o trabalho deverá ter entre 140 a 400 mil caracteres e na categoria Romance entre 180 e 600 mil caracteres. Vale lembrar que será permitida a inscrição de título cuja pequena parcela do conteúdo tenha sido publicada em blogs pessoais ou revistas eletrônicas, desde que não ultrapasse 25% do total da obra.
Os textos serão analisados por uma comissão julgadora composta de escritores, jornalistas, críticos literários e especialistas em literatura. Não podem concorrer funcionários, estagiários e parentes (até segundo grau) de funcionários do Sesc, da Confederação Nacional do Comércio e das Federações do Comércio, da editora Record, bem como estagiários e parentes (até segundo grau) de funcionários e nem dos envolvidos no processo de julgamento do concurso.
O Prêmio Sesc já revelou 21 novos escritores. Em 2015, os livros vencedores foram: o romance Desesterro da paulista Sheyla Smanioto; e na categoria Conto o Antes que seque, da carioca de 49 anos, Marta Barcellos.
A inscrição será online pelo site:

Um código identificador é gerado automaticamente e, com esse, o inscrito poderá acompanhar o processo de avaliação.

O resultado será divulgado em junho os vencedores terão as obras publicadas pela editora Record com uma tiragem inicial de dois mil exemplares.



sábado, 16 de janeiro de 2016

"A Biografia", de Ana Miranda para O POVO


Ilustração: Carlus Campos

Mesmo sendo tão apreciada e frequentadora das listas de best-sellers, a biografia é tida como um gênero menor. Maiores, sabemos, apenas os PEN (do PEN Club): poetry, essay, novel. Poesia, ensaio e romance. Mas os leitores amam as biografias, querem conhecer a vida de gente célebre, como Getúlio Vargas, Carmem Miranda, Padre Cícero, Garrincha... Porém, o melhor efeito da leitura de uma biografia é que, enquanto temos a sensação de vivermos uma vida alheia, relembramos a nossa própria vida. Podemos, mesmo, reconstruir nosso percurso sob novos olhares.
É um dos gêneros literários mais antigos, e dos mais diversos. Há biografias literárias, genealógicas, militares, políticas, psicológicas, romanceadas, até mesmo as que omitem a obra do biografado, como uma de Poe, em que o autor, fascinado pelas mudanças de casa do contista, mal consegue reservar uma linha para os contos. Ou uma de Bolívar, outra de Napoleão, que não mencionam absolutamente nenhuma batalha desses militares.
As primeiras biografias eram tendenciosas, escritas com um intuito certeiro. As escritas por Plutarco sobre romanos e gregos tinham o interesse didático de comparar as virtudes das duas nações. As de Suetônio, sobre doze césares romanos, foram escritas como denúncia da tirania. Os flos-santórios, biografias de santos, no Cristianismo primitivo e no medieval, tratavam de dar exemplos de virtude religiosa e garantir seus resultados milagrosos. Apenas na Renascença foi descoberto o indivíduo como ser autônomo, quando se escreveram biografias de grandes artistas italianos e holandeses. Os protestantes aprofundaram, com as biografias dos reformadores, aspectos da psicologia e do exame de consciência. Só depois disso foi que surgiram as biografias de escritores, como a Vida dos poetas ingleses, de Samuel Johnson. Muitas delas eram escritas por admiradores incondicionais de seus biografados, como a de Dickens por J. Forster, e tinham cunho apologético, omitindo tudo o que fosse menos edificante.
A biografia hoje pretende ser documental, jornalística, desfiando os fatos, buscando a “verdade”, a “realidade”, tentando comprovar cada afirmação com documentos ou com testemunhos. E a sensação é mesmo de acompanharmos uma “realidade”, e de que tudo o que lemos é “verdade”. Mas, como disse Borges, “tão complexa é a realidade, tão fragmentária e tão simplificada a história que um observador onisciente poderia escrever um número indefinido, e quase infinito de biografias de um homem destacando fatos independentes, e só depois de ler muitas delas perceberíamos que seu protagonista é o mesmo”.
Pode-se escrever uma biografia dos sonhos de uma pessoa, outra, das mentiras que ela disse, outra, dos momentos em que ela imaginou pirâmides... Será que podemos confiar nas biografias? Do mesmo modo que confiamos nos historiadores, sim. E nos ficcionistas. Costumo dizer que os historiadores são ficcionistas que fingem estar dizendo a verdade; e os ficcionistas, historiadores que fingem estar mentindo.
A biografia de “desmascaramento” surgiu com a publicação de Vitorianos eminentes, sobre a rainha Vitória, escrita por Lytton Strachey. Ele usa o estudo psicológico para desvendar a verdade histórica, um método biográfico que exige as artes do romancista, tanto na análise como na narração.
O mais confiável biógrafo seria o próprio biografado, ele é quem mais se conhece e sabe sobre sua vida. Por outro lado, é o menos confiável, pois pode cair na tentação de, numa autobiografia, falsear sua vida e esconder fatos que o magoam ou envergonham. E, mesmo sendo uma pessoa honesta, vai selecionar os elementos que compõem o melhor – ou o pior – retrato de si mesmo.
Há biografias tão pequeninas que cabem numa frase. O Otto Lara Resende dizia que a sua era: Nasceu em São João Del Rei, viveu e morreu. Outras ocupam volumes de mil ou mais páginas, como a de Joyce, escrita por Richard Ellmann. A maior de todas, consta ser a de Samuel Johnson, composta por seu discípulo, Boswell, que chega a transcrever toda a correspondência do biografado, assim como muitas de suas longas conversas. E a melhor de todas, no meu entender, é a de Sir Richard Burton, escrita por Edward Rice. Burton foi um agente secreto que fez a peregrinação a Meca, descobriu o Kama Sutra e trouxe as Mil e uma noites para o Ocidente; explorador, aventureiro, militar, naturalista, falava 29 línguas, viveu o cotidiano de povos exóticos e deixou diários fabulosos.
A melhor biografia é aquela da vida que alguém gostaria de viver.


Resenha de Rinaldo de Fernandes para "Crônicas Absurdas de Segunda", de Raymundo Netto


Crônicas sobre o Talento Cearense

Antonio Candido tem um ensaio elucidativo sobre a crônica, no qual afirma que, filha do jornal, comunicativa por pendor, a crônica consegue, com humor, com uma linguagem natural, espontânea, praticamente “conversar com o leitor”. A crônica é leve e, na sua simplicidade, ajuda a dimensionar os temas a que o cronista se dedica. Na mão do cronista, o assunto grave, sisudo, fica ao alcance de todos – enfim, as coisas complicadas da vida descem de seu cume, ficam “ao rés do chão”.
A crônica, que poderia ser descartável como o jornal que a envelopa, ganha sentido de permanência quando transposta para o livro.
E se fazem permanentes, têm força de grande literatura, as crônicas do cearense Raymundo Netto enfeixadas no livro Crônicas absurdas de segunda, que traz um prefácio saboroso e esclarecedor de Ana Miranda e uma introdução do historiador da literatura cearense Sânzio de Azevedo.
Retiro do prefácio de Ana Miranda dois trechos que definem bem a crônica de Raymundo Netto. No primeiro, a autora de Boca do inferno alerta:
“O texto de Netto é descansado, sonhador, ambulante e dialogado, nunca em silêncio. Nunca solitário. Não se importa com o realismo e mesmo quando é realista carrega a fantasia da memória.”

Adiante, Ana Miranda anota:

“O seu narrador me faz lembrar um senhor de chapéu coco e fraque, muito elegante, cortês. Entusiasmado e fervoroso, vaga pelas ruas a olhar tudo e conversar com quem aparece ali. Gosta de conversa. Um narrador carregado de sentimentos, uma afetividade à flor da pele, e um pouquinho de malícia. Fala num tom de certo gracejo inocente, aproveitando todos os momentos para chistes e improvisos.”

O livro é uma seleção de crônicas que Raymundo Netto publicou no jornal O POVO, de 2007 a 2010. Há no livro uma unidade, uma estrutura eficiente, que decorre dos seguintes elementos:

·         emprego constante de intertextualidade (aproveitamento, através da paráfrase, do pastiche ou mesmo da paródia reverencial, de trechos de obras de autores do passado e do presente);
·         utilização do fantástico nos enredos;
·         telurismo (o Ceará – os seus escritores, mortos e vivos – é o grande protagonista das crônicas);
·         didatismo (para cada crônica, há uma nota biográfica sobre o personagem-tema – o que contribui para tornar o livro também um consistente manual sobre a literatura cearense).

Como a crônica de Raymundo Netto, como bem disse Ana Miranda, traz um narrador que “gosta de conversa” (algo análogo ao que formulou Antonio Candido, ou seja, que o cronista enceta uma “conversa com o leitor”), indico aqui as conversas que mais me chamaram a atenção no livro: a com a estátua de Rachel de Queiroz (“A moça do Zepelim prateado”), de caráter metalinguístico, em que é discutido o fazer do cronista; a que trata de uma “mania” do também cronista Pedro Salgueiro (“A dança das cadeiras”), que, no bar, numa roda de amigos, “é sempre o último a se levantar para ir embora”, evitando assim a “falação” dos outros; a com o poeta Quintino Cunha (“Molequintino”), excelente, exemplo do emprego eficaz do humor na crônica; a com o contista e cronista Airton Monte (“Um monte de barata”), que aparece uma noite metamorfoseado de barata; a com o grande contista Moreira Campos (“A casa vazia”), que chega em seu fusquinha verde no estacionamento de um shopping – a crônica permite uma boa reflexão sobre patrimônio e memória; a com o “poeta maldito” José Alcides Pinto (“A peleja de Dom Zé Alcides e o Dragão de Sobral”), texto com preciosos elementos fantásticos.
São ainda personagens-temas das crônicas, entre outros, o romancista José de Alencar, o dicionarista Raimundo de Menezes, o contista e romancista Eduardo Campos, o contista Jorge Pieiro, o cronista Milton Dias, o poeta Francisco Carvalho, a romancista Ana Miranda, o pesquisador, poeta e cronista Audifax Rios, o poeta popular Mário Gomes, o jurista, escritor e crítico Clóvis Beviláqua, o poeta, jornalista e orador Demócrito Rocha, o romancista Antonio Sales, a romancista Socorro Acioli, o poeta Horácio Dídimo, o cronista Lustosa da Costa e o romancista e contista Nilto Maciel. Cearenses notáveis.      
São muitos os exemplos de crônicas bem compostas no livro de Raymundo Netto. Se não comento todas aqui, é para não apagar a curiosidade do leitor.
Crônicas absurdas de segunda é um livro precioso. Um livro para ser adotado em escolas, como forma de divulgar o talento da gente do Ceará.  

Rinaldo de Fernandes, para o Blog da Beleza (http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/)
Escritor e crítico. Doutor em Letras pela UNICAMP e professor de Literatura da Universidade Federal da Paraíba. Organizador do livro O Clarim e a Oração: cem anos de Os Sertões (Geração Editorial, 2002). Como pesquisador, fez os textos da antologia Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século, organizado por José Nêumanne Pinto (Geração Editorial, 2001). Autor de diversos livros de contos, como O Caçador (1997), O Perfume de Roberta(2010), Rita no Pomar (2009) e O Professor de Piano (2011) – os dois últimos foram finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura. Organizador das antologias Contos Cruéis (Geração Editorial, 2006), Quartas Histórias (Garamond, 2006) e Capitu Mandou Flores (Geração Editorial, 2008). Escreve para os suplementos Rascunho (Curitiba) e Correio das Artes (João Pessoa). A Novo Século acaba de lançar seus Contos Reunidos, mais um sucesso desse autor.
    
Serviço:
Crônicas Absurdas de Segunda, de Raymundo Netto
Apresentação: Ana Miranda
Prefácio: Sânzio de Azevedo
Posfácio: Pedro Salgueiro
Ilustrações (capa e miolo): Valber Benevides
Det: Capa dura | 231 páginas | colorido | Formato: 15,5 x 21,5cm
Investimento: R$ 30,00
Compra On-Line: livrariadummar.com.br
Contato com o autor: raymundo.netto@gmail.com


"Monólogo Poético", de Raymundo Netto para O POVO


Dava-se dia ensolarado e, à calçada, encontrei aquele escritor que acabara de lançar o livro príncipe. Poesia, para variar e aderir à coorte. O poeta, me reconhecendo em suposta conta de intelectual — tal como o próprio, certamente — discorreu sobre o sucesso do lançamento de tão aguardada obra. Sorrisando largo o olhar faiscante, segredou, com devido anúncio de reserva, que o “TT da madrugada” anunciara — coisa que fez também, e ele não sabia, com todos os 500 usuários de seu espaço cultural —, o recorde, o maior sucesso da história de lançamentos nesta província.
Discreto como um elefante dançando a macarena, citou a cifra de 100, ou quase isso, livros vendidos — lidos, não garantiria nem o da mãe — e isso porque presentes apenas os seus familiares — membro de família do interior, ocupou o auditório inteiro —, pois os dois escritores, os únicos que conhecia no Ceará, e, portanto para ele os melhores, prometeram de ir, mas no calor do derradeiro instante, diante de assuntos da mais absoluta relevância — e também diante da falta de desculpa mais original — não puderam comparecer, sendo entrementes gratos por tão elevado galardão.
Daí, não deu outra: haja falar compulso de tal “úbere opúsculo”, ler seus trechos, compará-los à obra drummondiana, quitaniana e poetiana em geraliana, explicar-me a escolha dos títulos, denunciar-me a dedo os neologismos e metáforas, enfim, decifrar o indecifrável como se a descobrir ali, em momento invulgar, após a abertura dos sarcófagos da pirâmide do Egito ou da última garrafa de Coca-Cola, o VERSO.
Já delongada a conferência de autoencômios, porém, embaciou o olhar, agora terno e doce. Prenunciava esgotar o martírio do monólogo posto em pé e debaixo de sufocante sol quando ainda desceu a voz, mais macia do que travesseiro de debutante:
— Desculpe-me, senhor, mas é que sou um apaixonado pela poesia. Quando começo, até me emociono... Não estou deixando-lhe falar, não é? Pois bem, agora é a sua vez... Fale um pouco do que achou do MEU livro.
Dito isso, assomou-se todo em orelhas e ouvidos, de me envergonhar por inteiro, certo de que nada que eu dissesse seria o suficiente ou tão preciso para exprimir a grandeza que ele achava — e sabia — que tinha. Uma palavra mal colocada ou esquecida poderia evocar daquela alma lírica e embevecida, os gran terríveis demônios, aqueles mesmos que se regozijam ante os destinos trágicos e merecidos dos poetas, mesmo os falsos e parcos, e que só enaltecem da aventura humana um único e transcendente sentimento: a inveja!
Fragilizado, pressionado e confuso, com a moleira a ferver e a garganta seca, antes de tremer o lábio, nem sei como, senti meus olhos arderem e, creiam, lagrimejarem.
O rapaz, surpreso, fitou-me os olhos saltados, esticou os lábios, quase maternos, tal qual rede em varanda, e, insílabo, abraçou-me demorosamente enquanto me apertava a lembrança, naquele momento, de perder a hora marcada com a minha oculista.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

"Dois Filmes que Recomendo", por João Soares Neto


“Na vida real, a maioria dos atores de cinema é uma decepção.”
Marlene Dietrich, atriz.


Sou ‘cinemeiro’ inveterado. Na telona dos cinemas e na tevê do meu quarto. Nunca fiz curso de cinema, mas pertenci ao Clube de Cinema, na sede da Associação Cearense de Imprensa, ali na Floriano Peixoto com Perboyre e Silva. Darci Costa, meu professor de inglês no Ibeu, era o dirigente. Havia conversas e debates. Eu, muito jovem, ouvia. Curioso, comecei a fazer sofríveis resenhas de filmes aos 15 anos. Estão em diários que, qualquer dia, reencontrarei.
Depois, já adulto e consolidando a vida, resolvi montar, com dificuldade, os Cinemas Benfica. São quatro salas, bem equipadas e que seguem a grade das distribuidoras que mandam. Não há lucro para os cinemas. Os percentuais brutos para as distribuidoras são de 40%, 50% e 60%, dependendo dos critérios que elas mesmas impõem. Além disso, paga-se o ISS, os empregados, os altos custos de energia elétrica e o Ecad, entre outros. Há excessos de meias-entradas e gratuidades. Quando um projetor para, temos de chamar técnicos do Rio ou São Paulo, por avião, remuneração e diárias. É duro.
Por outro lado, já ajudei na produção de alguns curtas, mas nada de tão significativo. Deixo um recado aqui: pretendo fazer, em breve, uma exibição de curtas cearenses. Quem quiser participar, logo anunciaremos e os interessados poderão entrar em contato conosco.
Na verdade, este artigo, além do nariz de cera explicativo, é para dizer de dois filmes que vi recentemente. O primeiro, em reprise. Não me arrependi.
Trata-se de “Gênio Indomável”, de 1997, direção de Gus Van Saint. O então jovem ator Matt Damon, no papel de Will Hunting, membro de turma encrenqueira e sem futuro, descobre-se gênio ao resolver problema de alta matemática, exposto em lousa em corredor do Massachusetts Institute of Technology- MIT. Will era simples prestador de serviços na área de limpeza. O filme vai em crescendo do qual fazem parte Robin Williams, como um psiquiatra viúvo e desencantado, e Stellan Skarsgärd, como notável professor de matemática, detentor do prêmio Fields, uma espécie de Oscar da área.
Não vou dar detalhes, mas me chamou atenção o desencanto de Robin Williams que, na vida real, se concretizou. No geral, o filme mostra que alguém superdotado pode, sem fazer esforço, se destacar e achar isso natural. Há outro fato, esse no campo afetivo. O encontro do rapaz pobre, encrenqueiro e superdotado com uma herdeira rica e preparada estudante da Harvard University. O filme vale à pena.
O outro filme é de 2011. “Intocáveis” é francês. Nada a ver com o seu homônimo americano, com Robert de Niro. É filme sério-alegre, realizado por Olivier Nakache, que também produz o argumento. Embora seja comédia dramática consegue, de forma alegre, mostrar a relação crescente entre um irreverente e improvisado “cuidador senegalês” (Osmar Sy) e um rico e sofisticado tetraplégico francês, interpretado por François Cluzet. Mesmo sendo feito em 2011, deixa claro os guetos em que os imigrantes pobres vivem. Esse fato, além do Estado Islâmico, estão na raiz dos ataques ao semanário Charlie Hebdo e, posteriormente, nos atentados em Paris. Chama a atenção que o filme seja baseado em fatos reais, contado em livro por Philippe Pozzo di Borgo. Foi o filme francês mais rentável em bilheteria e recebeu muitas premiações.
Com estas duas indicações, renovo a esperança de que o polo de cinema do Ceará ultrapasse, não por rivalidade, mas por conteúdo, o já consolidado em Pernambuco.

          

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Abertas as inscrições para o I Salão Latino-Americano de Humor


O Memorial da América Latina, com o apoio da Associação dos Cartunistas do Brasil e do Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil, realiza no próximo mês de abril o 1º Salão Latino-Americano de Humor. As inscrições para participantes já estão abertas. 
O diferencial de outros salões pelo mundo é que nesse os próprios finalistas da competição vão indicar os vencedores. 
Podem se inscrever desenhistas de humor gráfico (cartuns e caricaturas), profissionais ou não. Cada artista poderá inscrever até três trabalhos com o tema “Sons da América Latina”. Os desenhos não precisam ser inéditos, porém não podem já ter sido premiados em outro evento. 
Os cartuns e caricaturas devem ser enviados até o dia 15 de março de 2016, exclusivamente por inscrição dentro do site do evento - www.salaolatinoamericanodehumor.com. Lá estão disponíveis todas as informações e o regulamento completo. 
No total, 150 trabalhos serão selecionados por um júri capacitado e ficarão expostos no Espaço Gabriel García Márquez, do Memorial da América Latina.

Evento
O 1º Salão Latino-Americano de Humor tem como objetivo desenvolver temas relacionados à música, esporte, literatura, turismo e cultura em geral. 
A primeira edição trará painéis cheios de cores, traços e humores sobre o Tango, a Rumba, o Samba, o Bolero, a Bossa Nova, entre outros ritmos musicais, e seus grandes intérpretes e compositores. 
 A curadoria é de José Alberto Lovetro (JAL), com direção de Gualberto Costa.

Premiação
Os próprios participantes selecionados para a exposição é que votarão e elegerão o melhor cartum ou caricatura do Salão, que receberá uma premiação no valor de R$ 12 mil. A votação será aberta e feita por e-mail. Não será permitido o voto do autor no próprio desenho. Essa é uma experiência inédita nos salões de humor.

Memorial da América Latina - Inaugurado em 18 de março de 1989, o Memorial da América Latina é uma Fundação de direito público, sem fins lucrativos, com o objetivo principal de difundir as manifestações latino-americanas de criatividade e saber, buscando o estreitamento das relações culturais, políticas, econômicas e sociais do Brasil com os demais países da América Latina. Projetado e implantado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o Memorial está instalado próximo do Centro de São Paulo, no bairro da Barra Funda. O projeto cultural foi idealizado pelo antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, que propôs um papel importante: desenvolver no Brasil a consciência da integração e aprofundar a convivência e a amizade dos povos da América Latina. 
José Alberto Lovetro (JAL) - jornalista e cartunista, é o atual presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil. Iniciou sua carreira na Folha de São Paulo em 1973, trabalhando depois para os principais veículos de comunicação do país como o jornal O Estado de São Paulo, TV Cultura, TV Tupi, The Brazilians (EUA), Pasquim, Revista Sem Fronteiras (Holanda/Bélgica), DCI, TV Bandeirantes, TV Gazeta(SP), TV Manchete, Revista Semanário, Rádio Tupi, TV SENAC/SESC entre outros. Organizou mais de 150 exposições e salões de humor além de ser premiado pelo jornal Asahi Shimbun (Japão) como cartunista e ter recebido o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos por sua atuação na Campanha Diretas Já, em 1984. É criador junto com Gualberto Costa do Troféu HQMIX, o Oscar dos quadrinhos que está em sua 28º edição. 
João Gualberto Costa - arquiteto e diretor de arte é o atual presidente do Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil. Trabalhou como editor e diretor de arte em diversas editoras como PRESS, EBAL, Meribérica (Portugal) e Revista Bundas (Ziraldo) entre outras. Juntamente com o cartunista JAL escreveu o livro "História do Futebol através dos Cartuns" e “A história da seleção brasileira através das charges”. Foi pioneiro nos Salões de humor ao organizar o segundo Salão Mackenzie de Humor em 1978. Organizou diversas exposições e criou o Troféu HQMIX com o JAL.. Editor de diversas revistas, lançou vários desenhistas que hoje são nomes importantes da área. Foi um dos produtores de documentários de humor gráfico sobre o Pasquim e o Salão Internacional de Humor de Piracicaba pela TV SENAC/SESC e TV Cultura. 

Assessoria de Imprensa

Memorial da América Latina
Flávia Gatti / Daniel Pereira
(11) 3823 4644/4782/4647

Associação dos Cartunistas do Brasil
Way Comunicações
Bete Faria Nicastro - bete@waycomunicacoes.com.br
Tel.: (11) 3862-1586 / 3862-0483 / 99659-2111


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

"Receita para um Ano Bom", de Pedro Salgueiro para O POVO


Há mais de meio século tento (sem sucesso, claro!) uma fórmula competente para começar bem o ano novo. Desisti faz tempo das antigas listas de desejos, metas impossíveis e promessas mirabolantes, pois nunca cumpri razoavelmente nenhuma; poucos itens foram levados adiante – seja pela falta de forças, ou mesmo por culpa dos ventos (ou espumas) irregulares dos dias que nos surpreendem com novíssimas vontades, imposições prementes...
Entretanto vamos lá novamente arriscando renovar pelo menos as velhas esperanças... Tentarei (inutilmente, bem sei) cuidar um pouco mais da combalida saúde, diminuir uns bons quilos, regrar os excessos de bebidas e comidas e raivas; ler melhores livros, aqueles fundamentais que vamos deixando eternamente de lado tangidos que somos pela brisa fácil das novidades... 
Enfim, mais preocupações de pousos que de voos; de terra que de mar e ar – cousa da idade (ora direis!), que nos vai (ou seria se esvai?) apertando, encantoando-nos nessa antiquíssima sinuca de bico que chamamos simploriamente de velhice. 
Mas deixemos de coisas e cuidemos da vida (pois senão...), procuremos – ora, pois-pois! – as pérolas bem escondidas, aquelas raras, já que pouco tempo teremos pras banais... Porém tenham cuidado (e lá vou eu com os conselhos inúteis!), pois as mais valiosas se encontram frequentemente nos estercos da lida, pelos monturos das velhas amizades de infância, das paixões antigas, dos sonhos perdidos, daqueles medos evitados... 
E vamos, pouco a pouco, buscando desbravar menos os longínquos horizontes; entanto seria prudente cuidar mais do jardim e quintal; melhor tirar boas horas do dia para tanger os ventos que – roseanamente – redemoinham pelos terreiros; depois, então, sentar numa gasta cadeira que já foi do avô, simplesmente olhando, mais e mais, para as tortas unhas dos pés; enfim, espreitar menos espelhos... Fazer menos arrodeios! 
Contudo, se o leitor quiser mesmo começar melhor o ano novo, deve evitar principalmente ler velhos cronistas ranzinzas, desesperançados! Pule direto para os jovens otimistas, moços novidadeiros que adoram (como todos vós, não é mesmo!?) lustrar em público o limpo umbigo.


"Carta para você, jovem, neste começo de 2016", de João Soares Neto


Vista pelos jovens, a vida é um futuro infinitamente longo;
vista pelos idosos, um passado muito breve.”
Shopenhauer(1788-1860)

Sei existir lenda de que o jovem de hoje não lê jornais. Meia verdade. Talvez o leia pouco em papel, mas os jornais têm as suas mídias sociais e tudo fica lá, de forma permanente nos sítios, blogs, face e nas nuvens. Não há mais jornal de ontem. Há escrito não lido, ainda. Este artigo é reproduzido em blogs com qualidade. Essa certeza me faz ciente de que é preciso contar sempre com o jovem para tudo o que é novo.
O ano de 2016 está tinindo de novo. É hora de acabar com essa onda sadomasoquista de não acreditar no Brasil e falar: o jovem não tem futuro. O jovem tem futuro, sim. Desde que se prepare, estude e cumpra as etapas da vida. Ela cobra a cada dia. O maternal – ou a creche ou a casa de parentes – é o primeiro passo para a criança de hoje, com pais lutando para lhe dar melhores condições de vida. Depois, vem a escola, seja pública ou privada. Encare-a como necessária, como uma ginástica para a sua mente. As mentes precisam de informações. Elas, pouco a pouco, se transformam em conhecimento.
E aí chega o Enem, o Exame Nacional de Ensino Médio, nivelando a todos e os desafiando a sair do quadrado existencial onde os hormônios da juventude impõem arritmias, de formas distintas. Nós, os que fizemos vestibulares, tínhamos as mesmas apreensões, mas os que não brincam com as letras, com a memória e com os números, passam.
Não precisa ser gênio, basta não ser dispersivo, anotar o importante e ouvir, sempre. Repare, nós não tínhamos essa ferramenta fabulosa, o computador. Você a tem. E não só isso, sabe usá-la de forma rápida e eficaz.
Nessa fase da vida, é natural fazer parte de uma turma, de um grupo. Mas, não tenha medo de ser careta. Procure saber dos costumes de cada um, dos vícios surgindo do nada e dos convites mais inusitados. A opção é sua, não importa zoarem contra você. Os maiores amigos são seus pais. Não influi, por acaso, se estão separados. Eles amam a você, independente do casamento deles não haver dado certo. A vida não é estrada reta, possui curvas sinuosas, outras mais suaves, há atoleiros. Use a sua cabeça, uma espécie de tração 4X4 ou off Road.
Esta carta não é autoajuda. É apenas uma maneira de dizer que já passei por essas etapas. Ouvi irrisões, bati de frente com boquirrotos, recusei bebidas – além do meu limite – e fiz tudo do meu jeito. Estou aqui para dizer que não tenha medo do ano de 2016. Nós é que fazemos o ano, a partir do que somos e do que desejamos atingir. Não se poupe, dê duro.
A vida não é vitrine de loja atraente. A vida é o caminho que se traça sem alardes, com estudo, com coragem e fé em nós mesmos. Você não precisa ser validado por ninguém. Crie o seu estilo.
Os pais ficam velhos, mas nem sempre são caretas, acredite. Eles são psicólogos diplomados pela dureza do existir. Eles sempre serão os seus melhores amigos, mesmo quando dizem um “não”. Pare, pense e a resposta vem lá de dentro. Pode ser o contrário do desejado, mas use bem o recado da sua razão. 
Vou ficando por aqui e desejo a você, jovem desconhecido: trace rumos próprios e os persiga como se estivesse participando de uma maratona. A vida é uma longa maratona. Ajuste os cadarços. Feliz 2016.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Exposição Fotográfica “Cartas para Iemanjá”, por Jean dos Anjos (9.1)


Exposição Fotográfica “Cartas para Iemanjá”, por Jean dos Anjos.
Abertura: dia 9 de janeiro de 2016, às 19h.
Local: Espaço do Bem Viver (rua Silva Paulet, 903, Aldeota)

Sobre a Exposição, por Jean dos Anjos

Queridas amigas e queridos amigos.

Escrevo-lhes para dar notícias minhas. E espero notícias de vocês também. Como vão passando? Tenho saudades de vocês. Em 2015 quase não escrevi no blog. Vocês notaram? Estou quase terminando a faculdade. Tenho planos, muitos planos. Vou contando a vocês no decorrer do ano por aqui ou através dos Correios. Como vocês sabem, eu adoro cartas.

E é sobre cartas a minha próxima Exposição Fotográfica. Cartas para Iemanjá é o nome que escolhi. Dialoga com a anterior: O Céu de Iemanjá. Está linda, são oito fotografias escolhidas com muito carinho. As fotografias falam sobre as nossas intenções quando estamos na beira das águas de Iemanjá. Os nossos pensamentos que são lançados ao mar. As imagens falam de destino e destinatária. Falam de relações. E falam de religare, aquilo que liga e une o humano e o divino.

As cartas contém as nossas intenções dentro de envelopes. Ou mesmo um cartão-postal vindo soltinho pelas mãos do carteiro. A gente encontra na caixinha dos correios pregada no muro ou no chão da área de casa. Que sentimentos as cartas provocam em vocês? Vocês ainda recebem cartas? Vocês recebem cartas por e-mail? Enviam cartas de amor (ridículas)? Como vocês têm se relacionado com as pessoas distantes? Apenas pelas redes sociais? Vocês ainda escrevem com caneta e lápis ou apenas digitam no computador? Digam-me.

Eu tenho voltado a escrever cartas, queridos e queridas. Tenho enviado e tenho recebido. Tenho demorado na fila dos Correios. Tenho conversado mais com pessoas desconhecidas. Com a moça da agência, com o carteiro aqui do bairro. As cartas me trazem relações. Elas têm produzido milagres na minha vida, no meu corpo. Tenho sido mais feliz. E é assim que me despeço de vocês. Convidando novamente para ver as cartas em formato de fotografias. Imagens e intenções visíveis e invisíveis. De tantos destinos para a destinatária. Do Ceará à Bahia. As cartas para Iemanjá.

Fortaleza, 4 de janeiro de 2016.