sábado, 21 de março de 2015

Marília Lovatel, sobre "Os Acangapebas" de Raymundo Netto


De poesia, solidão e gatos 
Eles passeiam no livro. Em passos de pisar em pano caminham pelas folhas de papel reciclado. Das histórias, verdes olhos brilhantes espreitam quem lê. Olhar conhecedor do que está guardado no volume, onde moram. Olhar cúmplice de tantas solidões. Os gatos são espectadores da vida que passa. O tempo parece não afetá-los. Se cansam de existir, somem. Sabe disso quem teve tias velhas solteironas em casas estreitas e compridas, os bichanos por companhia. A impressão de um bocejo preguiçoso revelador de rósea língua e finos dentes. Imagem saltada das entrelinhas ou da memória. Que vontade de permanecer nessas páginas... Com essa gente que se revelou tão minha. O cheiro do café, as cadeiras na calçada, as canções. Quase esquecera que existiu um mundo sem pressa. Sem pressa termino a leitura de Os Acangapebas. E hesito em devolver a poesia tomada de empréstimo aos felinos guardiães das crônicas e dos contos de Raymundo Netto. Nos cantos dos olhos, surpreendem-me lágrimas de uma emoção boa de sentir. Com a palma da mão repito na capa o último gesto de carinho: "(...) Lindo!"
Marília Lovatel, escritora e educadora,
ganhadora do Prêmio Nacional Jovem escritor (1988), coautora (com o filho Matheus Lovatel Pena) de Templária: cidade entre mundos (Novo Século) e autora de Sala de Aula e outros contos (Scipione), indicado para o Catálogo de Bolonha.

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