Cena de A Casa, adaptação da peça homônima de Natércia Campos
“Fui feita com esmero, contaram-me os
ventos, antes que eu mesma dessa verdade tomasse tento.”
Aqui, quem nos conta, em pessoa, é a
casa grande Trindades, A Casa de
Natércia Campos (1938-2004), contista e romancista que deixou a casa-Terra mais
cedo do que devia.
Mas a arte permite que a voz, da casa e
da Natércia, se perpetue por meio da obra reconhecida pelo Prêmio Osmundo Pontes
de Literatura em 1998, pela lista de indicação de obras para o vestibular em
2004 e pelo Prêmio Otacílio de Azevedo de Reedição da Secult, em 2011, que tive
o prazer de elaborar.
Mas, desta vez, não será o livro, pelo
menos não o veículo livro, o protagonista dessa apresentação, mas o teatro!
A
Casa,
por meio da Blitz intervenções, adaptação da obra homônima, se encontra em
cartaz, em temporada prolongada, até o
final de março, no teatro Sesc Emiliano Queiroz.
Assisti a peça no final de semana
passado –sábados e domingos, às 20h – e fiquei deveras impressionado. Conheço o
texto e por isso mesmo estava curioso e temeroso como seria o resultado dessa
adaptação, de fato muito difícil. E, asseguro: não poderia ser melhor.
Numa montagem aparentemente econômica, três
atores (Jadeilson Feitosa – também diretor e o adaptador da obra, Felipe
Revuelta e Raissa Satepravo) tomam conta do palco, ou da Trindades, interpretando
seus “casos” com muita criatividade e agilidade – iluminação, figurino e
cenografia muito bem elaborados –, dando-nos a impressão de várias gerações
desfilando diante de nossos olhos, de nossos sentidos, com todas as suas
emoções e vidas.
Estão todos lá: a velhinha tia Alma, com
sua voz fininha de criança, tomando conta do sono dos meninos e pensando que “as
pessoas devem ser despertadas pela natureza com tranquilidade para dar tempo
para que a alma ausente retorne” ou na certeza de que “não se casou por culpa
do vento” (preenchendo a cena as “longas, fartas e claras tranças” da finada
centenária Alma, “as primeiras relíquias daquele sertão”). O amor homoafetivo
do bisneto e o primo que “praticavam a posse inversa”. A história do espelho
que veio da Europa e se partiu. O Pintor e o Passador de Gado, a contar a
história do encoletado de couro, vingança violenta de um marido traído. A saga
de Custódio, esposo de Eugênia, que desde criança deitava-se, escondido do pai,
“encolhido aos pés da mãe, lugar de maior espaço na cama”. Seu incesto com as
filhas Ana e Beatriz. A morte de sua mãe. A chegada de Maria, guardiã das rosas-meninas,
que tinha lá suas manias de limpeza, mas que, para frustração do marido, não
emprenhava. O nó feito a quatro mãos, com auxílio de uma velha conhecida, a cruel
Moça Caetana: “Canta Maria, que a melodia é singela/canta que a vida é um dia,/
que a vida é bela, linda Maria.” A invejosa, e também nora, E-me-ren-ci-a-na, que
vivia coberta de ouro para dar cura a uma perna menor do que a outra.
Crendices, costumes, superstições e passagens regionais, poesia, escuridão e
luz, num envolvente e inquietante arranjo cênico que funciona, emociona,
sensibiliza e que traduz, por meio da poética de Natércia, a vida que poderia
ser a de todos nós, como assombrações dependuradas em retratos nos ventos.
Sob as telhas dess’A Casa, talento, criatividade e muita emoção, revelando a boa dramaturgia
que o Ceará tem para apresentar.
Aconselho demais!
Serviço
A Casa
Data e Horário:
Sábados e domingos de março, às 20h
Local:
Teatro Sesc Emiliano Queiroz (Av. Duque de Caxias, 1701, Centro – em frente ao
Dnocs)
Ingresso:
R$ 6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia)
Informações:
(85) 3452.9090
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