quarta-feira, 18 de março de 2015

"Lição de Liberdade", crônica de Carlos Roberto Vazconcelos


Um amigo me contou que seu pai, ao vir passar uns dias com ele na capital, comentou mais ou menos assim: “Meu filho, eu não gosto daqui porque a vista da gente termina cedo, bate num muro, ou numa casa, parece que quer voltar para dentro dos olhos. No interior não, tudo é a perder de vista!”. O interior de que ele fala é propriamente o campo, nicho primitivo do homem, onde terra e céu parecem dar as mãos, onde as retinas não encontram obstáculos para a sua liberdade.
E foi pensando em liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que a explique, e ninguém que não entenda, como disse Cecília Meireles, que compreendi perfeitamente a queixa do pai do meu amigo. A liberdade começa pela vista, ou melhor, pelo alcance da vista. É por isso que amamos o mar. Mar é sinônimo de liberdade, é antítese de limite. Uma vez à beira-mar, já nos sentimos viajantes. O segredo é levantar os olhos. Antigos marinheiros, mui amantes da liberdade, inconformados com o infinito, achando pouco o imensurável, atiraram-se por oceanos nunca dantes navegados e foram além da Taprobana ou do Bojador. Para eles, liberdade e felicidade eram mais do que uma rima. Estava criada a expressão além-mar.
Comparo cidade sem mar com casa sem quintal. Limita os movimentos, suscita a claustrofobia. Toda cidade deveria possuir pelo menos muitas praças e, se possível, um bosque. Tudo isso traduzido chama-se liberdade, muito embora liberdade não seja apenas isso.
Nas décadas de 1960 e 1970, filmes de faroeste faziam grande sucesso. Homens montados em cavalos viviam as mais bravas aventuras, soltos pelas pradarias, montanhas e vales, sempre a divisar um rio valente ou uma planície sem fim.
Por que razão tais películas exerciam tão mágico efeito sobre os espectadores? Acredito que um dos motivos era exatamente a tal liberdade. Já observaram como a paisagem do Velho Oeste é ampla? Quem não gostaria de estar na pele do herói, solitário ou não, a varar o mundo sem preocupação com horário, tempo bom ou ruim? Mesmo sabendo que nem tudo é bonança na vida do caubói, o público se identifica com a sua liberdade. O caubói é o sujeito mais livre do mundo e só tem na vida três compromissos: manter-se vivo, municiar sua arma e alimentar seu cavalo. O resto vem de sobeja: algumas belas mulheres, o frescor do riacho de águas límpidas, um novo sol a cada dia e, principalmente, a paisagem infinita a perder de vista.
Já escafandristas e astronautas não me remetem à liberdade. São monitorados, controlados, assistidos e dependem de indumentária complicada. Para respirar, necessitam de aparelhos de oxigênio e de alguém que os controle. Na maioria das vezes sua paisagem é monótona e seus movimentos restritos. Não, definitivamente, isso não é liberdade. Só a paisagem a perder de vista faz a alma se encontrar.
O homem construiu sacadas, torres e mirantes, inventou binóculos e lunetas, porque entende que a liberdade entra pelos olhos. Mesmo olhos incapazes de reter a luz flertam, intimamente, com o infinito que traduz a grande libertação, vislumbre do “reino de Deus” que mora dentro de nós. 
Um dia, a humanidade descobrirá, por certo, que a tão decantada liberdade só frutifica quando semeada no solo da alma. Quando todo homem aprender essa lição de liberdade, poderá voar “das cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes” (como disse Castro Alves) e repetir com Chaplin estas palavras do discurso final de O Grande Ditador:
“Levanta os olhos, Hannah! A alma do homem recebeu asas e finalmente começou a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Levanta os olhos, Hannah! Levanta os olhos!”.

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