É preciso muita coragem para se entrar numa guerra. Mas é
preciso de muito mais para sair dela.
O povo do mundo é uníssono, todo
parecidinho, nem sei por que de tanta inveja. Entre nós cresce a globalização,
sinal de desindividualização, da descriatividade, de privilégio à produção
(pensamento e ação) em massa, em detrimento à inteligência. As pessoas
“griffadas” ouvem, veem, falam e gostam das mesmas coisas, aquilo que vende
muito, não por coincidência, o que os jornais, rádios, revistas, outdoors e
televisão insistem ser fenômeno, ser bonito, ser o melhor. Para se viver,
adotamos patrocinadores. Enquanto consumimos, somos consumidos. É o sistema que
abraçamos, enquanto ele nos crava as unhas nas costas.
O dinheiro, grande olho da providência
— deus maior da (des) humanidade a se render ao seu credo (ou crédito) —
convencido de controlar a todos e a tudo, a destruir vidas, sentimentos, laços
familiares, a corromper até os grandes sacerdotes e pôr abaixo os ideais
aguerridos, cada vez mais concentrado — se existem mais ricos é porque nós
estamos cada dia mais pobres —, aumenta a selvageria entre os iguais numa
sociedade desigual onde o custo de vida e a desesperança se tornam cada vez
maiores.
A escola pública, possível no
passado, foi desmoralizada, juntamente com seus agentes, para que a escola
privada — tabletizada e ipadizada — nos provasse todos os dias que a sua irmã
pobre é uma perdedora, destinada a não chegar à universidade, não fosse escada
proúnica levantada, por favor, pelo governo. A Saúde Pública, com o tempo,
adoeceu, e nos convenceram de que a vida não seria possível sem ter o tal plano
de saúde — plano este que, basta precisar dele para se adoecer gravemente... de
raiva! — e, agora, a medrosa segurança pública que não existe, claro, nem nunca
vai existir, pois não precisamos de mais leis, mais cadeias, nem de mais
policiais, além do que, quanto mais se criam leis, constroem cadeias e se
contratam policiais, mais teremos confirmada a inferioridade de nosso povo e a
incompetência de nosso governo. Para se ter segurança, precisamos investir em
Educação (não apenas de mais escolas ou de mais professores, mas de formação
continuada, de qualidade e de recursos bem geridos), Cultura (reconhecimento de
nossos artistas, de nosso patrimônio, de nossa identidade e aprender a olhar de
frente para a nossa gente), Saúde (menos tecnologia, mais humanidade,
saneamento básico, maior salário e condições de moradia digna), Justiça (menos
juízes, menos advogados, menos privilégios, mais rigor e honestidade) e Lazer
(precisamos formar e investir nos talentos locais, pois dá para fazer um bocado
de coisa com os cachês astronômicos pagos a artistas “de fora” ou aos
“artistas” que servem unicamente ao poder da vez).
Temos que aprender a olhar para
baixo. De ônibus, pelas janelas, a cidade feia como nunca, e, pior, tomada pela
miséria (estética e funcionalmente). Famílias inteiras morando nas ruas,
crackando nas calçadas e até roubando à luz do dia. Percebe-se: o cerco está se
fechando. A miséria — não os pobres — e a violência estão chegando à nossa
porta. Nosso egoísmo, ignorância e covardia, nossa ruminante inutilidade de
gado, alimentam o monstro que um dia emergirá da lagoa, tão horroroso e cruel,
penso, que não poderemos suportar.
Nesse mundo, quem acredita, quem
ainda sofre de indignação pela injustiça alheia, quem de fato se solidariza com
a dor do outro — e não apenas repete lamentos vazios de “gente boazinha e
religiosa” ou discursos naftalínicos de ideologias de palanque — esse é como
“boi de piranha”, escolhido ao sacrifício para que a manada toque em frente. A
guerra, para ele, sem “pasta”, púlpito nem paletó, será a sua ruína. Cansado,
com “a leve impressão de que já vai tarde”, encaixota a voz e o coração, e tira
sabe Deus de onde a coragem para dizer que “chega!”
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