sexta-feira, 16 de setembro de 2011

"Simpatia", crônica de Ruy Lima, para O POVO



Quando eu era bem garoto, por volta de 1913, um dia meu melhor amigo bateu lá em casa para dizer, aos prantos, que os pais dele tinham se separado. Levei um choque. Eu achava que pais nunca se separavam. Mais tarde comecei a perceber que outros amigos também tinham pais separados. Achava isso uma tremenda ignorância. Pais se separarem, ainda mais tendo filhos. Morria de medo que pudesse acontecer o mesmo comigo. Não tinha nenhum motivo real para me preocupar. Sempre acreditei que meus pais viviam um casamento sólido e feliz. À medida que fui me tornando adulto, entendia ser cada vez mais difícil as pessoas manterem uma relação duradoura, eterna. O mesmo homem, a mesma mulher pra sempre?

Há muitos motivos para colocar à prova o relacionamento entre casais. Um deles é a duração, a longevidade. Quanto mais longo o casamento, maiores os desafios. Não existe fórmula certa, receita infalível. Quem já se aventurou numa relação sabe que a vida não é feita apenas de beijos e romantismo. Vira e mexe, o pau quebra. Dê o sentido que desejar. Surgem brigas, o tesão esmorece. Existem várias maneiras de superar o tédio e esquentar a relação.

É preciso ainda respeito, reciprocidade, paciência, afeto, abnegação. O amor é exigente.

Minha tia-avó ensinava uma simpatia para o casamento perdurar. Basta escrever no papel o nome completo da pessoa amada, colocar dentro de um pote e derramar açúcar caramelado por cima. Tampar, enterrar em um lugar onde ninguém pise e nunca revelar a ninguém que você fez a simpatia.

Meus pais fizeram mais simples: quando ficaram noivos, escreveram os nomes deles a canivete, no tronco de um abacateiro que florescia na casa de meu avô. E desenharam em torno um coração flechado. Sempre que eu ia a Belo Horizonte, corria para o quintal da casa, o coração disparado, para me certificar de que o compromisso de amor ainda estava lá.

Não sei bem qual das fórmulas é a melhor. Mas depois de amanhã meus pais completam sessenta anos de casados. Uma versão comovente e honesta de dois sobreviventes.

Salve, simpatia.


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