Virada do ano, roupa branca, três pulinhos nas ondas do mar, lentilhas na carteira e, obviamente, pedidos para o ano que vem se aproximando, e sempre a possibilidade de um sonho realizado.
Que tal aprender a cozinhar? Singelo e quase despretensioso. Para nós, pobres mortais, sempre tão cheios de sonhos e preocupações, soa quase como um deboche. Mas acredite, é real. E, vindo de quem vem não causa muita surpresa, apenas alimenta mais o sentimento de "inveja branca" para com esta singela sonhadora que atende pelo nome de Angélica, a lourinha que ia de táxi na década de 80 e que agora vai às compras de Natal de helicóptero, esnobando sua "super felicidade" pelos ares, mares e terras deste país de miseráveis, de gente marcada pela dor, pelo sofrimento e por tantos sonhos enterrados a cada ano junto com o bom velhinho.
Nada contra a felicidade de ninguém, mas vamos combinar que para tudo há um limite, inclusive para a felicidade. Está ficando insuportável esta felicidade sem fim da lourinha e de sua família “Doriana”.
A mídia parece ter embarcado neste delírio e não se cansa de registrar e propagar essa ideia de felicidade, chegando a extremo de rechear um texto com adjetivações como linda, rica, bem casada, bem sucedida, amada, mãe extremada, filha dedicada, ufa! Cansou? Agora imaginem a dona-de-casa que trabalha oito horas por dia, madruga para deixar a comida pronta para os filhos, pega quatro ônibus por dia, que há meses tenta uma consulta para o filho que sofre de uma cardiopatia, que tem o marido desempregado, alcoolismo batendo na porta e que, como a lourinha, teve todas as ilusões do mundo. Não dá para condená-la por uma dose de inveja.
A mídia erra duas vezes. Primeiro, quando esnoba a realidade brasileira, que não se parece em nada com o cenário cinematográfico da família Huck; segundo, quando se deixa levar por um conceito de felicidade tão efêmero, tão superficial.
Felicidade tem que ser algo mais do que brilhar na escuridão. Não posso acreditar em um estado supremo de alegria e felicidade num mundo cercado de dores, desigualdades, insegurança, e sentimentos outros que tiram o sono de milhões de brasileiros, sim, menos o da dona Angélica.
Dito isso, é sempre bom lembrar que nem o mais inocente dos bebês é capaz de crer nessa felicidade toda. Com certeza, se procurarmos bem, lá no fundo, encontraremos algo nos jardins da família “Doriana” que não funciona bem, nem que seja o sistema de refrigeração do orquidário. Bem, todos têm lá suas dores. E, para finalizar, fico com a frase da semana, dita pela jornalista Ana Paula Padrão, ao falar sobre sua dificuldade de engravidar: "todos têm suas dores, talvez esta seja a minha".
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