Por hábito, em tempo demais diante deste monitor, passeio pelos cantos da casa.
Num desses, alonguei-me à cozinha, esbarrando com o cesto de roupas estranhamente deslocado. Conhecendo o método da esposada, senti-lhe o esquecimento, e daí, vítima que sou da convivência cordial (poderia simplesmente fingir não ter visto que todos acreditariam, assim como fazem meus iguais) decidi eu mesmo pôr ao sol, no varal de chão da varanda, tais roupas.
Foi quando me dei conta de que tudo aquilo eram calcinhas (de minha esposa e das duas filhas). Pus-me a estender, uma a uma, a calcinhada. Na hora (quem escreve está sempre pensando bobagens), lembrei uma amiga que defende: os homens acreditam que cuecas nascem, no fundo escuro de suas gavetas, por geração espontânea! Obrigo-me a concordar. Conheço várias mulheres que estranham o infindável tempo de vida de nossas cuecas. Com meu pai também era assim. Geralmente, são elas, as esposas, que se ocupam de renovar-nos o acervo. Ao contrário, nós, homens, somos tomados pelo espanto do nada suficiente das mulheres: nem calcinhas, nem sapatos, e imagine o que mais... Elas são muitas dentro de uma só, justificada a complexidade de suas irresistíveis almas femininas. Comecei a pensar se existiria uma média racional entre o número de calcinhas para cada sutiã ou pescoço. Lembrei também de uma curiosidade: no Japão, para combater o calor, vendem-se, em máquinas encontradas no meio da rua — e em embalagens como as de sorvete —, “calcinhas geladas”, que, segundo os fabricantes, são recomendadas também para serem usadas nas cabeças. Imaginava a ridícula cena, quando percebi que das demais varandas e janelas dos outros apartamentos, algumas vizinhas ou suas empregadas observavam-me ao serviço. Surpreendidas se riam, desapareciam das janelas, escondiam-se por trás das cortinas. Já embaraçava-me, quando veio-me a ideia de colocar os pregadores de roupa (em Londres já existem pregadores com previsão de tempo, sabia?), mas eram tantas as calcinhas...“Haja pregador!” Ah, assim já era servilismo demais... Voltei ao trabalho e as esqueci.
À tarde, porém, num dos passeios pela varanda, constatei: as calcinhas, insufladas pela iniciativa de uma fresca, tomaram vida e voaram rumo ao ignoto. Tragédia anunciada! Pensei na bronca da esposa: “Quem mandou mexer no que não era chamado?” Bem que eu poderia culpar o macaco Chico, o do Lalau, aquele que, tarado por calcinhas, invadia as residências do Bonsucesso carioca a roubá-las e as rasgava em cima dos telhados. “Não, ela não acredita em literatura”... Tive que, então, rapidamente, catá-las no térreo, nas garagens, no jardim. Vendo uma a tremular à grade da janela de baixo, pensei em passar na vizinhança, bater-lhe à porta a recuperá-las. Indecoroso seria o zelador, com fingida normalidade, perguntar-me, calcinhas à mão, “É do senhor, seu Netto?”, e eu ter que, com constrangimento, responder-lhe que sim.
À medida que as encontrava, recolocava-as no varal, desta vez com os pregadores, antes de minha esposa chegar e ver o mal feito. Então, jurei a mim mesmo: nunca mais nesta vida haveria de tocar numa calcinha, a não ser na presença da usuária, e se, e somente se, ela me estorvasse em qualquer coisa.
Raymundo Netto que não entende nada de calcinhas, mas tem curiosidade em ver uma “aumenta bumbum”... Contato: raymundo.netto@uol.com.br blogue AlmanaCULTURA: http://raymundo-netto.blogspot.com/
Ri demais. rsrsrsrs
ResponderExcluirObrigada Raymundo, pelo anti estress natural. Visualizei a cena toda. rsrs
Caro Raymundo Netto,
ResponderExcluirApreciei muito a sua crônica "íntima". Faltou lembrar o fetichismo masculino, de certos filhos de Eva, que satisfazem seus caprichos consumistas, adquirindo em Pornoshops,calcinhas mastigáveis.
Externo, por outro lado, a minha preocupação com os possíveis desdobramentos familiares da publicização do seu belo texto, para que a sua integridade física e psíquica não sofra quaisquer arranhões.
Com um abraço de Marcelo Gurgel
Ray, sua crônica gerou toda uma pesquisa no CCBNB Cariri. Estamos procurando outros textos sobre o assunto p montarmos um CLUBE DO LEITOR no Carnaval sobre o tema CALCINHAS. Já localizei textos do Carlos Vaz, do Ricardo Kelmer, do Ignácio de Loyola e do Stanislaw Ponte Preta. O gerente adorou a ideia!
ResponderExcluirGrata pela inspiração!
Comecei o meu domingo rindo.
ResponderExcluirÉ um assunto inusitado, geralmente levado a piadas ou grosserias, mas que v. trata com delicadeza - divertindo passo a passo.
Abraços.