Em 1969 o diplomata Vinicius de Moraes foi forçosamente aposentado, após 26 anos de serviços prestados no Brasil, Los Angeles, Paris, Roma e Montevidéu. A decisão do Itamaraty ocorreu no contexto do Ato Institucional no. 5, o famigerado AI-5, que a ditadura militar decretou para conceder poderes extraordinários ao Presidente da República e suspender garantias constitucionais dos cidadãos. A alegação oficial era de que o comportamento boêmio de Vinicius não condizia com a carreira pública.
Na verdade, a boemia foi apenas o pretexto. O que era realmente insuportável para a mentalidade ditatorial era ter, em seu quadro diplomático, um poeta da paz e do amor, artista de sucesso e amigo de todos, um homem popular e amado pelo povo. Vinicius não criticava abertamente a ditadura militar mas a paz, o amor, a liberdade e a alegria que exalavam de sua arte e de sua vida simplesmente não cheiravam bem aos militares.
Evidente que Vinicius ficou muito chateado pela exoneração, ainda mais com a justificativa que teria sido dada pelo governo do Marechal Costa e Silva: “Precisamos limpar o serviço público desses bêbados, corruptos e homossexuais.” Mas ele não perdeu o bom humor. Conta-se que, ao reencontrar os amigos, Vinicius apareceu com uma garrafa de uísque debaixo do braço e foi logo dizendo: “Eu sou o bêbado, viu?”.
Autoexilar-se na Europa e juntar-se aos amigos que viviam lá – Vinicius até pensou nisso mas preferiu ficar no Brasil e continuar fazendo resistência política a seu modo, com a sua arte e sua mensagem de amor e paz. Se oficialmente não era mais diplomata, na prática ele prosseguiu representando e divulgando a cultura brasileira para velhas e novas gerações, no Brasil e no exterior, como nenhum diplomata fez e provavelmente jamais fará. Até que em 1980 ele deitou em sua banheira amiga e deixou-se morrer, vítima de um edema pulmonar. Ele se foi mas nos legou a herança de sua arte imortal e seu inspirador exemplo de vida.
Corta a cena para 41 anos depois. Estamos agora em 16 de agosto de 2010. Nesse dia, em Brasília, numa cerimônia que conta com a presença de amigos e parentes de Vinicius, o presidente Lula assina sua promoção póstuma ao cargo máximo de embaixador, respondendo ao movimento popular que se articulara em pró da reabilitação e promoção de Vinicius. A imprensa de vários países noticiou o fato e certamente muitas garrafas de uísque pelo mundo foram abertas para festejar a reparação histórica. Embora a exoneração tenha sido obra exclusiva de uns militares covardes e mal-amados, a promoção póstuma do nosso mais querido diplomata faz a sociedade brasileira se livrar de um peso moral que carregava havia quatro décadas.
E eu, que comecei a amar Vinicius em minha adolescência, ainda estou aqui vibrando e brindando de contentamento. Mais que poeta preferido, Vinicius de Moraes é um guia que ilumina meu caminho com seu radiante exemplo de vida. E foi para homenageá-lo que criei, em 2009, o espetáculo Viniciarte – Vida, música e poesia de Vinicius de Moraes. Levar às pessoas a vida e a obra de Vinicius, com humor e emoção, é pra mim um grande prazer. Mas também é a melhor maneira que eu poderia encontrar de dizer:
– Obrigado, poeta. Parabéns, embaixador.
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