domingo, 4 de dezembro de 2016

Poesia para a Vida não ser Tão Vazia: Toques de Manoel de Barros

Manoel de Barros, por Roberto Higa
(imagem escolhida apenas porque adoro janelas)

O Apanhador de Desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Retrato do Artista Quando Coisa
A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Os Deslimites da Palavra
Ando muito completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina.
Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas


Manoel de Barros (Cuiabá – 19.12.1916 | Campo Grande – 13.11.2014) é certamente um dos mais originais poetas que passou por esta Terra. Autor de várias obras, entre as quais: Livro de pré-coisas (1985), O guardador das águas (1989), Concerto a céu aberto para solo de aves (1993), Ensaios fotográficos (2000), O fazedor de amanhecer (2001), Menino do mato (2010)... enfim, como não sou besta, tratei de comprar a sua obra completa. Melhor presente ainda, é você poder ler com a namorada (ou o namorado) diante do mar, em noite de lua e em paz. TENTE pôr poesia na veia!


2 comentários:

  1. Amei a postagem poética de Manoel de Barros, sei o quanto a poesia nos preenche a vida e por vezes nos transporta a outra galáxia a da alquimia. Abraços amigo!

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    1. Valeu, Cris CPL. rsrs Lembranças para o Meu Bem. rsrs Obrigado pela leitura.

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