A Livraria Feira do Livro, em 1956, na praça do Ferreira.
Manuel Coelho Raposo nasceu em Crateús, Ceará, em 24 de abril de 1933. Entre outras e tantas coisas, foi poeta, editor, livreiro e, acima de tudo, um revolucionário. Era aquele a quem José Alcides Pinto denominaria de “Poeta da Liberdade”. Sobre ele, escreveu Alcides Pinto: "Manoel Coelho Raposo é de uma dignidade a toda prova, e isso faz dele um intelectual raro nos dias de hoje. É que sendo um poeta genuíno e gerúndio, se identifica com o mundo e tudo que lhe cerca nessa dramática aventura de viver. Ele assume a adversidade e os perigos que por ventura cruzem seu caminho. É um homem destemido e que jamais fugiu da luta. Pelo contrário, prefere o desafio, seja ele qual for, cara a cara, frente a frente, venha de onde vier, trocando a espada pela pena, única arma que carrega como escudo e talismã em toda a sua vida. E por ser um guerreiro invicto, nada teme. A tristeza não encontra espaço em seu caminho, a presença desta é substituída pela luta de classes, a luta popular."
Sobre
a sua juventude e a descoberta do livro, nos conta o próprio Manuel Coelho
Raposo: "muito jovem, na pequena cidade de Crateús no sertão do Ceará,
enxerguei nos livros a minha janela para o mundo, lia tudo que vinha às minhas
mãos e como achava que os outros também deviam participar desse maravilhoso
mundo da leitura criei uma pequena biblioteca, a qual mantinha graças a algum
dinheiro apurado na venda de frutas nas ruas da cidade. De repente, achei que
somente ler era pouco, tinha que escrever, que passar a outros minhas
impressões sobre tão variados temas e, aí pelos dezoito anos, já participava de
um concurso literário, tirando o primeiro lugar. Daí para frente nunca mais
parei."
O
certo é que em 1951, quando residia no Crato, ainda comerciário, participou da
campanha em prol da redução da jornada de trabalho, na época chamada
"Semana Inglesa”. Pelo apoio à justa campanha foi demitido: “Vá ser
comunista!”. Pois bem, vendeu toda a sua biblioteca a um amigo de Cratéus e, em
1952, veio a Fortaleza, ingressando assim no Partido Comunista, o antigo “Partidão”.
Nele,
foi designado para trabalhar em O
Democrata, jornal do Partido. O partido teria também uma livraria e,
percebendo no jovem essa paixão pelos livros, a deixou aos seus cuidados. Ali,
naquela livraria, mergulhou na leitura marxista, além de acompanhar as revistas
que chegavam da antiga União Soviética e da China. Assim, daqui a pouco já escreveria
seus próprios artigos n’O Democrata,
utilizando o pseudônimo de “Petrônio”.
Além
de O Democrata, vendia o Classe Operária, Voz Operária e a revista Problemas.
Mais
tarde, deixaria a livraria e passaria a vender livros de porta em porta. O
primeiro livro vendido foi O Cavaleiro da
Esperança, biografia poética de Luiz Carlos Prestes, escrita por Jorge
Amado.
Passou
a se contactar com outras editoras e a receber e comercializar mais livros.
Decidiu, conselho de um amigo, criar uma livraria
ambulante, isso mesmo, uma espécie de guarita sobre rodas, que transitava
por toda a cidade, ficando até meia-noite na praça do Ferreira. E ali, naquele
ponto, passaram a se reunir amigos, colegas e correligionários, discutindo
sobre literatura e sobre socialismo, fazendo inclusive lançamentos de livros e sessões
de autógrafos de autores como Jorge Amado e Jáder de Carvalho, ambos com mais
de 800 exemplares vendidos numa única noite. Com esse sucesso, se empenharia
para conseguir o alvará da prefeitura, e fez-se ali, em 1956, a sua livraria: a
Feira do Livro.
Carismático,
inteligente e idealista, cultivou grandes amigos e fregueses, se tornando um
dos empresários do ramo de livros mais bem sucedido no estado do Ceará.
Conta-nos
o próprio Raposo: “Assim nasceu a livraria Feira do Livro, que
tornou-se, para a época e lugar, uma grande rede de livrarias nos estados do
Ceará e Rio Grande do Norte. Éramos distribuidores das editoras Civilização,
Vitória e São Paulo, portanto o maior distribuidor e vendedor de livros
marxistas na região. Tudo isso durou de 1956 a 1964. Com o Golpe militar de 64,
todo o acervo foi apreendido pelo Exército, eu fui para a cadeia e, além do
prejuízo que significou o golpe para a luta do nosso povo, tivemos a
irreparável perda dos livros."
De
fato, em 1964, Raposo seria preso e encarcerado no 23º Batalhão de Caçadores,
onde passou 33 dias. Lá ele escreveu seu poema “Treme o lado direito da rua”.
“...
O silêncio / do silêncio surge a "profecia" / "toda noite tem
aurora" / quebra-se o silêncio / do lado esquerdo da rua / rompe o sol no
horizonte / os raios invadem o lado / esquerdo da rua / a liberdade se anuncia
/ treme o lado / direito da rua.”
Com
o golpe e com dificuldade de continuar no ramo, mas com o coração repleto de livros,
em 1968 decidiu escrever o seu primeiro livro, Cantos para o bem dizer, e, juntamente com outros artistas locais,
começou a planejar o lançamento de uma revista cultural que, mais tarde, em
1975, se denominaria O Saco. A
revista, que era editada por Nilto Maciel, Carlos Emílio Correia e Lima e
Jackson Sampaio, chegou a ter distribuição nacional, mas, por questões
financeiras, não durou muito, sendo, porém, um feito para a época.
Em
1978, ajudou a criar, em Fortaleza, a Frente Sindical dos Trabalhadores Rurais e
Urbanos, uma precursora da Central Única dos Trabalhadores (CUT), também uma
antecipação da fundação do PT.
Em
1980, rompeu definitivamente com o PCB, acompanhando o posicionamento
autocrítico de Luís Carlos Prestes, embora, mais tarde, criticou o próprio
Prestes por não ter assumido a reorganização do Partido Comunista Brasileiro.
Em 30 de abril de
1983, publicou, pela Popular Editora, com redação e administração na rua
Liberato Barroso nº 1093, o primeiro número do jornal O Popular, de ideais socialistas, que era dirigido por ele, Paulo
Verlaine Coelho e Rosana Coelho Raposo
Gomes, sendo redatoriado por Jader de Carvalho, Durval Aires de Menezes,
Fenelon Almeida, Gervásio de Paula, Lúcio Lima, Olavo de Sampaio e Rogaciano
Leite Filho. Na mesma época, imprimia e distribuía
o jornal cubano Granma Internacional.
O Popular, pelo mesmo motivo de O Saco, não teve muitos números.
Em
1993, diante do colapso da União Soviética e das críticas veementes ao
socialismo, Raposo voltou a defender o comunismo, lançando a obra Stalinismo, reforçando o pensamento de
Lenin e Stalin.
Em
2009, assumiu o conselho editorial do jornal A Nova Democracia. Mais tarde, adotando o maoísmo, trabalharia em
prol da Reforma Agrária e da luta pela defesa dos direitos indígenas.
Seu
camarada José de Brito, assim resume os últimos 20 anos de vida de Raposo:
“Nas
duas últimas décadas lutou pela autodeterminação das nações indígenas e
particularmente pela imediata demarcação das terras do povo Tapeba. No último
período de sua vida lutava tenazmente pela reconstituição do Partido Comunista
do Brasil, como um autêntico partido revolucionário do proletariado, e por uma
revolução agrária diferente desta enganosa reforma agrária, que no essencial
não passa de um corrupto negócio agrário para enriquecer os latifundiários.”
Entre
seus livros, destacamos: Socialismo ou
Genocídio, Golpe Soviético: a farsa
do século XX, Poemas de uma Alma de
Outono, Cantos de Amor e Liberdade,
e o seu último Caminhos Paralelos.
No dia 10 de novembro de 2009, no Hospital de Messejana, faleceu Manuel
Coelho Raposo, vítima de um parada respiratória, resultado de um enfisema pulmonar
que o maltratou durante 20 anos.
Os funerais de Raposo,
no dia seguinte de seu falecimento, foram realizados na funerária Alvorada. Foi
um ato político com pronunciamentos de amigos e companheiros, declamação de
poemas e com o canto da Internacional e
outras canções revolucionárias. Seu corpo foi cremado e as cinzas, como era de
sua vontade, entregue aos índios Tapebas, que realizaram uma belíssima cerimônia
em sua homenagem, no dia 21 de novembro, jogando parte de suas cinzas no rio e
a outra sendo enterrada junto às raízes de um novo cajueiro. Nova vida e
esperança: “Terra e Liberdade!”
Texto lido durante a reunião do Clube
Ponto de Leitura, realizada em 3 de dezembro de 2016, no quintal da Feira do Livro, livraria que completou
60 anos de exercício ao mesmo tempo em que cerrou as suas portas. A reunião foi um momento de abraço e gratidão à Feira do Livro e à família de Raposo, entre os quais, Mileide Flores e Jackson Sampaio, presentes no encontro.
PS: Um
amigo contou sobre ele uma história humorada: Raposo resolvera casar na Igreja
Católica. No dia do casamento com Maria do Carmo, a cerimônia teve de ser interrompida.
Tudo corria de acordo com o manual católico até o padre perguntar se o noivo
havia confessado os pecados e comungado. “Não senhor”. “Então, o senhor não
pode se casar”. O ritual foi suspenso. Todos ficaram sem saber o que fazer. O
padre pergunta, perplexo: “Por que o senhor não cumpriu os mandamentos?”
“Porque não acredito neles”. Mais alguns minutos de agonia e o clérigo,
vencido, decidiu casar o “ateu”.
Raposo
mais tarde confessou que ainda havia convidado o padre para tomar umas cachaças
com ele depois da cerimônia.
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