Gullar, em apartamento em Buenos Aires, em 1975, durante o exílio.
A
morte de Ferreira Gullar, aos 86 anos, em pleno exercício da fala e da escrita,
mostra a realidade de quem escreve. Todos, doutos ou não, sofrem para se tornar
substantivos e sucintos, em face do espaço reservado em jornais e revistas.
Sendo
poeta por natureza, desaforado por circunstâncias e emigrado do seu atrasado
Maranhão, tornou-se carioca de Copacabana. Morava como os demais, precisava
fazer compras para manter o esguio corpo com os nutrientes consumidos pela degenerescência
do implacável tempo. Assim, dizia para os admirados de vê-lo na caixa dos
pequenos mercados: os poetas também comem.
As
resenhas dos jornais e das emissoras de televisão já disseram quase tudo sobre
o jovem estudante envolvido com o Centro Popular de Cultura da Une, seus
companheiros de prisão saudaram-no (antes, davam um simples telefonema para
ele?), o exílio e alguns foram à sua posse na Academia Brasileira. Fardão
folgado, o tom das palavras já não exprimia a força de suas ideias.
Lia-o
na Folha, todas as semanas. Comprava
briga. Respondia a insultos e, vez por outra, cometia erros bobos próprios dos
açulados pelo tempo. Saiu do concretismo, tão em moda nos sessenta, para prosa
e poesia gullariana. Como não sou poeta, deixo de lado a análise.
Escreveu
sobre a esquizofrenia de dois dos seus três filhos. Um é morto. Outro,
internado em Pernambuco. Lutou contra a lei restringindo o número de
manicômios. Falava mal dos médicos e da “análise democrática” da doença. Ele
repetia ser impossível conviver com alguém esquizo. José Ferreira, Gullar, por
opção.
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