O
historiador cearense João Capistrano de
Abreu foi – e é – referência no Brasil e até no exterior. Sisudo, língua
solta para falar a verdade, amigos conservados, pleno de problemas de saúde, apertos
familiares e refundador da História e da Historiografia do Brasil. Gênio.
Sou
desde há muito, leitor de Capistrano e de suas famosas cartas. Por exemplo: em
16 de agosto de 1916, saindo do sério, ele escreve à família Assis Brasil: “O
grande acontecimento deste aldeão é o foot-ball.
O Brasil só tem pela frente o Uruguai. Vencerá? Há para isto um estimulante
forte. Um Guinle, creio que Arnaldo, cabo das sociedades desportivas,
disseram-me, tomará para si a dívida de mil contos de um empréstimo feito no
Banco do Brasil, se o triunfo nos assegurar o campeonato sul-americano. Nunca
assisti a uma partida, não posso fazer ideia de como é, e os termos técnicos
soam-me aos ouvidos como a mais atravessada das gírias; mas, enquanto tudo for
independente de socorros federais ou municipais, contará com minhas simpatias
incondicionais o jogo do foot-ball” (vol.3,
pg.70, MEC).
Como
você sabe, mestre Capistrano, o Brasil perdeu. O vencedor foi o Uruguai. O que
me levou a essa citação foi a sua parte final: “...enquanto tudo for
independente de socorros federais ou municipais, contará com as minhas
simpatias...”.
Caro mestre
Capistrano, essa mania de socorros federais é uma praga e uma das causas destes
problemas vivenciados, exato um século depois de sua carta de 1916.
O Brasil tem jogado dinheiro fora, desde o
Império e todas as repúblicas (velha, nova etc.). Está pleno de dívidas e de
incertezas. O país, por suas empresas,
patrocina times de futebol e de tantos esportes. Seria cediço descrever.
Estamos
entrando no sexto ano de seca no seu e no meu Ceará. Enquanto isso, o Brasil
desmanchou estádios prontos e em funcionamento, tornando-os novos de novo. Para
se adequar aos “padrões” da Fifa, a empresa multinacional a fazer eventos mundo
afora, metida em encrenca com polícias internacionais. Tal qual 1916, o Brasil perdeu
a Copa.
Depois,
outros devaneios, aí no Rio de Janeiro, terra escolhida por você para morar a
maior parte de sua vida. No começo do século XX, lembra você, mexeram com o
centro do Rio.
Era
necessário seguir as modernidade de Paris e de Washington, cidades desconhecidas,
por ter optado nunca sair do Brasil. Sabe, aquela região Central do Brasil,
Candelária e avenida Rio Branco, Passeio Público, ficou bonita. A propósito, mestre
Capistrano, lembra-se da praça Mauá? Cais da atracação do navio “Guará”, que o
levou ao Rio, por recomendação de José de Alencar. Era dia nublado e os seus
olhos míopes, embaçados. Recorda?
Limpe,
agora, as grossas lentes de seus óculos e, se o seu espírito puder se
transportar, veja: quase tudo foi derrubado e surgiu um “Museu do Amanhã”,
pomposo, caríssimo e sequer registra a sua presença naqueles pagos. Mas não
ficou só nisso, mexeram na área da Marinha, hoje um grande bulevar.
Criaram
arenas e vilas novas. Para quê? Uma Olimpíada com jogos neste 2016, tal como na
Grécia antiga, como sabe. Pois bem, o Rio de Janeiro ficou tão bonito quanto endividado.
Não há dinheiro para pagar os milhares de funcionários públicos. E, como em 1916, Brasil não brilhou como
devia.
Estou
terminando, não sem dar notícia do hoje. O presidente atual é Michel Temer, 75
anos, paulista, filho de libaneses, advogado e político, desde sempre. Discursa
e fala como tribuno, usando colocações pronominais. Está em sufoco grande. Se
houvesse espaço, diria mais coisas. Hoje, peço apenas que o nosso país tome
tento e supere as dificuldades. 2017 está na soleira.
Ia esquecendo,
sua Columinjuba possui uma academia de letras. Fui convidado e lá palestrei
sobre o João mais admirável de Maranguape.
O
Ceará está melhor que o país. Aguarda, ansioso, a transposição das águas do Rio
São Francisco, obra atrasada. Tais como as das sua época.
Respeito
e admiração
De um outro
João.
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