sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

"Carta a Capistrano de Abreu: de 1916 a 2016". de João Soares Neto


O historiador cearense João Capistrano de Abreu foi – e é – referência no Brasil e até no exterior. Sisudo, língua solta para falar a verdade, amigos conservados, pleno de problemas de saúde, apertos familiares e refundador da História e da Historiografia do Brasil. Gênio.
Sou desde há muito, leitor de Capistrano e de suas famosas cartas. Por exemplo: em 16 de agosto de 1916, saindo do sério, ele escreve à família Assis Brasil: “O grande acontecimento deste aldeão é o foot-ball. O Brasil só tem pela frente o Uruguai. Vencerá? Há para isto um estimulante forte. Um Guinle, creio que Arnaldo, cabo das sociedades desportivas, disseram-me, tomará para si a dívida de mil contos de um empréstimo feito no Banco do Brasil, se o triunfo nos assegurar o campeonato sul-americano. Nunca assisti a uma partida, não posso fazer ideia de como é, e os termos técnicos soam-me aos ouvidos como a mais atravessada das gírias; mas, enquanto tudo for independente de socorros federais ou municipais, contará com minhas simpatias incondicionais o jogo do foot-ball” (vol.3, pg.70, MEC).
Como você sabe, mestre Capistrano, o Brasil perdeu. O vencedor foi o Uruguai. O que me levou a essa citação foi a sua parte final: “...enquanto tudo for independente de socorros federais ou municipais, contará com as minhas simpatias...”.
Caro mestre Capistrano, essa mania de socorros federais é uma praga e uma das causas destes problemas vivenciados, exato um século depois de sua carta de 1916.
 O Brasil tem jogado dinheiro fora, desde o Império e todas as repúblicas (velha, nova etc.). Está pleno de dívidas e de incertezas.  O país, por suas empresas, patrocina times de futebol e de tantos esportes. Seria cediço descrever.
Estamos entrando no sexto ano de seca no seu e no meu Ceará. Enquanto isso, o Brasil desmanchou estádios prontos e em funcionamento, tornando-os novos de novo. Para se adequar aos “padrões” da Fifa, a empresa multinacional a fazer eventos mundo afora, metida em encrenca com polícias internacionais. Tal qual 1916, o Brasil perdeu a Copa.
Depois, outros devaneios, aí no Rio de Janeiro, terra escolhida por você para morar a maior parte de sua vida. No começo do século XX, lembra você, mexeram com o centro do Rio.
Era necessário seguir as modernidade de Paris e de Washington, cidades desconhecidas, por ter optado nunca sair do Brasil. Sabe, aquela região Central do Brasil, Candelária e avenida Rio Branco, Passeio Público, ficou bonita. A propósito, mestre Capistrano, lembra-se da praça Mauá? Cais da atracação do navio “Guará”, que o levou ao Rio, por recomendação de José de Alencar. Era dia nublado e os seus olhos míopes, embaçados. Recorda?
Limpe, agora, as grossas lentes de seus óculos e, se o seu espírito puder se transportar, veja: quase tudo foi derrubado e surgiu um “Museu do Amanhã”, pomposo, caríssimo e sequer registra a sua presença naqueles pagos. Mas não ficou só nisso, mexeram na área da Marinha, hoje um grande bulevar.
Criaram arenas e vilas novas. Para quê? Uma Olimpíada com jogos neste 2016, tal como na Grécia antiga, como sabe. Pois bem, o Rio de Janeiro ficou tão bonito quanto endividado. Não há dinheiro para pagar os milhares de funcionários públicos.  E, como em 1916, Brasil não brilhou como devia.
Estou terminando, não sem dar notícia do hoje. O presidente atual é Michel Temer, 75 anos, paulista, filho de libaneses, advogado e político, desde sempre. Discursa e fala como tribuno, usando colocações pronominais. Está em sufoco grande. Se houvesse espaço, diria mais coisas. Hoje, peço apenas que o nosso país tome tento e supere as dificuldades. 2017 está na soleira.
Ia esquecendo, sua Columinjuba possui uma academia de letras. Fui convidado e lá palestrei sobre o João mais admirável de Maranguape.
O Ceará está melhor que o país. Aguarda, ansioso, a transposição das águas do Rio São Francisco, obra atrasada. Tais como as das sua época.  
Respeito e admiração

De um outro João.


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