Sânzio de Azevedo, professor do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, mestre no saber poético - como bem disse Francisco Carvalho -, crítico literário e ensaísta, um dos mais renomados expoentes da Literatura Cearense, e dela incansável pesquisador, publicou, pela Imprensa Universitária/UFC, a belíssima coletânea de haicais Lanternas Cor de Aurora.
Autor de mais de vinte livros, dentre os quais, em poesia: Cantos da Longa Ausência (1966), Canto Efêmero (1986) e Cantos da Antevéspera (1990), diversas vezes premiado por sua produção literária, inclusive reconhecido por autores como Carlos Drummond de Andrade, Guilherme de Almeida, Fernando Jorge e Artur Eduardo Benevides, dentre outros, não seria de se estranhar que Sânzio adentrasse o campo dessa arte poética japonesa que há muito trilha caminhos em nossa língua.
Em Lanternas Cor de Aurora, o autor segue, em sua maioria, o esquema rimático de Guilherme de Almeida, inclusive com a presença eventual da rima toante ou atenuada, trilhando, porém, o número de sílabas do haicai tradicional, não perdendo, portanto o seu haimi (sabor, essência do haicai).
A seguir, algumas das peças que compõem Lanternas Cor de Aurora:
Biblioteca
Cisma o sábio diante
das vidas adormecidas
nos livros da estante.
Inverno
A árvore se move
ao vento; no céu cinzento
choram nuvens. Chove.
Jasmim- do- Japão
Zumbidos de abelha.
A flor branca, de pudor,
torna-se vermelha.
Paisagem
Balançam palmeiras
as palmas. Nas tardes calmas
cantam lavadeiras.
A publicação de Lanternas Cor de Aurora aconteceu aos 40 anos da publicação de Cantos da Longa Ausência, seu primeiro livro de poesia, os 30 anos de Literatura Cearense e os 20 anos de Canto Efêmero, além de 90 anos da publicação de Dentro do Passado, livro de estréia do poeta e memorialista Otacílio de Azevedo, pai do autor.
O livro pode ser encontrado na livraria das Edições UFC.
Mais sobre o Haicai:
O haicai (ou haikai ou haiku), em sua forma tradicional, é composto de 17 sílabas distribuídas em três versos, donde o primeiro contém 5 sílabas, o segundo sete e o terceiro, cinco. Originalmente não tinha título e nem rimas. Tendo como origem o tanka, composição poética clássica japonesa (31 sílabas: um terceto de cinco, sete e cinco sílabas seguidas por um dístico de sete sílabas), o haicai só viria a tomar "um caminho de vida" através de Matsuo Bashô (1644-1694), sendo difundido, posteriormente, através de outros mestres como Taniguchi Buson, Kobayashi Issa e Masaoka Shiki (que, para Cláudio Daniel, estudioso do haicai, foi o responsável pela forma conhecida hoje - terceto de 17 sílabas -, além de ter dado uma forma mais literária ao poema).
O poema, aparentemente simples, traz a sombra da verticalidade oriental em contraste (ou sincretismo) à horizontalidade ocidental representada na figura do soneto. Eiko Suzuki, em Haikai, uma obra de arte, aponta-o como a "síntese da síntese".
Afrânio Peixoto, em 1928, publicaria um livro de haicais de sua autoria. Ele que, em Trovas populares brasileiras, faria a primeira referência ao haicai como poesia no Brasil.
O poeta Guilherme de Almeida vislumbrava no haicai a presença de rimas e títulos, além de um formalismo maior em sua métrica. Segundo Sânzio, ele definiria, coloquialmente, essa forma de composição como "um mosquito que se pega no ar". Embora alguns autores ainda discordem de sua posição em relação à forma do haicai, é inegável a sua contribuição para a sua difusão no Brasil.
Atualmente, alguns poetas se reunem em agremiações como o Grêmio Haicai Ypê mantendo a forma tradicional do haicai, inclusive com o uso do kigô (palavra que representa o termo da estação do ano).
Leminski, um dos maiores divulgadores da arte, busca valorizar o lado zen da poesia e da disposição do espírito, explorando as possibilidades estéticas e utilizando rimas e humor.
Para Carpinejar o haicai "é uma forma de enxergar e entender a vida".
Alguns haicaístas associam o haicai à prática zen e atitudes de vida. Para eles "A poesia do haicai nasce diretamente da experiência do poeta, através da observação da natureza e da vida diária".
No Brasil, são muitas as linhas de composição de haicais. Dentre autores e pesquisadores mais renomados no gênero encontramos: Alice Ruiz, Masuda Goga, Ricardo Silvestrin, Paulo Leminski, Glauco Mattoso, Cláudio Daniel, Elza Dói, Paulo Franchetti, Olga Savary, Teruko Oda e outros.
Muito legal conhecer os haicais de Sânzio de Azevedo, assim como a sua explicação sobre esta forma poética.
ResponderExcluirParabéns!
Por muito que zanze, o
ResponderExcluirmeu verso não vale um terço
dum haikai de Sânzio...