terça-feira, 7 de setembro de 2010

"Fausto Nilo, o arquiteto", crônica de Ana Miranda para O POVO


Fausto Nilo é filho de Quixeramobim, terra valente e altaneira nos campos gerais do sertão, povoada por uma raça viril e sobranceira, a exaltar em seu hino o vigor, a bravura, a bondade de uma gente que quer ser feliz.

Tem nome de rio, e viveu sua primeira infância numa região entremeada de rios intermitentes, ora cheios, ora secos. O menino cresceu com um rio de imaginações.

Na infância assistia, ao lado dos sete irmãos, a sessões musicais na casa do avô, seu Fausto, que era amigo do cego Aderaldo e de outros repentistas. A família residia na casa onde nasceu Antonio Conselheiro, de cinco portas, ampla, austera. Ali Fausto Nilo escutava palavras como banabuiú, pirabibu, rinaré, ibaretama, madalena Quixadá, padre Mororó, de sonoridades índias, ritmo, ouvia os improvisos do vento, as histórias da Confederação do Equador germinada em sua cidade, ou a romântica tragédia de dona Guidinha do Poço, que matou o marido para ficar com outro e foi para a cadeia a qual ela mesma, dizem, mandara construir.

Fausto Nilo conta que na juventude em Fortaleza demorava nos bares solitários a tocar, e imagino, a cantar com sua voz rouca e arfada, meio repente, meio taboca afinada, marulhos sob estrelas cearenses, noites e noites, luas e luas. Não poderia deixar de ser músico.

Mas um desejo só não basta. Com toda a música e poesia dentro do coração, escolheu a arquitetura, a mais artística das profissões acadêmicas, e tornou-se um poeta dos volumes. Dizia um escritor antigo que arquitetura é música em pedra. Pedras de Quixeramobim... Quixeramobim vem de kierá mobim, pássaro verde. Toda canção é um pássaro, escreveu Fausto Nilo. E toda casa é um ninho? Acho que tudo é criança, Quixeramobim...

Na sua obra de arquitetura, sentimos como um sonho a sua paisagem natal: os planos entremeados por serrotes, os monólitos aflorados. Nos detalhes, os edifícios locais, como a severa Casa de Câmara e Cadeia com duas pequenas janelas no térreo, escada lateral que revi numa casa projetada por Fausto Nilo, em Flexeiras; ou a igreja de Nossa Senhora do Bonfim, lavada em brancos, com óculo que se repete nas suas obras; ou o casarão do Paço Municipal, um dos mais expressivos entre os remanescentes da nobreza sertaneja do século 19, chamado na cidade de “faustuoso casario”; altares e nichos de santuários, abóbadas sonoras; ou a raríssima capela de Nossa Senhora do Carmo, em planta circular e portas de arcos plenos, despojada como as capelas de Brunelleschi, arquiteto que dispensava todos os elementos supérfluos, o amante das belas proporções.

Como auge da presença de Quixeramobim na arquitetura de Fausto Nilo, vemos em sua magnífica obra, o Dragão do Mar, em parceria com Delberg Ponce de Leon, a reprodução de uma ponte metálica existente na cidade sertaneja, criada no século 19 para passagem dos trens e que hoje, desativada, serve como passadio de pedestres e obra de admiração.

Infinitamente, uma e outra se entrelaçam, como sugere a foto no fundo da ponte vermelha do dragão, tornando-a um jogo de ilusão e simetrias, eco de Zé Tarcísio. Mais um elemento da cidade natal: Quixeramobim é o centro geodésico do Ceará. A equidistância deve ter desenhado na alma do arquiteto a simetria que vemos em seus projetos, assim como flui sutilmente na presença da cúpula geodésica do pequeno planetário, que faz par com as visões de estrelas e galáxias nas noites de boêmia.

Se sua arquitetura foi forjada na terra natal, conforme minhas idílicas suposições, por outro lado recebeu traços modernistas numa passagem por Brasília, quando ele foi professor de arquitetura na universidade; influência dos espaços de Lúcio Costa, das formas de Oscar Niemeyer, dos volumes de Athos Bulcão em módulos. Fausto Nilo cria uma arquitetura modular que, no entanto, nos surpreende, da mesma maneira que suas letras, dando guinadas sedutoras.

Ao olhar seus projetos, como a Ponte Metálica, uma praça ou uma casa, também sinto a presença da Fortaleza de nossa infância, nos anos 1950, aquela cidade espaçosa, de muros brancos, bangalôs, casarões, areais, coqueirais, onde Fausto Nilo viveu desde os 11 aos 20 anos, quando partiu para o mundo. E voltou, para ser um amor dos cearenses, por suas lindíssimas letras, por sua viril e sensível obra de arquitetura repleta de significados locais e universais, por seu cuidado para com a envolvente cidade de Fortaleza, sobre a qual demora seus olhos e pensamentos, a buscar respostas e, mais difícil, as perguntas. E sempre ele as encontra...

ANA MIRANDA é autora de Boca do Inferno, Desmundo, Dias & Dias, Yuxin, entre outros romances, editados pela Companhia das Letras. Fonte: O POVO

Nenhum comentário:

Postar um comentário