Poderia contar minha vida passada em número de Copas do Mundo, assim como minha vida futura, acho (vejam bem, acho!) que ainda duro umas cinco copas. Isso quer dizer que já estou, com certeza, no segundo tempo de minha existência, já vivi mais de dez campeonatos mundiais...
Digo mais de dez porque quase vivi o de 1970, não vivi devido a ter apenas cinco anos de idade e ao fato de que em minha pequena e triste cidadezinha ainda não existir televisão. Mas senti o clima todo daquela maravilhosa disputa, senti a alegria geral, a ufania general. Vi os adultos ao redor dos rádios, ouvi muitos gritos de gol. Depois disputamos ainda por muitos anos esta Copa, através dos álbuns de figurinhas dos jogadores, das figurinhas de chicletes na brincadeira do "bate" (se me perguntassem do que mais me lembro da Copa de 70, eu diria que com certeza do cheiro de chiclete impregnado nas mãos... e daquela musiquinha que aprendemos rápido: ``Se eu fosse o Pelé, tomava café``).
Na de 1974, Tamboril já tinha TV, em pouquíssimas residências, é verdade, mas lá em casa só mais umas quatro copas pra frente... Assisti junto com meu pai e uma multidão de pessoas espremidas na sala do tabelião Fernando Farias, que entre uma tragada e outra em sua elegante cigarrilha, soltava um comentário de quem entendia do riscado... Sentado no chão frio da sala, vi o azul nosso ser esmagado pela laranja (depois vim saber mecânica) holandesa, um time que pra nós, que já ensaiávamos nossos primeiros chutes, parecia jogar com 20 endiabrados cabeludos.
Na de 1978, sonhei ser jogador da próxima, tinha todas as revistas Placar e Manchete Esportiva que meu pobre pai conseguia comprar em Crateús através de amigos. Vivia o sonho dourado de quase todo menino: ser craque, ser igual a Zico, Falcão, Ademir da Guia, Enéas, Amilton Melo...
O sonho acabou em 1982, que foi a Copa que brochou toda a minha geração. A partir daquela derrota para a Itália compreendemos que sonhar não era mais possível, que nos restava apenas torcer, mas sem jamais sonhar... Todo quarentão sabe de cor a o nome dos jogadores daquele belo time: Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Falcão, Sócrates e Zico; Paulo Isidoro, Serginho e Éder. No entanto esquecemos o nome daqueles que ganharam, depois, duas copas.
As seguintes foram terríveis, vieram a fórceps, a lágrimas, a cervejas, a calmantes...
Hoje, como apaixonado pelo futebol, continuo gostando de copas do mundo, mas não consigo mais me empolgar; às vezes sinto-me até surpreso que algumas pessoas ainda vivam meus antigos sonhos, quando acompanho as festas de bairro minuciosamente preparadas em nossos subúrbios. Pessoas simples que sacrificam muitas vezes o dinheiro da feira pra comprar enfeites, tintas, camisas, pra enfeitar suas ruas... Sinto que meu sonho de garoto bom de bola ainda sobrevive, mas apenas nos sonho dos outros!
Aí me vem uma vontade nostálgica de bater uma bolinha, mesmo que na calçada de casa com minha filha pequena, e de cantarolar o resto daquela musiquinha da infância: ``Se eu fosse o Tostão, tirava o calção``.
Pedro Salgueiro é escritor e cronista do Vida & Arte.
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