foto: Raymundo Netto
Ela morreu. Ninguém mandou, mas mesmo assim, ela morreu.
Rompeu a lógica num absurdo e abmudo processo.
Caiu num abismo de incertezas e conflitos que, ninguém sabia, trazia entre os cabelos quase sempre desalinhados.
Ela morreu. Difícil crer no vazio do seu quarto. É estranho poder, agora, ler as cartas recebidas, mexer nas caixas guardadas no armário, escolher suas roupas, separar o seu prato e o copo, distribuir seus livros, fotos e discos... Aliás, nada do que tanto amava levou consigo, nem a vida nem eu.
Ela morreu. Olhava por aquela janela todos os dias. Parada, encostava a cabeça, empunhava uma xícara de café e lançava o olhar, contornado pelo cansaço das noites indormidas, para adiante. Só o olhar, até então, só o olhar.
Mas ela morreu, não, não morreu, sim, foi-se.
Nunca falou nada sobre isso. Por que não gritava, por que parecia que nada, absolutamente nada, lhe pesava tanto? Precisava? Precisava?
Não, ela falava sim, falava o tempo todo, quem quisesse podia ver na sua inquietude, no silêncio, no toque das mãos, no suor, no olhar... Ela estava lá, o tempo inteiro, naquele olhar.
Ela morreu. A apoteose deu-se à calçada, sem flores nem jardim. O cinzento do céu combinava com o cimento da garagem. Tanto fazia o céu como o chão. Voar ou morrer. Ela morreu.
Texto extraído da coletânea de contos Os Acangapebas
O meu silêncio fala muito mais alto...
ResponderExcluirBelo e emocionante texto.