Júnior era cria de um renomado
desembargador.
Chegou a
este mundo montado numa realidade mais surreal do que a de Aladim, cuja lâmpada
mágica lhe concedia apenas três desejos, enquanto que, para ele, um hedonista
de berço, não haveria limites. Para o pai, a causa era tão justa quanto
original: “Terá tudo o que eu não tive. E muito mais!” Supomos assim ter a palavra
“dificuldade” caído em desuso no seu curso de vida, ao contrário de “tédio”. Morria
de tédio, sofria de tédio, num marasmo ansioso, repleto de vazios existenciais
e terrenos, como se fosse um Pequeno Príncipe sem a sua rosa.
Frequentou,
não digo estudou, nos melhores colégios, usou e logo abusou das melhores grifes,
se empanturrou em fast-foods, teve o
melhor atendimento médico, não precisou de ônibus – não confio no caráter de
quem nunca chacoalhou dentro de um –, não encontrou um único motivo para
sofrimento e aflição, e se o encontrasse, certamente seu pai o contornaria: “Tenho
direitos, usarei todos!”, bradava ele com a dignidade exacerbada de cidadão com
foro e furico privilegiado.
O Júnior
crescia. Não falava em profissão, trabalho, entre outras coisas desagradáveis.
Restringia-se a comer, jogar videogames, passear, beber e dormir. Mas o pai queria
o filho doutor. Médico? Por que não? Tentou. Todavia, Júnior não passava nos vestibulares.
O pai, sempre assessorado de qualificados puxa-sacos, optou em fazê-lo prestar concurso
em faculdade particular no interior, cuja primeira prova é a da mensalidade. Depois,
daria um jeito. E deu: tornou-se o maior benfeitor da instituição, quase um
sócio. Tivesse ali um busto, seria o dele. Contudo, durante o curso, com pouca
aptidão às aulas e aos estudos, Júnior ligava sempre ao pai, contando de “pequenos”
entraves jurídicos daqueles professores mais exigentes, de maneira que o pai,
na ânsia da aprovação do rebento, não descansava enquanto não resolvesse todos
eles.
Nos
períodos de plantões hospitalares, Júnior descobriu a sala dos médicos e
percebeu que ali estava seguro, longe dos apelos dos pacientes e mais próximo
dos jogos de futebol na TV. Na mesma sala, uma fila de médicos concursados, “medalhões”,
que não botavam os pés nos corredores, sempre se justificando: “Estou pagando
para trabalhar!”
Ao concluir
a faculdade, uma nada surpresa: “Pai, não gosto de ser médico. Detesto falar
com aquela gente... Reclama demais, só fala em doença!” O pai, visivelmente
emocionado, compreendeu a angústia do filho e até o abraçou: “Você puxou a mim...
é um humanista!” No entanto, se não Medicina, faria o quê? Era de uma
incompetência diluviana. Não sabia fazer nada, não tinha opinião própria sobre
assunto nenhum e bater ponto, então, seria como dar de cara todos os dias com a
esfinge tebana.
Os
assessores do magistrado cavaram um fosso no piso de tanto andar em círculos na
busca de uma opção, até que um deles iluminou-se: “Política! Esse rapaz tem de
sobra todas as qualidades necessárias para se dar bem na política”.
O
desembargador não perdeu tempo. Exigiu que o filho utilizasse ali o seu nome
pomposo e extenso, antecedido pelo “doutor” que ele não era: “Médico dá voto,
parece humano...” E não se preocupasse: assessoria cara e perfeita. Falaria e
faria apenas o recomendado. Fora isso, acenasse, sorrisse e pegasse em algumas
mãos e bebês: “E não têm germes, não?”, retrucava. Respondiam, esfregando rápido as suas mãos:
“Álcoolgel! Álcoolgel”.
Daí, com
tudo isso e uns 5 milhões, é eleito. Na sua posse, o pai chorava a cântaros: “Filho,
você é um político, um legislador!” Júnior, inquieto em seu outro mundo, refletia:
“Pai, os colegas tavam dizendo que fazer ‘rachadinha’ é uma boa. Isso é legal?”
O pai assombrou-se: “Filho... se ninguém souber... é legal!”
Depois, num
abraço que justifica a própria existência, prenunciou: “Ainda hei de te ver,
meu adorado filho, no Planalto, presidente deste país... Ora, qualquer idio...
indivíduo pode ser presidente. Você será, meu filho, um presidente de verde e
amarelo!”
Não
convencido, o jovem deputado encostou-se numa poltrona tão preguiçosa quanto um
Macunaíma: “Mas, pai, presidente tem que trabalhar?”
Raymundo, Deus meu, que estrago... parece ficção kkkkk. um abraço grande, cada dia melhor
ResponderExcluirParece mesmo, né? Que pena que não é, nenão? rsrs Obrigado, Lucirene.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirfurico privilegiado? soltei a gargalhada, por aqui! haahah
ResponderExcluirHahaha
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão é ficção? Sendo ou não, levarei para uma aula de Economia Política. Bravo, cumpadi véi
ResponderExcluirSempre é. Nunca é. Ó dor... rsrs Obrigado pela leitura e entusiasmo, prof. Macário.
ExcluirAdorei, bom demais um choque de realidade na segunda de manhã rsrs
ResponderExcluirNão é? rsrs Uma ótima semana.
ExcluirVocê não confia no caráter de quem nunca chacoalhou dentro de um busão? Kkkkk Em mim você pode confiar.
ResponderExcluirPois é, Zélia, desses eu desconfio... Empatia pode ser fruto de treino e vivência. Bom que não fosse assim...
ExcluirNem sempre presidente trabalha. Sei de um que atrapalha. Mas ser deputado, até no atrapalho é menos ativo. Ele tem razão
ResponderExcluirPresidente trabalha, mas conheço um que atrapalha. Já deputado, até no atrapalho é menos ativo. Ele tem razão
ResponderExcluirHahaha Conhecemos, então, vários, amigo Oswald. Grande abraço, meu xará e amigo.
ExcluirAmei esse texto. Como escreve e descreve bem as "situações dos que nascem, digamos privilegiados". Excelente mesmo. E a expressão "furico privilegiado"? Kkkkk
ResponderExcluirAgradeço demais a sua leitura, caro(a) desconhecido(a). E feliz pela reação humorada. rsrs
ExcluirGostei demais. Realidade X Ficção. Você como sempre, nos empolga com suas histórias. E o final “Mas, pai, presidente tem que trabalhar?” é um questionamento que nos faz rir de nervoso e indignação.
ResponderExcluirSim, Malvinier, mas que pena que esse nervoso é por conta da realidade da coisa, né? Grande abraço e obrigado pelo retorno.
ExcluirLembrei de Machado e sua "teoria do medalhão". Excelente!
ResponderExcluirOlá, Carmem, prazer em "vê-la" por aqui. Há tanto tempo... Olha, a lembrança é ótima, viu? rsrsr Grande abraço.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir