Quente meu corpo/em
fogo, minhas entranhas./
Sou um poeta/desse
mundo, um andarilho./
Meu coração/tento manter
aquecido/
com essa brasa
latina/com esse carvão operário./
Sonho Azul é o terceiro volume da pentalógica e
multivérsica saga de Raimundo Flor, ou Raimundo do Barro Barroso – ou, melhor,
como o conhecemos: Oswald Barroso –,
em suas desventuras de um rei desencaminhado. Desta vez, após Menino Amarelo (1947-1963) e Risco Vermelho (1964-1974), o seu Sonho Azul compreende o período que vai
de 1975 a 1990, iniciando quando de sua liberdade provisória, após 17 meses de prisão
que cumpria em Recife. O mais instigante nessas obras é que, enquanto nosso hipermnésico
autor amealha as suas memórias – obsessivo colecionador de cartas, poemas/letras,
depoimentos, cordéis, fotos, entrevistas, documentos e fontes de toda natureza
–, plural como é e sempre foi, Oswald conta a história de uma geração inteira, lançando
luz a amigos, colegas, movimentos culturais, artísticos, folclóricos,
jornalísticos, políticos e, ao mesmo tempo, nos convida a subir nesse “Sonho
Azul” – denominação de um vagão de trem – que, ao apito resiliente e revolucionário,
descortina a fumaça a encobrir diversos personagens e acontecimentos conhecidos
ou invisibilizados pelo torpor de um povo colonizado culturalmente, acostumado
a trocar riquezas por bijuterias sem valor.
No percurso
dessa viagem, o trem, que “saía das estações entre cantos e vivas, foguetes e confetes,
e ia espalhando seu chiado sertão adentro”, vai arroupando relatos, legados
preciosos e amplamente referenciados, indispensáveis para atuais e futuros
escafandristas imersos nas relevantes inutilidades em busca de revelar o nosso
passado recente. Assim, atravessa, ao som dos benditos, o caminho das diversas
manifestações culturais caririenses e dá de cara – e no caderninho de anotações
– com romeiros, artesãos, mestres de boi, bandas cabaçais, brincantes,
emboladores, aboiadores, lapinhas, santeiros, beatos, videntes, palhaços,
bordadeiras, labirinteiras, xilogravuristas, tipógrafos (folhetos de literatura
de cordel), entre outros elementos da arte e cultura popular. Registra,
descreve, interage. Também, durante anos seria a voz na imprensa – especialmente
em O POVO – desses agentes da cultura
popular, do teatro, da literatura, do cinema, em sua militância artística e
social. Detalha também seu ingresso e evolução na poesia, na pintura, na música
e no teatro. A publicação do Almanaque
Poético de uma Cidade do Interior, que diz ter sido a sua obra de maior
repercussão, sua experiência como alfabetizador no Mucuripe, em canoas, os
infortúnios com a censura nos tempos da Ditadura (e a prisão no IPPS), a parceria
da Livraria do Gabriel, o grupo Siriará, o Grita, o Grapo, o Raça, o Literarte,
a Nação Cariri, a Massafeira – a sua “Woodstock cearense” –, a “Chuva de
Poesia”, o Centro de Literatura Arte e Ciência (Clac), do qual foi presidente, o
Centro de Referências Culturais do Ceará, o Movimento pela Anistia Geral e
Irrestrita, sua vivência entre camponeses, suas viagens a outros países, entre
outras curiosidades, como a rifa do paletó de José Alcides Pinto, angariando fundos
para publicar o Relicário Pornô, e
muito, tão muito mais, que mal cabe em um livro, imagine nesse limitado artigo.
Enfim, Sonho Azul é um imenso e valioso relato
de talentos e expressões, decerto elucidando lacunas históricas, algo só
possível com testemunhos críticos e de olhar profundo, como é o de Oswald. E, decerto,
nos faz admirar ainda mais esse personagem real da nossa rotina aparentemente
fictícia, fazendo-nos crer que o tempo é vencível e que essa invejável pressa
de viver transforma sonhos em possibilidades e que a vida... ah, a vida... pode
ser muito mais do que “isso”.
Para solicitar as obras diretamente ao autor, contato:
oswaldbarroso@gmail.com
Apesar do cinza, vamos sonhar azul!
ResponderExcluirvamos, sim, Oswald, pelos trilhos tão bem traçados por você.
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