sábado, 16 de abril de 2022

SEBO NAS CANELAS: "O Canto Novo da Raça" (1927), marco inaugural do Modernismo cearense


A obra O Canto Novo da Raça (1927) me foi apresentada pelo prof. Sânzio de Azevedo em 2010. Na época, eu atuava como coordenador da Coordenadoria de Políticas do Livro e de Acervo (Copla) da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, responsável pela publicação da Coleção Nossa Cultura, entre 2009 a fevereiro de 2012, pois em março passaria a integrar o quadro da Fundação Demócrito Rocha.

Recebi o livro xerocopiado. A capa do original estava em frangalhos, mas permitia a leitura do seu título, seguido de uma inusitada e declarada homenagem a Ronald de Carvalho (1893-1935) – poeta e jornalista, o “Príncipe dos Prosadores Brasileiros” (Diário de Notícias, 1935), responsável pela leitura do famoso poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, durante a Semana de Arte Moderna de São Paulo (1922) –, os nomes dos autores (Jáder de Carvalho, Franklin Nascimento, Sidney Netto e Mozart Firmeza/Pereira Junior), da Tipografia Urânia (a mesma que imprimiria, 3 anos depois, O Quinze, de Rachel de Queiroz) e, curiosamente, no seu centro, a ilustração de um pequeno mosquito, talvez por imaginarem o incômodo que essa obra poderia causar aos seus leitores “passadistas”, o que de fato aconteceria.

O livro tinha um formato horizontal e trazia 18 poemas distribuídos em cerca de 40 páginas sem numeração.

Entre os autores, apenas Sidney Netto, o mais velho deles (34 anos) já teria livro publicado – A Noite Coroada de Rosas e de Mirtos (1921). Entretanto, Jáder (26 anos), desde os seus tempos de aluno do Liceu já era engajado na literatura, participando, em 1922, da antologia poética de Aldo Prado: Os Novos do Ceará no Centenário da Independência. Franklin Nascimento (26 anos) nunca publicaria outro livro, nem como coautor, e Mozart Firmeza (21 anos), também pinto e crítico de artes, ao contrário, publicaria bastante, no Rio de Janeiro, nos anos seguintes.

Durante o período em que editei mais de 100 títulos pela Secult, havia sempre a preocupação – denominamos “critério” – de elencar obras da Literatura Cearense que, se não tivessem uma relevância estética, possuíssem uma importância histórica que justificasse a sua publicação.

Qual não foi a minha alegria de perceber, após a leitura, que O Canto Novo da Raça teria as duas: a histórica e a estética.          

Debrucei-me sobre a obra. Contratei o meu amigo e grande talento Audifax Rios para ilustrar as fotos dos quatro autores e o prof. Sânzio para elaborar um estudo inicial a ser publicado como apresentação da obra. Como na Secretaria não tínhamos equipe de edição, apenas uma pessoa que diagramaria o texto, eu sempre tive que fazer o resto: digitei e revisei o texto e o diagramei no Word; elaborei e diagramei a capa; compus o projeto gráfico; selecionei os textos de orelhas; busquei e fotografei a capa de um exemplar em bom estado – geralmente colocava capas ou folhas de rosto originais no início dessas publicações –, pesquisei por autógrafos dos quatro autores para inseri-los no livro (um “mimo” ao(à) leitor(a); inseri, após uma pesquisa de muitos meses, a biografia de Franklin Nascimento – além de ter conseguido com a família a única foto existente do autor até hoje e a cópia de uma carta que ele enviou a Carlos Drummond de Andrade em 1974, e que seria, a original, enterrada com ele em sua última morada, assim como foi feito também com seus inéditos.

Todo o trabalho empreendido para a realização desse título resultou em uma experiência que, além do aprendizado, foi demais emocionante. Ali estava o editor, o pesquisador, o escritor, todas essas facetas voltadas para trazer do esquecimento próprio dos cearenses, após 84 anos, a segunda edição da obra considerada o marco inaugural do Modernismo no Ceará, hoje acessível, mesmo apesar da sua má distribuição.

Concluí assim, o texto “História de uma Biografia Perdida”, que escrevi e também enfeixei na obra, como relato da minha pesquisa:

“[...} Para nós que integramos a coordenação editorial, poucas foram as emoções que podem ser comparadas às de se ler, mesmo por telefone, um poema desconhecido de um pai a uma filha, e ter a certeza de que, após tantos e tantos anos, a voz do poeta se faz imortal, forte, clara e melódica, transcendendo a tudo, inclusive à vida, e tudo aquilo que ela, pessoalmente, lhe negou.”



Na ordem dos autógrafos: 

Jáder de Carvalho, Sidney Netto, Mozart Firmeza e Franklin Nascimento






 

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