segunda-feira, 18 de abril de 2022

Sobre o "Fantasismo", de Carlos Emílio Corrêa Lima


O fantástico de uma literatura fantástica que está sendo imposta à nação e os responsáveis por esse vexame literário e cultural

Carlos Emílio Corrêa Lima, escritor

De início que esses novos escritores duma tendência chamada de “fantasismo”, cujo paradigma reside na cultura de massas, não leem mais da alta literatura. Nem pensar na alta literatura fantástica brasileira, como a de um Murilo Rubião, Guimarães Rosa, Ledo Ivo, José Alcides Pinto, José J. Veiga, Moacyr Scliar, Gilmar de Carvalho ou mesmo de Tolkien, C.S. Lewis, entre outros, que há muito foram diluídos por imitadores aos milhares e é exatamente do que se trata essa mesma literatura brasileira desviada se alastrando por aqui, até no Ceará, dessa mídia impulsionada de diluição mercantil.

O mesmo pode-se dizer da literatura popular, do cordel, por exemplo, que é um gênero literário, como bem alertou o poeta e pesquisado Aderaldo Luciano, seja culpada de não ter motivação de leitura pelos autores cultores de literatura fantástica de sua própria região, de sua terra, quanto mais dos autores mais recentes do passado ou de seus contemporâneos um pouco mais velhos que escrevem ou escreveram ficção fantástica.

E cumpre-se notar que o Ceará tem uma das melhores, senão a melhor antologia de literatura fantástica já produzida no Brasil, digna e poderosa antologia organizada minuciosamente por Pedro Salgueiro, Raymundo Netto e o Poeta de Meia-Tigela, O Cravo Roxo do Diabo: o conto fantástico no Ceará, de deixar babando de inveja pelo tamanho, quantidade de autores e pesquisa empreendida, qualquer scholar de Oxford ou doutor em Literatura da USP.

Mas seria pedir muito, demais a eles, a toda essa nova geração, quando foram bombardeados pela mais pesada indústria de entretenimento de massas do planeta, a anglo-saxônica e suas principais máquinas de guerra: o cinema, os jogos, as séries de TV, a internet, os quadrinhos e a literatura infantil e juvenil (traduzida do inglês diretamente para o português e lançada pelas editoras hegemônicas), sem falar na nossa imprensa subalterna e aviltada, totalmente antinacional. Seria um verdadeiro milagre se fosse o contrário. Não é.

Os culpados não são esses jovens que fazem o que podem dentro dessa selva de aves amestradas e fauna mecânica. O campo de visão deles foi alterado e eles foram separados ardilosamente de sua cultura, de sua literatura. Não todos, é claro, mas determinados nichos grupais mais alvoraçados e mais coloridos e impulsionados pelas tendências artificiais disseminadas pela mídia alienante globalizada (leia-se, “americanizada”), que nos são impostas a partir de um subfantástico manipulado e manipulatório, com uma mitologia toda pré-fabricada e/ou distorcida, e moldes narrativos e conteudísticos todos produzidos em série.

A culpa não é deles, mas de seus professores, mentores, coleguinhas mais velhos, e, sistemicamente, de todos os governos desde 1964, que nunca se propuseram a enfrentar a indústria cultural, a invasão cultural Made in Usa,

Na outra ponta, a mídia colonizadora, as redes de televisão, as rádios, o sistema educacional, as Secretarias de Cultura que fazem das politicas para a literatura um mero penduricalho beletrístico; as Secretarias Estaduais de Educação que não ensinam sobre as literaturas produzidas nos estados; as Academias de Letras; os políticos que não sabem nem mais o que seja literatura, nem pensam nela como a fonte dos estados-nacionais dos quais fazem parte. Sem a literatura brasileira não existiríamos. Sem ela, na mídia, nos currículos, na atmosfera cultural, deixaremos, se é que já não deixamos, de ser uma nação.


 


 

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