segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

"Ode ao Amor e à Morte", de Raymundo Netto para O POVO


No tempo da era num pedaço esquecido do agreste...

As folhas descansavam adormecidas onde uma mulher, em águas rasas da lagoa, deliciava-se. Molhava os cabelos lisos, negros e curtos e, com as mãos bramosas, esfregava o pescoço.

Um observador, descalço, caminhava sobre as gretas secas do chão e, cortejando-a – ela a dançar ao redor de uma bacia de barro –, arriscava palavras absurdas num instante de amor.

Em meio a tudo, via-se, sob o luar frio, os pequenos seios alvos e azuis e os mamilos orlados em rosas. Sua pele era úmida e branca de leite, beijocada de inquietudes e sossego:  “Quanta vida contida naquele berço de pecadilhos viciosos!”

Não havia vento, não havia frio, mas calor também não havia. O verde era xique-xique, mandacaru, agávea... “O meu boi morreu. O que será de mim? Manda buscar outro, menina, lá no Piauí.”

Pausa! – noite gelada – Num inesperado sonho, à cabeça da mulher, luminou-se a ideia de casar. A noite findava, clareava-se a manhã ardente! Sol a pino, caçada a tejos! Então, sem muito pensar, pensou: “Quem seria o seu par? Quem haveria de sê-lo, naquele lugar tão ermo e esquecido?” Uma jiboia solitária arrastava um linguajar sem venenos: “Um rei? Por que não? Teria um mundo de riquezas e serviçais. Desejos um a um satisfeitos. Quem sabe não se arrastaria nas asas da luxúria?” Mas teria tudo, mesmo? Um jovem vaqueiro não poderia dar-lhe mais? Talvez apenas um pouco de amor... “Amor? Ôxe, por que não? O amor ela não teria mesmo em troca de seu maior tesouro!” Convenceu-se, inebriada no licor do mel da jandaíra.

Um cão-cão solitário de arregalados olhos amarelos anunciaria o iminente perigo; as folhas cairiam; a mata esbranqueceria; os espinhos se retesariam e apontariam para o céu desestrelado!

O rei, num arremedo de si mesmo, ficaria furioso. Ameaçaria e travaria embates, numa peleja sem fim contra o pobre aventureiro, e ele certamente não seria páreo aos golpes do malvado. “Naquele reino, já se sabia: quanto mais se tinha, menos se contentava em ver a felicidade por tão pouco...”, pensava o observador apaixonado de cócoras na lagoa.

Assim, o aventureiro, passados nele os maneadores, assistiria indefeso ao amputar de seu orgulho. Nada mais restaria a ele, a não ser a fuga logrativa da morte: suicidar-se-ia!

Os estilhaços de seu amor se esparramariam, cobertos em lama, no fundo de um caçuá de cipós. O juazeiro, única testemunha da iniquidade, triste se desgalharia.

Mas ninguém pode, simplesmente, destruir o que um coração constrói! A moça branca de seridó não descansará enquanto não descobrir um meio, qualquer um, de separar a vida da morte e, então, poder ser feliz com o homem que ela ama.

“Meu senhor dono da casa, faz favor de me escutar. Eu pergunto pro senhor se tem Reis para nos dar...”





 

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