sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

"O Bom Cabrito", de Pedro Salgueiro para O POVO


Quando escuto uma gasta frase martelada pelo nosso antiquíssimo senso comum me lembro de meu velho pai, que sempre se socorria com as escadas dessas divinas soluções fáceis e – mesmo nas dificuldades – tinha uma pérola tal: “Atrás do pobre, anda um bicho!”.

Ainda ontem me lembrei dessas frases feitas – boas muletas do bom senso –, quando um jovem poeta, prestes a publicar seu primeiro livro, teve a infeliz ideia de me pedir conselhos de como se tornar um escritor de sucesso (acho que estou naquela idade em que os outros imaginam que criamos juízo, quando nossos ralos cabelos brancos são confundidos com sabedoria... Então tive o impulso de ser honesto e lhe dizer que não sabia, até porque se soubesse teria antes usado em proveito próprio, não é mesmo?) – primeiro me assustei com a pergunta, olhei de lado pra fugir da mirada de espera e esperança estampada naquele rosto juvenil (há como gosto das expressões batidas!) e tentei raciocinar, procurando lá no fundo do baú da memória alguma sentença edificante, usada por algum intelectual pedante, desses que rimam em prosa e falam “a minha obra”... Mas sabemos que nessas horas a memória, diferente dos adjetivos, raramente nos socorre.

Lembrei, então, o final da década de 1980, quando – ainda bem jovem e querendo também descobrir a “fórmula” de como escrever com sucesso – andava à procura de ajuda de escrevinhadores mais velhos... Mas claro que, por timidez, não ousava me aproximar de nenhum dos medalhões que tinham livros publicados e pertenciam a academias, faculdades e/ou grupos literários, no máximo inquiria algum companheiro um pouco mais velho, que também estavam naquela fase de angústias e incertezas sobre a descoberta do ofício.

Aproximei-me da turma que insistia em participar dos raros concursos literários que vez por outra surgiam; alguns já tinham vencido vários prêmios e exibiam uma áurea de grandes gurus, falavam com orgulho dos feitos, porém não me davam “confiança”, como se dissessem: “Se vira, amador!”... Outros, mais humildes, trocavam informações e dicas, eram os que ficavam nas últimas colocações dos certames (desde essa época intuí que os fracassados somos os mais solidários, acrescentando outro senso comum à minha vasta, e inútil, coleção).

Como o passar do tempo (claro, e ele haveria de não passar?) e alguns resultados favoráveis fui adentrando (arre!) aquela casta dos lacônicos iniciados, já detentor de alguns conhecimentos e segredos... Fiz inscrição numa das primeiras oficinas de criação literária que aconteceram por aqui, ministrada pelo poeta Diogo Fontenelle e pela contista Isa Magalhães, onde conheci outros escritores iniciantes e fizemos exaustivos e variados exercícios de escrita, mas principalmente aprendemos a trabalhar em conjunto, trocamos textos e experiências de leitura, com amizade e respeito e em pé de igualdade nos nossos titubeios... Restando, até hoje, essa amizade que persiste entre os hoje já velhos escritores iniciantes.

Depois desses milésimos de segundos em que a pergunta do garoto permaneceu sem resposta, decidi falar qualquer coisa que soasse como resposta honesta... Então respirei fundo, fiz pose de intelectual, molhei a garganta e, atrapalhado, tasquei:

“Leia os Russos e tenha sorte!”

Mas como não me soou convincente nem compreensível – o que notei pela expressão de espanto do jovem escritor – resolvi completar com uma das velhas e gasta frase de meu pai:

“E não esqueça: O bom cabrito não berra!”






 

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