À madrugada, telejornais anunciavam a ocupação de Burak,
um paisote totalmente ignorado, não fosse um tabloide sensacionalista revelar ali
a existência de uma riqueza ímpar na Terra, misteriosamente intacta, tomando quase
todo o seu solo.
Havia um príncipe,
diziam “ditador”, que, embora desconhecido, provavelmente não respeitava os
direitos civis e usava de força e tirania para dominar o seu povo. Algo assim afronta
sempre os Estados Unidos, desinteressado e incondicional defensor da democracia
e dos povos sofridos deste Planeta. Não faltaria muito – não tinham provas, mas
convicções – para que Burak ameaçasse a vida humana com armas de destruição em
massa. Assim, o presidente americano, em seu Oval Room, decidiu enviar tropas para invadi-lo. A ONU, após caríssimos
meetings, não concordou, mas eles não
quiseram nem saber – afinal a sede da ONU é onde mesmo? – e, sem pudor algum, noticiaram
a convocação de toda a inteligência e de seu poderio bélico em uma operação cívica
e patriótica – e por que não Cristã? – contra o “inferno terrorista” de Burak. Os
jornais de todo o mundo se dirigiram às estreitas fronteiras tentando registrar
o conflito. O embate estava lançado, o “grande furo”, o maior massacre da
história transmitido via satélite.
A invasão
se deu à noite. Confiante, a força militar vinha por terra, pelo céu e pelo mar.
Um desfile de tanques blindados, milhares de soldados descendo em flores de
paraquedas. Uns, por trás de escudos, munidos de metralhadoras, granadas e bazucas,
se jogavam e arrastavam-se pelas areias e por trás de rochas negras. Outros,
desciam velozes de tanques anfíbios pelo mar. Aviões reluzentes iniciaram o
bombardeio aéreo. Uma produção digna de Hollywood. Os oficiais, com trajes de
segurança, falavam de liberdade aos jornalistas: “Não iria custar aquela rendição.
Seria uma revolução sem sangue!”
Porém, após
tanto barulho, em meio à fumaça que se espalhava inofensiva, todos se
perguntavam: “Cadê o Exército buraquiano?”. Os soldados, confusos e ansiosos
para mandar bala, se angustiavam com o silêncio sem fim. Queriam aparecer na TV,
heróis que eram... ou que afirmavam que eles seriam. Os repórteres entediavam a
audiência com reclames de sabão em pó. Um suspense literalmente de matar, mas
ninguém morria, ninguém aparecia, ninguém se dignava a morrer em Burak.
Ao comando,
os soldados adentraram o terreno cada vez mais. Já entravam em palhoças,
apontando as armas, sedentos de qualquer coisa – inclusive de pequenos saques
ou abusos de mulheres, afinal, eram apenas inimigas –, mas nada encontravam.
Nem soldados, nem civis. Ninguém. Nada. Já temiam e tremiam à espera do aguardado
momento.
Na
escuridão quente como brasa, imagine que um por um daqueles soldados começaram
a tombar. Ouviu-se um primeiro grito antes do papocar insano de metralhadoras: “He
is dead! Deaaad!” Ninguém via o que os acertava, de onde vinha, se vinha, eles
caíam ou sumiam, restando-lhes apenas os trajes semienterrados nas areias. Com
pouco, em meio ao pânico e à cegueira da noite, os soldados acertavam uns aos
outros. Granadas e armas explodiam em cadeia. Em toda a parte, pessoas em
chamas. O pavor só não era maior que a carnificina. Homens fortemente armados
corriam no cessar fogo. As câmeras de TV, como espalha-brasas, mexiam-se em vão
para todos os lados, só conseguindo registrar mesmo a retirada em fuga, o choro
em calças borradas num escandaloso pânico não americano.
Nunca se
soube explicar o que aconteceu. No geral, pessoas comentavam: “Como aquele povo
insignificante e invisível ao mundo, pôde chutar os fundos da maior Potência
Mundial, herdeira da Terra e de seus quiosques em shoppings?”
Em Burak,
distante das câmeras de TV, aquele povo emergia das areias: eram crianças,
apenas elas, todas cegas, pálidas, magérrimas e sorridentes, encordoadas com
pedras e paus, se amostrando então em trajes novos de assassinos e com a mais
rara e legítima vontade de viver.
Parabéns pela crônica. Por se acharem os donos do mundo os Estados Unidos invadem. Aonde enxergarem riquezas.
ResponderExcluirSim, de desinteressados mesmo não têm nada. Terroristas.
ExcluirBelo paralelismo, Ray. Adorei.
ResponderExcluirObrigado, amigo Brennand. Grande abraço
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