sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

"Hoje eu Conheci a Poesia", de Raymundo Netto para Thiago de Mello (2006)


Hoje eu conheci a poesia!

Sim, minha amiga, ela vinha caminhando lenta, pequena, cabelos encanecidos, lábios grossos e um olhar embaciado.

Ela, completamente branca como a nuvem que se banha no sol, gesticulava grave ao ar em dedos finos, nodosos, seguros.

Falava num cantar ritmado sobre a beleza da vida, do amor e de amar.

Falava de gente: a matéria-prima do pecado e a fronteira rente da salvação!

A poesia gotejava, vagarosa, de uma folha verde de grossas nervuras num dia de chuva;

Fixava curiosa com olhos amendoados a descoberta de um ciclope;

Borbulhava tensa no confrontamento que singra nas vaidades de rios;

Desencrespava os negros cabelos e se mostrava firme na face grácil de mulheres em vestes molhadas, esculpidas na doçura da incerteza e na certeza da dúvida.

Gargalhava na sabedoria daqueles que ignoram;

Perseverava, cria e lutava com a delicadeza da simplicidade infrequente dos grandes cavaleiros. Grandes? Existe isso?

Sim, minha cara, hoje eu conhecia a poesia.

Com todo o respeito postava-se em pé, suas palavras ecoavam na flanância forjada na trilha perdida dos anos.

Cada golpe no peito tangia os espíritos belicosos, desabrochava versos no coração.

Visionária, a poesia descortinava o poeta, além de tudo, o legente.

É, querida amiga, hoje eu finalmente descobri, após anos de abstinência, que poesia rima com utopia!

 

Texto de Raymundo Netto para Ana Miranda, após conhecer pessoalmente o poeta Thiago de Mello, apresentado por ela, em 8 de junho de 2006. Mais tarde, como curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará, convidaria Thiago de Mello, juntamente com Carlos Heitor Cony para compartilharem uma mesa poética.




 


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