domingo, 8 de novembro de 2015

AlmanaCULTURA In Dica: "O Caso de Charles Dexter Ward", de H.P. Lovecraft

H.P. Lovecraft


(*) Dica de leitura do quadro "Vamos Ler" da REVISTA O POVO na rádio O POVO/CBN, com Maísa Vasconcelos e participação quinzenal de Raymundo Netto
(terças-feiras, às 15h45) - 3 de novembro de 2015

O caso de Charles Dexter Ward é o único romance escrito pelo estadunidense Howard Phillips Lovecraft, o H.P. Lovecraft (1890-1937), certamente um dos maiores autores da literatura de horror e fantasia do século XX, influenciando vários criadores não apenas de literatura fantástica (dentre eles, Jorge Luís Borges e Stephen King), mas também dos quadrinhos (Neil Gaiman, Alan Moore, Sérgio Bonelli), mangás, animes, cinema e da música.
Aliás, a biografia do autor – que iniciou-se prematuramente na poesia, mas tornou-se leitor de Edgar Allan Poe e Oscar Wilde – é muito curiosa e indico a sua leitura para, pelo menos, causar suspeita sobre os, ou que tipos de, pesadelos poderiam existir na sua mente criativa.
Mas vamos ao livro.
Crê-se que a obra tenha sido escrita por volta da década de 1920, embora foi publicada apenas após a morte do autor, assim como a compilação de muitos de seus trabalhos publicados em revistas – ironicamente, durante muito tempo trabalhou como “escritor-fantasma” –, pelo esforço de amigos que reconheciam o seu talento e a sua dedicação ao gênero.
A trama se passa no período entre 1918 a 1925, aproximadamente, em Providence, Rhode Island, terra em que nasceu e morreu Lovecraft – ele só saiu de Providence quando se casou com Sonia Greene, passando a residir em Brooklyn, New York, o que não durou, pois logo se separaram e nunca tiveram filhos.
Na minha leitura, percebo três fases distintas, após o preâmbulo muito bem estruturado que nos serve como “isca”: (1) a história do tetravô de Charles: Joseph Curwen, (2) a história de Charles e (3) a história do Charles pai e do dr. Willet, médico de Charles, que cresce de forma determinante no romance, assim como a dinâmica do texto.
Charles, com cerca de 18 anos, era filho único de um casal bem-sucedido financeiramente. Gostava de arqueologia, pesquisar coisas antigas – a cidade histórica de Providence é detalhada com muito zelo por Lovecraft, que devia ter, não por acaso, esse mesmo interesse. Em uma de suas investidas, descobre ter um tetravô, Joseph Curwen, um homem enigmático, sombrio, com uma história ligada a ocultismo, demonologia, práticas satânicas e de vampirismo, roubo de cadáveres etc, que fugiu de Salem, na época das caças às bruxas, se instalando em Providence, numa fazenda, sempre rodeado de servos bizarros, onde, contam, realizava estranhos rituais, coisas estranhas aconteciam e pessoas desapareciam. A narração, em forma de dossiê, impressiona pelo detalhe e pela pesquisa, com referência a obras de magia negra e de feitiçaria, algumas reais, outras ficcionais, além do uso de códigos e mensagens em línguas arcaicas, além dos depoimentos e as histórias de moradores do seu tempo que vão aparecendo aos poucos, nos revelando todo o mistério sobre a figura de Curwen e nos envolvendo numa atmosfera gótica impressionante.
Na segunda parte, a pesquisa exaustiva de Charles em busca dos vestígios de seu misterioso parente do passado e a trilha por ele traçada, além das mudanças de seu comportamento, dos hábitos, entre outras coisas bem sugestivas que dominam a narrativa enquanto aguçam a nossa curiosidade.
Na terceira parte, com a internação do filho – a obra tem início, em seu primeiro parágrafo, com a suposta fuga de um hospital de doentes mentais –, o pai de Charles se junta ao dr. Willet para desvendar o caso de um, então, indefinível Charles Dexter Ward. Ele, Willet, que desde o preâmbulo tem participação paralela, assistindo a evolução do caso, nessa última fase tem papel de protagonista, inserido em outro ritmo de mais ação e movimento que revelam o Lovecraft brilhante e atualíssimo no gênero, num ambiente aterrorizante, meio Science Fiction, que bem poderia ser um jogo de RPG ou um clássico do cinema de terror.
Um dos grandes méritos da obra é o seu caráter investigativo, sua verdade, e a capacidade do autor em construir ambientes sinistros e macabros, manter o suspense até o final e ainda surpreender, buscando do inconsciente leitor as figuras sugestivas e simbólicas de nossos medos e pesadelos. Original, criou mundos, uma mitologia (Cthulhu) e até um grimório próprio – o Necromicon – que, há quem jure, não é apenas ficção.
Em suma: um autor que sabia o que fazia e por que fazia. Dominava técnicas de escrita e de como sugerir sem entregar, compactuando com o leitor de seu prazer, aparentemente mórbido, pelo medo e a efervescência de demônios pessoais. 
Vale a pena ingressar na sua obra, no seu mundo, com moderação, claro. Recomendo!



2 comentários:

  1. Excelente! Esse é um dos meus livros de cabeceira. HPL foi o autor determinante do gênero horror no século XX, assim como Poe o foi no século anterior. Como fã e discípulo confesso do mestre Lovecraft, dói-me jamais ter visto uma adaptação cinematográfica que faça jus à obra do "homem de Providence".

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    1. Concordo demais. Seria fantástico. Aliás, também lamento que existam documentários tão bacanas sobre Lovecraft, mas nenhum legendado. Sou fraquíssimo em inglês.

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