H.P. Lovecraft
(*) Dica de leitura do quadro "Vamos Ler" da REVISTA O POVO na rádio O POVO/CBN, com Maísa Vasconcelos e participação quinzenal de Raymundo Netto
(terças-feiras, às 15h45) - 3 de novembro de 2015
O
caso de Charles Dexter Ward é o único romance escrito pelo
estadunidense Howard Phillips Lovecraft, o H.P.
Lovecraft (1890-1937), certamente um dos maiores autores da literatura de
horror e fantasia do século XX, influenciando vários criadores não apenas de
literatura fantástica (dentre eles, Jorge Luís Borges e Stephen King), mas
também dos quadrinhos (Neil Gaiman, Alan Moore, Sérgio Bonelli), mangás,
animes, cinema e da música.
Aliás, a biografia do autor – que iniciou-se
prematuramente na poesia, mas tornou-se leitor de Edgar Allan Poe e Oscar Wilde
– é muito curiosa e indico a sua leitura para, pelo menos, causar suspeita
sobre os, ou que tipos de, pesadelos poderiam existir na sua mente criativa.
Mas vamos ao livro.
Crê-se que a obra tenha sido escrita por
volta da década de 1920, embora foi publicada apenas após a morte do autor, assim
como a compilação de muitos de seus trabalhos publicados em revistas –
ironicamente, durante muito tempo trabalhou como “escritor-fantasma” –, pelo
esforço de amigos que reconheciam o seu talento e a sua dedicação ao gênero.
A trama se passa no período entre 1918 a
1925, aproximadamente, em Providence, Rhode Island, terra em que nasceu e
morreu Lovecraft – ele só saiu de Providence quando se casou com Sonia Greene,
passando a residir em Brooklyn, New York, o que não durou, pois logo se
separaram e nunca tiveram filhos.
Na minha leitura, percebo três fases
distintas, após o preâmbulo muito bem estruturado que nos serve como “isca”:
(1) a história do tetravô de Charles: Joseph Curwen, (2) a história de Charles
e (3) a história do Charles pai e do dr. Willet, médico de Charles, que cresce
de forma determinante no romance, assim como a dinâmica do texto.
Charles, com cerca de 18 anos, era filho
único de um casal bem-sucedido financeiramente. Gostava de arqueologia,
pesquisar coisas antigas – a cidade histórica de Providence é detalhada com
muito zelo por Lovecraft, que devia ter, não por acaso, esse mesmo interesse.
Em uma de suas investidas, descobre ter um tetravô, Joseph Curwen, um homem
enigmático, sombrio, com uma história ligada a ocultismo, demonologia, práticas
satânicas e de vampirismo, roubo de cadáveres etc, que fugiu de Salem, na época
das caças às bruxas, se instalando em Providence, numa fazenda, sempre rodeado
de servos bizarros, onde, contam, realizava estranhos rituais, coisas estranhas
aconteciam e pessoas desapareciam. A narração, em forma de dossiê, impressiona
pelo detalhe e pela pesquisa, com referência a obras de magia negra e de
feitiçaria, algumas reais, outras ficcionais, além do uso de códigos e
mensagens em línguas arcaicas, além dos depoimentos e as histórias de moradores
do seu tempo que vão aparecendo aos poucos, nos revelando todo o mistério sobre
a figura de Curwen e nos envolvendo numa atmosfera gótica impressionante.
Na segunda parte, a pesquisa exaustiva
de Charles em busca dos vestígios de seu misterioso parente do passado e a
trilha por ele traçada, além das mudanças de seu comportamento, dos hábitos, entre
outras coisas bem sugestivas que dominam a narrativa enquanto aguçam a nossa curiosidade.
Na terceira parte, com a internação do
filho – a obra tem início, em seu primeiro parágrafo, com a suposta fuga de um
hospital de doentes mentais –, o pai de Charles se junta ao dr. Willet para
desvendar o caso de um, então, indefinível Charles Dexter Ward. Ele, Willet, que desde o preâmbulo tem
participação paralela, assistindo a evolução do caso, nessa última fase tem
papel de protagonista, inserido em outro ritmo de mais ação e movimento que
revelam o Lovecraft brilhante e atualíssimo no gênero, num ambiente
aterrorizante, meio Science Fiction,
que bem poderia ser um jogo de RPG ou um clássico do cinema de terror.
Um dos grandes méritos da obra é o seu caráter
investigativo, sua verdade, e a capacidade do autor em construir ambientes
sinistros e macabros, manter o suspense até o final e ainda surpreender,
buscando do inconsciente leitor as figuras sugestivas e simbólicas de nossos
medos e pesadelos. Original, criou mundos, uma mitologia (Cthulhu) e até um grimório próprio – o Necromicon – que, há quem jure, não é apenas ficção.
Em suma: um autor que sabia o que fazia
e por que fazia. Dominava técnicas de escrita e de como sugerir sem
entregar, compactuando com o leitor de seu prazer, aparentemente mórbido,
pelo medo e a efervescência de demônios pessoais.
Vale a pena ingressar na sua obra, no seu mundo, com moderação, claro. Recomendo!
Vale a pena ingressar na sua obra, no seu mundo, com moderação, claro. Recomendo!
Excelente! Esse é um dos meus livros de cabeceira. HPL foi o autor determinante do gênero horror no século XX, assim como Poe o foi no século anterior. Como fã e discípulo confesso do mestre Lovecraft, dói-me jamais ter visto uma adaptação cinematográfica que faça jus à obra do "homem de Providence".
ResponderExcluirConcordo demais. Seria fantástico. Aliás, também lamento que existam documentários tão bacanas sobre Lovecraft, mas nenhum legendado. Sou fraquíssimo em inglês.
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