sábado, 14 de novembro de 2015

"A Indecifrável China", de João Soares Neto


“O trabalho de um escritor não é confirmar o que
as pessoas pensam, é desafiá-las”.
Malcolm Gladwell, jornalista e escritor contemporâneo.

Estive, por duas vezes, na Ásia. Visitei alguns países, entre os quais a China. Entre uma viagem e outra mediou tempo. Por oportuno, lembro que o professor William Gary Vause, fluente em mandarim e vice Dean da Stetson University, casado com a minha irmã Célia, foi então convocado pelo governo dos EEUU para fazer parte do que se convencionou chamar de “diplomacia pingue-pongue”. Célia e Vause passaram dois longos períodos na China como precursores do processo de intercâmbio entre estudantes e professores dos dois países.
Estudantes chineses foram cursar mestrado na América. Alguns optaram por não voltar. Muitos voltaram e, certamente, ajudaram a formar essa geração diferente de hoje.
Digo diferente, a partir dos postulados da Revolução Cultural de Mao-Tse-Tung que, hoje, parece fazer parte da história ainda não decifrada pelo pouco tempo de distanciamento crítico.  Mao está eternizado em grande painel com imensa foto na Praça da Paz Celestial. O resto mudou.
O pragmatismo da China parece ser embasado, em parte, pelos conhecimentos adquiridos por diligentes empreendedores e jovens acadêmicos que se espalharam mundo afora em busca de aprender o diferente, o não sabido. Some-se a isso a carga das heranças, dos costumes e das tradições milenares.
Desse entrechoque de cultura com o que viram e aprenderam, eclodiram informações, sistemas comerciais, processos industriais e tecnológicos avançados, ao mesmo tempo em que o país retomava o poder suave sobre Hong Kong. Assim, a China possui hoje três dos maiores centros financeiros do mundo: Pequim, Shangai e Hong Kong.
Agora, houve o primeiro encontro entre os governantes chineses e os de Taiwan, a dissidência de 1949 que formou outro Estado, menor, mas sempre crescente. Ademais, o governo chinês, aboliu de vez a “política do filho único”, relaxada há tempo. Cada família poderá ter dois filhos e obter direito à educação básica, assistência médica e benefícios, um arremedo de bem-estar social.
Sabe-se que muitos chineses amealharam fortunas nos últimos 50 anos. Alguns integram as famosas listas anuais que indicam, para a vaidade de alguns e tristeza de outros, a relação dos bilionários do mundo. Um só exemplo: esta semana, o chinês Liu Yiquian, que já foi taxista e ficou rico investindo em bolsas de valores, comprou o quadro “Nu Chouché”, de  Modigliani, por  647 milhões de reais, e se dá ao luxo de fundar museus.
O que não se sabia é que jovens famílias chinesas de bom nível financeiro resolveram que seus novos filhos nasçam em países onde fizeram cursos, mantêm negócios ou que os atraem pela diversidade cultural. Assim é, por exemplo, que os Estados Unidos viraram porto de entrada de milhares de chinesas grávidas – lembre-se que elas são magras e podem disfarçar bem.
Na condição de turistas se quedam até o nascimento de seus filhos, em bons hospitais, e os registram como cidadãos americanos. As leis ianques permitem que essas crianças, aos 21 anos, possam optar pela cidadania americana e obter o “green card” para familiares. Esse mesmo fenômeno ocorre em outros países.
Por estas linhas arrevesadas é que ouso dizer que não só os ensinamentos de Confúcio, Lao-Tse e Mao, agora misturados com o pragmatismo das últimas gestões governamentais, somados ao aprendido em Harvard, Yale, Oxford, Cambridge e em outras universidades e centros de treinamentos em negócios, tornam, pelo menos, para mim, ainda difícil entender a indecifrável e portentosa China.


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