“Deixe-me ir, preciso andar. Vou
por aí a procurar rir prá não chorar”*
Então, pus o Cartola na cabeça e toquei a mesma
estrada daqueles que não voltaram para contar história. E, um dia, acreditei,
por perceber-me tão soltamente de um jeito: “Nada mais tenho a perder!” Coisa
de assusto e libertação. Passei a pegar ônibus mais lento, do motorista duvidar
se há-inda passageiro; de não olhar relógio; de não saber como nem quando voltar;
de não me perguntarem se vou ou se volto e de não me esperarem para nada e por nada
esperar.
“Quero assistir ao sol nascer, ver as águas dos
rios correr, ouvir os pássaros cantar. Eu quero nascer, quero viver...”
Da amiga saltou o pensamento: “Raymundo, você é a
única pessoa que conheço a dizer não ter nada com tanta alegria...” Verdade. Geralmente,
as pessoas se pabulam de seus “teres”, desperdiçam as poucas horas de
convivência falando de um seu apartamento, celular novo, aparelho de som,
investimentos ou do brilho do plástico a cobrir os bancos cheirosos do
automóvel financiado em prestações a perder de vista. Pois sim, nada tenho a
não ser o que sou e, acreditem, acho até muita coisa. Por outro lado, tenho
tudo que um verdadeiro rico tem: sei gastar e gasto sem ter pena, adoro
presentear, tenho gosto, não olho extrato, não sei quanto ganho, nem o que devo...
Enfim, só me falta dinheiro. No mais, asseguro: tenho tudo que um rico precisa.
Dentre as minhas neuroses, uma atrapalha: a de
achar a vida pequena, curta demais. Daí, construí minha vida desconstruindo-a
numa verdadeira colcha de retalhos, pedaço daqui, pedaço dali, vida múltipla,
experiência vária, mundo diverso. Abandonava, tempos em tempos, a ora vida num
canto e apropriava-me de pulso da outra. Um EU a saltar no escuro na espera do
baque final de nunca chegar, duvidando e acreditando em tudo, de rir para a
vida, de sofrer tanto e tanto e mesmo assim não parar, simplesmente, porque o
tempo nunca me confiou de seu perdão.
“Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar
depois que me encontrar...”
O certo é que muito aprendo todos os dias andando
por outras calçadas, colhendo palavras alheias, encantado por olhos a contar de
sentimentos singelos, doando meus braços a cuidar da dor emprestada, ouvindo o
que o vento traz na voz de folhas das poucas e roucas árvores benfiqueanas,
apostando em encontros inesperados, curando da respiração o que a saudade
insiste em revelar. Coloco a mochila velha nas costas, aparo com as pálpebras o
sopro da tarde no rosto. Penso se vale a pena o único pensamento num futuro,
este, em recesso, apenas presente no sorriso de duas crianças de queridos abraços
umbilicais. Hoje, mesmo quando a tristeza chega pelo descuido de uma veneziana
no peito, a guardo num porta-níquel junto com uma fita amarela, o passaporte em
branco e uma lágrima que já não chorei. Hoje, quero mais é sentir o calor do
instante e caminhar à sombra do verso que nunca escrevi.
(*) “Preciso me Encontrar”, de Cartola (para
ouvir a música, clique no linque):
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns! Caro Raymundo Netto! Li seu trabalho hoje pela manhã. Quando comecei a ler, fui debulhando as entrelinhas do texto mais pelo título, pois me chamou a atenção. Nem pensava que era seu. Parabéns amigo! Um grande abraço. E sempre vou acompanhar seus textos.
ResponderExcluirProf. Gilson Pontes