terça-feira, 10 de maio de 2011

"Cauby, Cauby!", por Audifax Rios, para O POVO

Noites de inverno, ruas desertas, e na pracinha alguns vultos sisudos sob igualmente circunspectos guarda-chuvas negros a conversar à luz dos globos que haviam substituído os antigos lampiões de gás. Uma voz nova ecoava dos roufenhos alto-falantes da Amplificadora Padre Antonio Tomás apregoando ser o amor uma pérola rara, ter o fulgor de um rubi. Era uma versão que Haroldo Barbosa e Roberto Luna haviam concebido para o novo astro tornar sucesso como vinha fazendo acontecer a outras canções estrangeiras como "Innamorata" e "Blue Gardenia". Bom, sem mais suspense, essa nova estrela que surgia fulgurante na constelação da música popular brasileira chamava-se Cauby Peixoto de Barros, um fluminense nascido numa família de músicos, cujo parente mais famoso era nada menos que o tio Ciro Monteiro.


O pai, Cadete, que tocava violão, era certamente um leitor de José de Alencar. Ninguém, sem essa prerrogativa, colocaria nos filhos os nomes de Moacir e Araquém (instrumentistas) e Iracema e Andiara (cantoras). De quebra havia a mãe que arranhava o bandolim e o tio Nonô, pianista. Todos useiros e vezeiros dos palcos da Tupi do Rio, Excelsior de São Paulo e das boates Casablanca, Oásis e Arpege. Nesse meio tempo o empresário Di Veras pretendia renovar o cast da Rádio Nacional (Emilinha, Marlene, Orlando Silva, Alcides Gerardi...) e preparou o garoto Cauby nos moldes americanos, com grande aparato publicitário, visual diferenciado e muitos recursos sonoros adicionais. Uma legião de fanzocas foi posta à porta da emissora no dia da estreia, pronta para rasgar-lhe as roupas adrede pespontadas. Todo o Brasil deu resposta imediata e, desse modo, os alto-falantes da pequena cidadezinha também bradavam, a plenos potenciômetros, o amor a "Conceição" (Jair Amorim e Dunga) jurado ante o "Nono Mandamento" (Renê Bittencourt). E logo vieram os sucessos de "Prece ao amor", "Ninguém é de ninguém" e "É tão sublime o amor". Um passo para o reconhecimento lá fora. A revista Time considerou Cauby Peixoto o maior ídolo da canção brasileira e logo enviou passaporte para excursão na América.


Durante anos Cauby, agora Ron Coby, dividiu sua vida entre o Brasil e o Estados Unidos. Lá fez filme para a Warner Brothers (Lamboreé) e gravou "Maracangalha (I Go)" do Caymmi. Na Itália arrastou o grande prêmio do Festival de San Remo com "Zíngara" (R. Alberteli, versão de Nazareno de Brito). De volta ao Brasil apresentou-se, em diversas ocasiões, nos sets da querida TV Ceará, canal 2, onde fez sólida amizade com a apresentadora Neide Maia.


Ao comemorar os vinte e cinco anos de carreira, Cauby passou de intérprete a personagem. Gravou Cauby, Cauby com músicas feitas especialmente para ele por Caetano Veloso (a do título), Chico Buarque ("Bastidores"), Tom Jobim ("Oficina"), Roberto e Erasmo Carlos ("Brigas de amor") e outros. Logo depois lançou um álbum em parceria com Ângela Maria aberto com "Começaria tudo outra vez" de Gonzaguinha.


Tempos passaram e a antiga irradiadora da cidadezinha (como o circo) foi engolida por aparelhos mais sofisticados, mas é como se na pracinha molhada ainda ecoassem as vozes dos antigos astros: Nelson Gonçalves, Nora Ney, Chico Alves, Dalva de Oliveira. E Cauby Peixoto, aquela nova luz, à procura da musa, Conceição, perdida nos ainda inocentes morros cariocas.


Durante toda essa trajetória uma coisa ficou patente: o irretocável timbre de voz do cantor. Aos oitenta ainda surpreende. Ainda a gema rara e o rubi. O fulgor dos brilhantes, o ouro de lei. Como rezava a composição de Jay Livingstone e Ray Evans. Mas Conceição era uma cabrocha bem brasileira.

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