Centro de Arte Moderna / Fund. Gulbenkian
Lisboa, Portugal
Finalmente, hoje tive um pouco de contato com arte! Foi necessária alguma insistência, pois na minha primeira parada, o CCBNB, mal pude me concentrar nas fotografias de António Menéres, sobre paisagens lusas numa varredura histórica dos anos 50 até hoje. Algumas imagens eram muito bonitas, mas eu estava verdadeiramente incomodada por uma pedagoga que distribuía, aos gritos, lápis de cor para crianças sentadas num dos cantos da galeria. A mulher, com um sotaque estranhíssimo, berrava para os meninos (que deviam ter de quatro a seis anos de idade) que na contemporaneidade todo mundo podia ser artista (sic!). Quando ela finalmente se calou, tomada pelo repentino bom senso de observar os futuros gênios do desenho, eu estourava de dor de cabeça. Desci até a exposição do primeiro andar, mas não tive paciência: ali também berravam algumas pessoas, confundindo diversão com ruído (uma coisa tão vulgar, meu Deus!). Qualquer tentativa de decifrar os sons da vídeo-instalação seria inútil, então eu desisti, além do que, geralmente essas propostas me dão um aborrecimento mortal. Aquela, então, pretendia discutir o papel do curador: não era o momento nem o local para eu refletir sobre isso. Provavelmente, pensaria a respeito de bom grado, se o vídeo passasse num canal de cultura. Ali, em meio àquela balbúrdia de um domingo no museu, não dava.
Acabei encontrando o mesmo tema, tratado com muito mais leveza e graça nos trabalhos de Jonathan Harker. Eu já os tinha visto antes, mas agora, com a mostra "Estrangeiros" no MAC do Dragão, pude rever não só a fotonovela, ótima pela ironia e humor, mas também os divinos trabalhos fotográficos da Florencia Rodrigues. Desde a primeira vez em que encontrei a série Adaptación Orilla, fiquei completamente arrebatada. Hoje experimentei tudo de novo e não vi o tempo passar: anotei as sensações, senti os bons arrepios, os estremecimentos que só esse tipo de arte causa... Algum dia vou abrir um tópico específico só para falar sobre Florencia. Por enquanto, volto ao Harker.
A discussão que este artista propõe, sobre arte e curadoria, envolve aspectos bem mais largos. Facilmente saltei deste ponto e me pus a pensar nos elementos de descontração (ou acaso), por um lado e, por outro, uma disciplina rígida no ato de fazer arte. Ambos podem ser os motores do produto artístico, mas parece que cada vez mais é preciso criar justificativas cerebrais e esconder o improviso. Para inscrever trabalhos, vê-los aceitos em museus ou editais, sempre existe a exigência de palavras vazias, que evoquem conceitos ou contrapartidas: é o ranço acadêmico invadindo os ambientes que administram a arte (o que não necessariamente significa que museus e galerias só abriguem "arte acadêmica", claro). Mas para que exigir do artista uma coerência, um projeto, se o seu território é o da liberdade? Claro que há os que, como eu, precisam uma organização, tempo e ilusão de consciência para criar - mas existem, às pencas, artistas que só produzem no caos.
O efeito do processo não interfere na estética final. O espectador nunca saberá do esforço ou da sorte que forjou as circunstâncias para que uma obra nascesse - e não deve, inclusive, saber: essa informação é íntima demais e não se destina ao consumidor do produto. A quem, então, essas instâncias enganam, ao exigir objetivos precisos na apresentação de uma arte? Tudo resulta num pacto burocrático - e os hipócritas gestores continuarão falando em pretensões ecológicas, enquanto as pilhas de papel crescem, documentos ridículos que nunca provam nada!
Falando em papel, outra exposição interessante no Dragão foi a Miguel Guiter, com suas filigranas. Um belo trabalho, feito com destreza e delicada paixão. Entretanto, apesar da advertência do curador (em letras bem visíveis, no texto da parede), encontrei mais de um comentário insensível no livro de assinaturas - coisas do tipo "Parabéns por usar material reciclável". Meu Deus do céu, dá-me paciência!
Fonte: literatercia.blogspot.com
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