Painel de Vitché, fotografado por Maína Junqueira, na rua dos Alpes, Cambuci.
Fogem, fogem desatinados e desesperados, fogem por instinto, a suçuarana brava foge medrosa, foge a raposa pelos campos, para onde? para onde? foge a cutia, o cuandu solta espinhos e foge, bandos de quatis em desabalada carreira fogem, fogem pacas e preás, maracajá se esquece da beleza e na pele mosqueada foge, também os travessos soinhos se jogam dos galhos para os rios, mas ali não há água, nem salvação, como não há oração que salve as mixilas, nem pode o mocó sair do lajedo cercado de labaredas, fogem pelos campos os guaxinins e jaratatacas e gambás, arremetem os catingueiros, varrem sufocados, com seus galheiros em brasa, zune feito flecha a suçuapara dos índios, tatus vão pelos desertos, iraras vomitam leite, macambiras procuram inúteis grutas, caititus saem do mato virgem, jacurutus correm para dentro das locas, as queixadas continuam queixosas e não correm, apenas caem e viram carvão, pebas aprofundam suas tocas, mas elas continuam tórridas, de onde vem esta sensação? que é isto? não se lembram de esperar a manhã para deixarem seus esconderijos em busca de insetinhos e saem para as chamas, tamanduás-mirins com suas frocadas caudas de espanador ficam tontos e desarvorados, não conseguem trepar e nem correr, olham para lá, para cá, cercados pelo círculo de fogo, cassacos fogem, rato-rabudo com seus filhotes salta desnorteado, teju não come ovos, foge, jaguaretê devora cinza, pássaros sobrevoam o fogo e se alçam acima da escuridão do fumo, mas seus ninhos torram e torram seus ovos e filhotes, bate forte o coração das avoantes, urubu chora, caracará mareja os olhos, a última ararinha azul deixa a copa da carnaúba, o coração pesado, o gavião não compreende, o que é este predador que não consegue combater? não pode se defender? acauã inimiga das cobras não canta, corujas acordam e não giram suas cabeças, levantam um voo errante, caburé ordinário, bacurau, oitibó, mãe-da-lua, o que é? o que é? acabou-se o mundo! trinam os trinca-ferros, piam papagaios, as últimas juritis suspiram eternamente tristes, japim sofre, sofre batuíra, abandona seus filhos e chora, pipiam os periquitos, tizius, sibites gritam, fogo nos maçaricos, brasa nas corruíras, andiras desprezam, saixê graciosa se desarruma, inhuma não espera a meia-noite, vem-vem não vem, uirapurus-laranja silenciam, fogem pica-paus sem mais paus para picar, suas casas são negros fornos de fumaça, seus filhotes sufocados, jaçanã não pode avoar e corre, esquece de comer sementes e foge, planadeira não plana, joão-de-barro procura igreja, martim-pescador não pesca, guinguira lamenta, araponga martela, asa-branca não ponteia, bem-te-vi não vê, tesourinha não faz acrobacia, sabiá pranteia, coxixo não cochicha, a negra luzidia graúna empalidece, o quiri-quiri não tem mais querer, o rixinó perde a flauta, a rola-azul é rola-cinza, jandaia cospe o caju, triste, muda, desdenhada, bico-virado desvira, o feio urutau somente sabe gemer, tico-tico é sem fubá, trinca-ferro se destranca, crispim logo se encrespa, patativa se recolhe na viola, bicudo não bica, sanhaço deixa o coqueiro e cai no coco, verdelino não volteia, xexéu não respira, bico de veludo engrossa, fogo-pegou fogo-pegou, grita o fogo-apagou, juruviara tem medo, joão-chichi não chia, aracuã recua, mané-besta foge, para onde para onde? uru uru, para onde? ema não come cobra, sapo não come mosquito, fujam fujam, adeus pia-cobra, adeus curicaca, adeus garça real com toda a tua fidalguia, jabuti, jacaretinga, adeus, adeus repugnante anfisbena eu até te amava, adeus jiboia, caninana, cascavel sibila, jararaca não se achata, boicininga verte fogo, surucucu come siriema, cobra verde fica negra, perereca se desespera, jia não dá bom-dia, sapo cururu não entoa, rã-rã, rã-rã, gorgulho da folha não sai, cicindela linda vira cinza, formigas viram grãos, o aveludado cor de bronze vira ouro, pirilampos não cintilam, cri-cri nas labaredas, olho-de-sol fecha os olhos, vira-bosta não estercora, mariposa se joga no fogo encantada, careta perde os élitros, testa-de-lã tricoteia fogo, guarda-de-cinturão não faz café, oncinha-das-folhas se rebela, põe-mesa não põe a mesa, louva-deus não reza, ó Deus onde estás? carrapato não suga, cupim não constrói, borboletas perdem suas asas tão fininhas, jati não faz mais mel, amarga a vida, lacraus se envenenam, estrelas não grudam, tudo está desvairado neste inferno de fogo.
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