Estivemos, Pedro Salgueiro e eu, dia 30 de setembro passado, na Biblioteca Menezes Pimentel, a convite da direção da Secretaria da Cultura do Estado (leia-se Raymundo Netto), para uma conversa com estudantes. “Nunca antes na história deste país” os escritores estiverem tão próximos dos leitores, especialmente dos alunos das escolas públicas.
Airton Monte, o terceiro convidado, amanhecera adoentado das cordas vocais: passara a noite anterior a cantar árias. Convidamos, então, o Poeta de Meia-Tigela a se juntar a nós atrás da mesa, no lugar reservado ao grande contista e cronista. Não fomos atendidos, no entanto, sob a alegação de que não se sentia capaz de substituir o autor de Homem não chora, um dos melhores livros de contos publicados no Brasil no último quartel do século passado.
Falamos de livros, José de Alencar, Rachel de Queiroz, o hábito da leitura, etc. Todos muito atentos às nossas falas. Distribuímos livros (nossos), recebemos afagos, fomos idolatrados pelos jovens cearenses. A seguir, rumamos, em minha carruagem cibernética, para minha mansão, no bairro Monte Castelo. Mais tarde, após trinta latinhas de cerveja, apareceu o escultor Lúcio Cleto.
A noite transcorreu tranquila, quase amena. Ninguém alevantou a voz, ninguém fez queixas, ninguém leu poemas. Pedro falou do próximo encontro dele com Dalton Trevisan, o Poeta prometeu outra sinfonia de versos, Netto contou histórias de muita lubricidade e Cleto se manteve a imaginar nós quatro montados no cavalo do apocalipse: sua próxima escultura.
Ontem foi a vez de visitarem minha casa o contista Felipe Barroso e os poetas Daniel Mazza e Carlos Nóbrega, além de dois jovens estudantes de Direito (Patrick Beserra e João Leite, alunos de Felipe) que também se apaixonaram por literatura. Mais cerveja, mais queijo, mais mortadela. E muito Marcel Proust (Nóbrega leu recentemente À la recherche du temps perdu, enquanto não passei do primeiro volume, Caminho de Swann, em português), muito Immanuel Kant (Daniel anda às voltas com o Das Ende aller Dinge – coitado de mim, que só li as primeiras páginas da tradução brasileira, intitulada O fim de todas as coisas), muito William Shakespeare (Felipe, quando viveu na Inglaterra, leu a obra completa de The Bard, tanto no inglês de hoje como no do tempo do poeta, enquanto eu, pobre leitor de gibis, não fui além de Hamlet e Otelo, em português.
O banquete se alongou pela madrugada. Entretanto, Daniel não esperou pelo ato final. Prefere outros banquetes, como os de Platão. E lembrei-me de um trecho do Banquete, uma fala de Erixímaco: “Pois para mim eis uma evidência que me veio da prática da medicina: é esse um mal terrível para os homens, a embriaguez; e nem eu próprio desejaria beber muito nem a outro eu o aconselharia, sobretudo a quem está com ressaca da véspera”.
Senti-me um verme, um idiota, estulto escrevinhadeiro. Não, não me avacalho tanto (vai este verbo mesmo, mais apropriado para este parágrafo do que o erudito acobardar-se): senti-me tufo de capim, talvez barba-de-bode. Simples erva, planta baixa. A ver aquelas árvores imponentes, aqueles jatobás no meio da caatinga. Senti tanta vergonha de ser reles, que me espalhei no chão, bêbado de tudo. E dizia, para espanto de meus convivas, sem me saber fiapo de relva: "to be, or not to be".
Fonte: Literatura sem Fronteira, blogue de Nilto Maciel: niltomaciel@uol.com.br
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