domingo, 5 de abril de 2015

"Escritores dos Escritores", de Pedro Salgueiro para O POVO


Anton Pavlovich Tchekhov

Existem aqueles escritores que são mais lidos – citados, e até copiados – por outros escritores. São os chamados “escritores de escritores”. O anglo-americano Henry James é um deles, com seu estilo sinuoso e pleno de sutilezas agrada muito a seus pares; o canadense-norte americano Saul Bellow também é bastante prestigiado por colegas de ofício; na América Latina o uruguaio Juan Carlos Onetti é mais mencionado por outros escrevinhadores que pelo público leitor em geral. Talvez o pernambucano Osman Lins seja o caso mais acabado de “escritor para escritores” entre nós: admirado, propalado, mas pouquíssimo lido.
Nosso Moreira Campos volta e meia citava o russo Tchekhov, seja em informais conversas com amigos ou em palestras sobre literatura; me recordo de umas quatro vezes em que o ouvi citar de cor frases do famoso contista: “Se a espingarda não vai atirar, retire-a da sala” era uma das sentenças mais lembrada; repetia entre risos a que afirmava: “se um personagem tosse no primeiro parágrafo, fatalmente morrerá tuberculoso ao final do conto”. Também outro “monstro sagrado” das nossas letras, o paranaense Dalton Trevisan – ele mesmo bastante apreciado por outros contistas mundo afora – paga sempre tributo ao criador do exaustivamente mencionado A dama do cachorrinho; num texto em que enumera as verdadeiras “delícias da vida”, o “Vampiro de Curitiba” confessa babar por “um que outro conto de Tchekhov”.
Mas Tchekhov foi um caso singular entre os “escritores de escritores”, começou sua carreira literária escrevendo bem-humorados continhos em jornais para ajudar no sustento da família, que era muito pobre. Ainda cursando medicina, criou fama com suas engraçadas historinhas, revelando acima de tudo o lado ridículo da gente mais simples. Só tempos depois, já bem de vida, foi que passou a escrever, digamos – lembrando que mesmo seus primeiros textos eram de qualidades insuspeitas, como atestam as muitas coletâneas que ainda hoje os reproduzem em todas as línguas –, seus “contos pesados”, que revolucionaram a narrativa curta e o tornaram um dos mais citados autores do século XX.

Diferentemente dos contos, suas peças teatrais não agradaram de início, até seu mestre e amigo Tolstói lhe dizia que as detestava: já hoje, Jardim das cerejeiras, A gaivota, Tio Vânia e As três irmãs se tornaram “cult” e são encenadas no mundo inteiro com enorme prestígio. Deixou, como todo verdadeiro mestre, uma legião de seguidores: desde os simples diluidores aos recriadores mais poderosos: entre os mais famosos estão a neozelandesa Katherine Mansfield, o russo Ivan Bunin e o brasileiro Dalton Trevisan. E mesmo já se passando mais 100 anos de sua morte é comum lermos resenhas sobre novos escritores começarem com diretas comparações a ele, frequentemente alguém é tido – com razões ou forçadamente – como seu discípulo: inclusive a recém-ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, a discreta canadense Alice Munro, não tem seu nome citado sem que ao lado não esteja a sombra poderosa de Anton Pavlovich Tchekhov.

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