Por
saber que a saudade traga a gente, o tempo nos ensina que a gente traga sempre
uma saudade.
Desde
pequeno tenho como regra a saudade de tudo, mesmo daquilo recomendável lançar
do parapeito da janela mais distante. Chega-me de Neruda: “saudade é sentir que
existe o que não existe mais”. E existo, tão saudoso de um jeito, a sentir saudades
até dos meus erros. Sim, por que não? Errei muito na vida. Erros tão
conscientes e queridos a não me deixar sequer sombra de arrependimento. Aliás,
meus erros me são tão sinceros que sou de não poupar oportunidade de sempre contá-los,
no afã de mostrar-me às pessoas para que não se iludam a meu respeito, me
entendam e não esperem mais de mim. Afora do que veem, asseguro, sou apenas
fama e fantasia.
Mas há,
em feliz, quem inda goste de mim assim, sem exigir-me de mais nada. Outros, pensam
— e expressam — o que poderia melhorar para estar bem, quase me desenhando outro.
No entanto, haveria de haver também aqueles que me têm a mais cordial antipatia
e descrédito.
Tenho
assim, outra fragilidade a confessar. Creio, e creio de verdade: as pessoas que
me gostam são bonitas, simples e especiais. Ao contrário, quem não gosta de mim
é porque embriaga-se no seu fel, tem mau caráter e espírito de porco (com todo
respeito ao pobre animal). Faz, de fato, um grande favor em revelar-me o seu
não-ter-o-que-fazer espiritual.
Mesmo
assim, também a estes, curiosamente leitores fieis — sempre esperando
escorregões de vírgulas (essa coisinha gibosa, enfisematosa e de baixa autoestima),
— denuncio, aqui, minhas incorrigíveis falhas: Não gosto de aparecer, nem de
títulos, muito menos crachás. Detesto multidões e falar em público. Sou gago,
cheio de tiques, distraído e enjoado. Incompetente nas coisas mais simples, não
sei coisas demais. Tenho problema com relógio de ponto e com extratos
bancários. Gosto de letras, não de números, por isso não me adapto ao dinheiro.
Guardo coisas velhas que não têm valor nem interessam a ninguém. Gosto de andar
de ônibus e a pé. Adoro roupa muito usada (as primeiras da gaveta), filmes em
preto e branco e mesa de bar de esquina. Não sei nome de carros, não como ao
lado de quem não gosto, nem danço coisa nenhuma, além de ter passado da idade
de ter que ouvir aquela música que todos ouvem apenas porque é o sucesso do
momento. E, para concluir, a mais grave: acredito serem possíveis muitas coisas
que todas as outras pessoas já sabem, de berço, que não dão certo, mas eu
insisto nelas mesmo assim.
Machado
de Assis, ao acaso, concluiu: “Um dos defeitos mais gerais entre nós é achar
sério o que é ridículo, e ridículo o que é sério”.
Daí, não
me iludo com a vida alheia. Quando falam com muito entusiasmo de
personalidades, de seu progresso profissional ou afetivo, olho sempre com desconfiança.
Quando me perguntam quem eu gostaria de ser, não cito os grandes nomes, mesmo
aqueles cuja plateia ecoa em idolatria, admiração e amor. Ora, cada qual
suporta uma sua dor, mas nem sempre ela é sentida pelos outros a apenas
enxergar o que se é permitido no olhar da conveniência de todo sempre e de
todas as gentes. Não, não gostaria de ser ninguém, não tenho vontade de ser nem
de ter nada dos outros. Por outro lado, se me perguntassem: “Quem eu não gostaria
de ser”, a resposta pularia do trampolim da língua: Raymundo Netto, esse eu
conheço bem. Deus me livre!
De
assim, continuo a (prot)agonizar o papel desse sujeitinho ridículo, como as
cartas de amor de Pessoa, com a fria esperança de uma dia liberdade, de uma
tarde compreensão e de a noite ser em silêncio.
“Eu sei
que tudo é como o fumo leve:/Foge... mas, porque a vida seja breve, /Há sempre
um dia mais para quem ama”*.
(*) Mário da Silveira (1899-1921)
Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br
Olha só é você mesmo (de umas coisas eu tava atualizada agora de outras..) E admito que talvez o seu mais grave "problema" seja o mais interessante em você:
ResponderExcluir"acredito serem possíveis muitas coisas que todas as outras pessoas já sabem, de berço, que não dão certo, mas eu insisto nelas mesmo assim."
Mais material, gosto disso. =** hahaha