quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"Quando o Amor é de Graça VII: Felicidade por Trás de Muros", crônica de Raymundo Netto para O POVO (29.11)

Minha análise faço em mesas de bares ou restaurantes, mas não as dispenso, assim como não dispenso bons pares de orelhas, geral e exclusivamente de amigos, pessoas realmente queridas, pois quem me conhece sabe: só como com quem gosto. Assim, ser convidado para comer comigo é uma espécie de homenagem, da mesma forma que, por motivos outros, também não ser convidado pode ser outra.
Em uma macarrônica conversa com a biógrafa radialista Lílian Martins e com o poeta Madjer (com dois “Y” de destino), exerci o direito ao aluguel e pus a falar de tudo o quanto minha filosofia de bolso dispunha de céu e de terra — de mar não poderia, pois a Lílian tem alergia a tudo que dele provém, como sereias, lagartos gigantes, vagas incidentais e outras pancadas afins. O tema descambou para a busca eterna e frustra da felicidade.
Disse e repito: não estou nem aí para a felicidade. “Você não quer ser feliz? Todo mundo quer!” Pois é, não penso nisso. Pode até ser de um dia, tão feliz a encontrá-la sentada à minha calçada — quando tiver uma — e que tenha sorriso livre e brilho no olhar — e, sem querer abusar, um par de grossas pernas — já que não vejo graça nenhuma em pessoas de olhar embaçado e sorriso de empréstimos.
Mas não, eu mesmo não busco por isso. Se quiser, que me encontre ela numa das esquinas de ventos revéis que sigo sem medo ou dúvida, a procurar por nada e seguindo em frente no passo do coração desamado, pero encantado pela marcha de um tempo só meu a soprar-me todo o trilhar de uma minha vida.
Minha história sempre me foi de uma liberdade incômoda. Uma constante busca de dentro a sacudir de tudo para fora, mudando meu destino a cada ato, trazendo-me à vista personagens diversos curtidos, amados, contidos e deixados para trás em lamentos ecoados de retrovisores num difícil e possível exercício de perder quase que sempre.
Meu olhar de ver páginas em branco, sem carimbos e clichês, sem o ilusório deslumbramento de vitórias, sem fracassos irrepetíveis, sem respeito nenhum a opulências e vaidades, ferramentas de gente fraca, dissimulada e egoísta, tragadas pela lascívia cerebral. Desprezo as caricaturas de lustro e os pedintes empavonados que não me valem nada a frente daqueles que trago no peito como amigos, colhidos numa seleção tão segura de admiração e carinho a trazer-lhes sempre comigo, mesmo quando nas eternas noites caminhantes pareço-me estar perdidamente só.
Para trás, olho sempre, e demorosamente, de não me perder, a ruminar as páginas já coloridas, de gravá-las no peito, como fosse possível não esquecer jamais daquilo que janãomais existe.
Pensando bem, tudo o que quero é tão pouco... Felicidade nesse mundo, não creio. E, se existir, aconselho: devemos esquecê-la. Basta-nos SER. Quando nós conseguirmos ser nós mesmos, nos encontrarmos, fatalmente ela também nos encontrará, e se deitará conosco em estrelada noite de esfuzilante e perfeito amor.
Contato: raymundo.netto@uol.com.br


Um comentário:

  1. Raymundo,
    Gostei da crônica. Está afinada. Acho que é mesmo por aí, porque muita gente perde a felicidade à procura da felicidade e termina infeliz. Ora, a felicidade, se existir, é no caminho que se trilha. Sentada numa esquina a nos esperar, não creio.
    Forte abraço!

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